Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (8º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 56 a 60
Zetapalatofaringoplastia (ZPFP): Nova Técnica Cirúrgica no Tratamento do Ronco e Apnéia Noturna.
Zetapalatopharyngoplasty (ZPPP): New Surgical Tecnique for Snoring and Sleep Apnea Treatment.
Autor(es):
Mauro B. M. Vieira*,
Sandro H. P. Leite**,
Flávia C. Cunha***.
Palavras-chave: zetapalatofaringoplastia, ronco, apnéia noturna, tratamento cirúrgico
Keywords: zetapalatopharyngoplasty, snoring, sleep apnea surgical treatment
Resumo:
Objetivo: No intuito de diminuir o risco de complicações do tratamento cirúrgico das desordens respiratórias do sono e tornar mais previsível o processo de cicatrização, idealizamos uma modificação na técnica tradicional da uvulopalatofaringoplastia (UPFP), na qual se realiza uma zetaplastia de cada lado do palato mole e uma uvulectomia subtotal. O objetivo é ampliar a passagem da nasofaringe com ressecção mínima de tecido e manutenção do formato do palato mole. Material e método: 19 pacientes foram submetidos à zetapalatofaringoplastia (ZPFP) para tratamento de ronco, associado ou não à apnéia noturna. Em 11 deles, outro procedimento cirúrgico foi realizado simultaneamente à ZPFP. Resultado: Com seguimento que varia de um a 18 meses, não tivemos casos de esténoses nasofaríngeas ou insuficiência velopalatina. Todos os pacientes tiveram melhora dos sintomas, não sendo necessária revisão em nenhum dos casos. Conclusão: A zetapalatofaringoplastia constitui uma associação natural de dois procedimentos estabelecidos, a uvulopalatofaringoplastia e a zetaplastia. Proporciona um processo cicatricial mais previsível; e, simultaneamente, maximiza os resultados funcionais e minimiza os riscos de complicações. Os resultados de nossa experiência têm sido animadores, constituindo-se no procedimento de escolha para o tratamento de distúrbios respiratórios do sono, com obstrução no nível do palato.
Abstract:
AM: We have made a modification in the classical uvulopalatopharyngoplasty technique (UPPP) with the intention to lower the complication risk and to have a more controlled healing process. Material and method: A zetaplasty is done in each side of the soft palate together with a subtotal uvulectomy. The goal is to increase the nasopharynx airway with minimum tissue resection and preserving the soft palate shape. The procedure was done in 19 patients for treatment of snoring with or without apnea. Other surgical procedure was done simultaneously in 11 cases. Results: With a follow-up between one and 18 months, there were no cases of nasopharynx stenosis or velopharyngeal incompetence. Every patient improved after the surgery and we had not to perform any revision surgery. Conclusion: ZPFP is the natural association of two established surgical techniques: UPPP and zetaplasty. It increase the functional results and, at the same time, decrease the complication risk. Our experience has been encouraging and the procedure has become our surgical treatment of choice for sleep related breath disturbances with palate level obstruction.
INTRODUÇÃO
Os otorrinolaringologistas têm papel cada vez maior no tratamento do ronco e das desordens respiratórias relacionadas ao sono. A síndrome da apnéia obstrutiva do sono é a manifestação mais séria destas desordens, mas o aumento da resistência das vias aéreas superiores pode estar presente em distúrbios respiratórios durante o sono, não associados à apnéia11. O termo síndrome da resistência da via aérea superior foi aplicado a esta condição. As desordens respiratórias noturnas estão associadas à sonolência diurna excessiva com conseqüente piora da qualidade de vida dos pacientes.
A uvulopalatofaringoplastia (UPFP), introduzida em 19645, continua a ser o procedimento cirúrgico mais comumente realizado para apnéia obstrutiva do sono (AOS) e ronco socialmente perturbador. A operação provou ser extremamente bem sucedida para o roncador habitual e efetiva para AOS em casos cuidadosamente selecionados8. Devido aos resultados satisfatórios e a baixa morbidade, a técnica foi rapidamente difundida e amplamente utilizada. Entretanto, eventualmente, pode ocasionar disfunções significativas e mesmo conseqüências catastróficas.
Entre as complicações tardias que podem ocorrer após a UPFP, a mais freqüente é o desconforto faríngeo, que tem sido associado à ausência da úvula. Outras complicações, felizmente menos comuns mas temíveis, são a insuficiência velopalatina crônica e a estenose nasofaringea. São de difícil correção, e deve ser dada ênfase em sua prevenção.
No intuito de diminuir o risco destas complicações e tornar mais previsível o processo de cicatrização, idealizamos uma modificação na técnica tradicional da UPFP. Realizamos uma zetaplastia de cada lado do palato mole e uma uvulectomia subtotal. O objetivo é ampliar a passagem da nasofaringe com ressecção mínima de tecido e manutenção do formato do palato mole.
MATERIAL E MÉTODO
No período de novembro de 1998 a junho de 2000, 19 pacientes foram submetidos a zetapalatofaringoplastia (ZPFP) para o tratamento de ronco associado ou não a apnéia noturna. Todos eram adultos, sendo 11 do sexo masculino; e oito, do feminino.
Em 11 pacientes, outro procedimento cirúrgico foi realizado simultaneamente à ZPFP. A septoplastia foi o procedimento associado mais comum, sendo realizado em 10 pacientes. A turbinectomia conjunta com a septoplastia e a ZPFP foi realizada em dois pacientes A frontomaxiloetmoidectomia endoscópica bilateral associada à septoplastia e a ZPFP foi realizada em um paciente; e a dacriocistorinostomia endoscópica associada à septoplastia e à ZPFP, em outro paciente. Um paciente foi submetido à ressecção de tumor de glândula submandibular, no mesmo tempo cirúrgico da ZPFP.
Figura 1. Amigdalectomia bilateral conservando o máximo possível de mucosa dos pilares anteriores e posteriores.
Técnica cirúrgica
O procedimento é realizado sob anestesia geral, com a cabeça do paciente estendida e exposição obtida com a utilização de abridor de boca. Inicia-se com amigdalectomia bilateral, conservando o máximo possível de mucosa dos pilares anteriores e posteriores (Figura 1). A hemostasia rigorosa do leito da amígdala é obtida com a utilização de cautério bipolar. Uma sutura de tração é colocada na úvula. É realizada uma incisão no palato mole no sentido látero-superior, a partir do ponto superior da loja amigdaliana. O retalho triangular criado, de base súpero-lateral, é descolado e rebatido (Figura 2). Uma segunda incisão é realizada na parte média do pilar amigdaliano posterior e direcionada súpero-medialmente. O retalho triangular criado de base súpero-medial é descolado (Figura 3). Os mesmos procedimentos são repetidos no lado oposto. A ponta do retalho de base súpero-medial é tracionada e suturada na extremidade superior da incisão do palato mole. A ponta do retalho de base súpero-lateral é tracionada e suturada na extremidade superior da incisão no pilar amigdaliano posterior. Suturas intermediárias são então realizadas, unindo os dois retalhos e completando a zetaplastia (Figura 4). O pilar anterior é suturado ao posterior, deixando-se apenas uma área cruenta na parte inferior da loja amigdaliana. As suturas são realizadas de maneira similar no lado oposto. É realizado uma uvulectomia subtotal, ressecando mais tecido do que mucosa (Figura 5). A incisão da úvula é fechada em sentido longitudinal, recriando uma neo-úvula (Figura 6).
Figura 2. Incisão no palato mole no sentido látero-superior, a partir do ponto superior da loja amigdaliana. O retalho triangular criado, de base súpero-lateral, é descolado e rebatido.
O uso de analgésico, especificamente a dipirona, é iniciado no pré-operatório e mantido por cinco dias em doses regulares. A antibioticoprofilaxia com clindamicina é iniciada no pré-operatório e mantida por 24 horas. Se não houver contra-indicação clínica, como em diabetes ou hipertensão arterial, o corticosteróide é iniciado no pós-operatório imediato e mantido por quatro dias. O paciente é orientado no pós-operatório a fazer gargarejos com um comprimido de ácido acetilsalisílico dissolvido em um copo de água. A alta hospitalar depende da capacidade do paciente de ingerir líquidos por via oral em quantidade suficiente para manter-se hidratado.
RESULTADOS
Todos os pacientes receberam alta hospitalar no dia seguinte à cirurgia. A principal queixa pós-operatória foi a odinofagia, que tende a aumentar até o terceiro dia e, a partir deste ponto, vai se amenizando até desaparecer entre o sétimo e décimo dia de pós-operatório. Eventualmente, houve necessidade de opióides para o controle da dor. Um paciente apresentou sangramento tardio, tendo sido necessária herimostasia sob anestesia local.
Figura 3. Segunda incisão realizada na parte média do pilar amigdaliano posterior e direcionada súpero-medialmente. O retalho triangular criado, de base súpero-medial, é descolado.
Figura 4. Suturas realizadas, unindo-se dois retalhos realizando a zetaplastia.
Figura 5. Uvulectomia subtotal, ressecando mais tecido muscular do que mucosa.
Com seguimento que varia de um a 18 meses, não tivemos casos de estenoses nasofaríngeas ou insuficiência velopalatina. Todos os pacientes tiveram melhora dos sintomas, não sendo necessária revisão em nenhum dos casos.
DISCUSSÃO
A sonolência diurna excessiva e o ronco são as características marcantes das desordens respiratórias relacionadas ao sono. O espectro patofisiológico destas desordens inicia-se com o ronco primário e progride até manifestações mais sérias, como a síndrome de apnéia noturna. O aumento da resistência da via aérea superior está presente mesmo em pacientes com desordens respiratórias do sono sem apnéia. Os distúrbios durante o sono e a sonolência diurna são corrigidos retomando a pressão intratorácica para níveis normais11.
O tratamento é principalmente mecânico ou cirúrgico, mas não medicamentoso12. Todo paciente deve ser orientado para perder peso, evitar bebidas alcóolicas e sedativos, dormir em decúbito lateral16. A pressão aérea positiva contínua por máscara nasal tem tido sucesso no tratamento, mas nem sempre é aceito ou tolerado pelo paciente. Aparelhos dentários também podem ser considerados, mas apresentam dificuldades de adaptação.
Na última década, apareceram várias inovações nas técnicas cirúrgicas para o tratamento das desordens respiratórias noturnas16. Técnicas ambulatoriais como a uvulopalatoplastia assistida a laser (LAUP)7 e procedimentos mais agressivos idealizados para obstruções em nível da hipofaringe e base da língua foram desenvolvidos e têm demonstrado seu valor13, 14, 15, 6 e suas limitaçãoes17. Recomenda-se uma indicação individualizada, para cada paciente, adequada à intensidade e ao nível de obstrução da via aérea16, 13.
Figura 6. A incisão da úvula é fechada em sentido longitudinal, recriando uma neo-úvula.
Apesar destas novas técnicas, desde que a uvulopalatoplastia (UPFP) foi introduzida para tratamento de ronco e apnéia obstrutiva do sono3, 18, o procedimento tem se constituído na cirurgia mais realizada para estes fins9. A cirurgia é tecnicamente simples de ser realizada e tem melhorado dramaticamente a qualidade de vida de muitos pacientes com ronco incapacitante e apnéia do sono9.
Para pacientes não selecionados, os relatos de sucesso da UPFP são muito inconstantes, variando de 0% a 90%16. Resultados insatisfatórios sugerem a presença de estreitamentos em outros locais, além do palato, que contribuem para o processo obstrutivo10,1. Outra possibilidade é a persistência de obstrução no nível do palato. Modificações da UPFP e mesmo a faringoplastia com avanço transpalatal18 têm sido idealizadas para diminuir os insucessos.
O procedimento também está associado a riscos e complicações de severidade variada. Embora a maioria das seqüelas pós-operatórias sejam leves, causando apenas ligeira inconveniência ao paciente, eventualmente pode ocorrer disfunção significativa3. A ausência da úvula pode estar relacionada aos sintomas de desconforto faríngeo no pós-operatório e a alterações de alguns sons da fala8. A insuficiência velopalatina tem como manifestação principal a regurgitação nasal e está relacionada com a ressecção agressiva do palato, principalmente na linha média. A estenose nasofaríngea é uma complicação temida, porque causa disfunção importante e é extremamente difícil de ser corrigida4. Também está associada à ressecção excessiva da mucosa, principalmente do pilar posterior2.
A zetaplastia constitui-se em artifício técnico muito utilizado em cirurgia da pele, para a prevenção e correção de fibrose e retrações cicatriciais. Aplicando este conceito na cirurgia do palato, modificamos a UPFP de maneira a propiciar o maior aumento da via aérea com mínima ressecção tecidual. Diminuímos, assim, o risco de complicações temíveis, como insuficiência velopalatina e estenose nasofaríngea, ao mesmo tempo que otimizamos os resultados funcionais. O formato do palato resultante é mais natural, evitando defeito em ogiva e criando uma neo-úvula. Naturalmente, como toda nova técnica cirúrgica, devemos aguardar os resultados a longo prazo para nos certificarmos de que realmente alcançaremos os objetivos propostos.
CONCLUSÃO
A zetapalatofaringoplastia constitui na associação natural de dois procedimentos estabelecidos, a uvulopalatofaringoplastia e a zetaplastia. Proporciona um processo cicatricial mais previsível e, simultaneamente, maximiza os resultados funcionais e minimiza os riscos de complicações. Os resultados de nossa experiência têm sido animadores, constituindo-se no procedimento de escolha para o tratamento de distúrbios respiratórios do sono com obstrução no nível do palato.
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* Médico Assistente da Clínica de otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, do Hospital Felício Rocho e do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Governador Israel Pinheiro - IPSEMG, Belo Horizonte/ MG.
** Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Governador Israel Pinheiro - IPSEMG, Belo Horizonte/ MG.
*** Médica Residente da Clínica de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte/ MG.
Trabalho apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, recebendo Menção Honrosa.
Este trabalho contou com suporte editorial do Centro de Apoio à Ciência - CAC/ Felicoop - Banco Bandeirantes.
Endereço para correspondência: Avenida do Contorno, 9215 - Sala 802 - 30110-130 Belo Horizonte/ MG - Telefone: (0xx31) 291-8288 - Fax: (0xx31) 337-5398.
Artigo recebido em 15 de agosto de 2000. Artigo aceito em 20 de outubro de 2000.