INTRODUÇÃOOs otorrinolaringologistas têm papel cada vez maior no tratamento do ronco e das desordens respiratórias relacionadas ao sono. A síndrome da apnéia obstrutiva do sono é a manifestação mais séria destas desordens, mas o aumento da resistência das vias aéreas superiores pode estar presente em distúrbios respiratórios durante o sono, não associados à apnéia11. O termo síndrome da resistência da via aérea superior foi aplicado a esta condição. As desordens respiratórias noturnas estão associadas à sonolência diurna excessiva com conseqüente piora da qualidade de vida dos pacientes.
A uvulopalatofaringoplastia (UPFP), introduzida em 19645, continua a ser o procedimento cirúrgico mais comumente realizado para apnéia obstrutiva do sono (AOS) e ronco socialmente perturbador. A operação provou ser extremamente bem sucedida para o roncador habitual e efetiva para AOS em casos cuidadosamente selecionados8. Devido aos resultados satisfatórios e a baixa morbidade, a técnica foi rapidamente difundida e amplamente utilizada. Entretanto, eventualmente, pode ocasionar disfunções significativas e mesmo conseqüências catastróficas.
Entre as complicações tardias que podem ocorrer após a UPFP, a mais freqüente é o desconforto faríngeo, que tem sido associado à ausência da úvula. Outras complicações, felizmente menos comuns mas temíveis, são a insuficiência velopalatina crônica e a estenose nasofaringea. São de difícil correção, e deve ser dada ênfase em sua prevenção.
No intuito de diminuir o risco destas complicações e tornar mais previsível o processo de cicatrização, idealizamos uma modificação na técnica tradicional da UPFP. Realizamos uma zetaplastia de cada lado do palato mole e uma uvulectomia subtotal. O objetivo é ampliar a passagem da nasofaringe com ressecção mínima de tecido e manutenção do formato do palato mole.
MATERIAL E MÉTODONo período de novembro de 1998 a junho de 2000, 19 pacientes foram submetidos a zetapalatofaringoplastia (ZPFP) para o tratamento de ronco associado ou não a apnéia noturna. Todos eram adultos, sendo 11 do sexo masculino; e oito, do feminino.
Em 11 pacientes, outro procedimento cirúrgico foi realizado simultaneamente à ZPFP. A septoplastia foi o procedimento associado mais comum, sendo realizado em 10 pacientes. A turbinectomia conjunta com a septoplastia e a ZPFP foi realizada em dois pacientes A frontomaxiloetmoidectomia endoscópica bilateral associada à septoplastia e a ZPFP foi realizada em um paciente; e a dacriocistorinostomia endoscópica associada à septoplastia e à ZPFP, em outro paciente. Um paciente foi submetido à ressecção de tumor de glândula submandibular, no mesmo tempo cirúrgico da ZPFP.
Figura 1. Amigdalectomia bilateral conservando o máximo possível de mucosa dos pilares anteriores e posteriores.
Técnica cirúrgica
O procedimento é realizado sob anestesia geral, com a cabeça do paciente estendida e exposição obtida com a utilização de abridor de boca. Inicia-se com amigdalectomia bilateral, conservando o máximo possível de mucosa dos pilares anteriores e posteriores (Figura 1). A hemostasia rigorosa do leito da amígdala é obtida com a utilização de cautério bipolar. Uma sutura de tração é colocada na úvula. É realizada uma incisão no palato mole no sentido látero-superior, a partir do ponto superior da loja amigdaliana. O retalho triangular criado, de base súpero-lateral, é descolado e rebatido (Figura 2). Uma segunda incisão é realizada na parte média do pilar amigdaliano posterior e direcionada súpero-medialmente. O retalho triangular criado de base súpero-medial é descolado (Figura 3). Os mesmos procedimentos são repetidos no lado oposto. A ponta do retalho de base súpero-medial é tracionada e suturada na extremidade superior da incisão do palato mole. A ponta do retalho de base súpero-lateral é tracionada e suturada na extremidade superior da incisão no pilar amigdaliano posterior. Suturas intermediárias são então realizadas, unindo os dois retalhos e completando a zetaplastia (Figura 4). O pilar anterior é suturado ao posterior, deixando-se apenas uma área cruenta na parte inferior da loja amigdaliana. As suturas são realizadas de maneira similar no lado oposto. É realizado uma uvulectomia subtotal, ressecando mais tecido do que mucosa (Figura 5). A incisão da úvula é fechada em sentido longitudinal, recriando uma neo-úvula (Figura 6).
Figura 2. Incisão no palato mole no sentido látero-superior, a partir do ponto superior da loja amigdaliana. O retalho triangular criado, de base súpero-lateral, é descolado e rebatido.
O uso de analgésico, especificamente a dipirona, é iniciado no pré-operatório e mantido por cinco dias em doses regulares. A antibioticoprofilaxia com clindamicina é iniciada no pré-operatório e mantida por 24 horas. Se não houver contra-indicação clínica, como em diabetes ou hipertensão arterial, o corticosteróide é iniciado no pós-operatório imediato e mantido por quatro dias. O paciente é orientado no pós-operatório a fazer gargarejos com um comprimido de ácido acetilsalisílico dissolvido em um copo de água. A alta hospitalar depende da capacidade do paciente de ingerir líquidos por via oral em quantidade suficiente para manter-se hidratado.
RESULTADOSTodos os pacientes receberam alta hospitalar no dia seguinte à cirurgia. A principal queixa pós-operatória foi a odinofagia, que tende a aumentar até o terceiro dia e, a partir deste ponto, vai se amenizando até desaparecer entre o sétimo e décimo dia de pós-operatório. Eventualmente, houve necessidade de opióides para o controle da dor. Um paciente apresentou sangramento tardio, tendo sido necessária herimostasia sob anestesia local.
Figura 3. Segunda incisão realizada na parte média do pilar amigdaliano posterior e direcionada súpero-medialmente. O retalho triangular criado, de base súpero-medial, é descolado.
Figura 4. Suturas realizadas, unindo-se dois retalhos realizando a zetaplastia.
Figura 5. Uvulectomia subtotal, ressecando mais tecido muscular do que mucosa.
Com seguimento que varia de um a 18 meses, não tivemos casos de estenoses nasofaríngeas ou insuficiência velopalatina. Todos os pacientes tiveram melhora dos sintomas, não sendo necessária revisão em nenhum dos casos.
DISCUSSÃOA sonolência diurna excessiva e o ronco são as características marcantes das desordens respiratórias relacionadas ao sono. O espectro patofisiológico destas desordens inicia-se com o ronco primário e progride até manifestações mais sérias, como a síndrome de apnéia noturna. O aumento da resistência da via aérea superior está presente mesmo em pacientes com desordens respiratórias do sono sem apnéia. Os distúrbios durante o sono e a sonolência diurna são corrigidos retomando a pressão intratorácica para níveis normais11.
O tratamento é principalmente mecânico ou cirúrgico, mas não medicamentoso12. Todo paciente deve ser orientado para perder peso, evitar bebidas alcóolicas e sedativos, dormir em decúbito lateral16. A pressão aérea positiva contínua por máscara nasal tem tido sucesso no tratamento, mas nem sempre é aceito ou tolerado pelo paciente. Aparelhos dentários também podem ser considerados, mas apresentam dificuldades de adaptação.
Na última década, apareceram várias inovações nas técnicas cirúrgicas para o tratamento das desordens respiratórias noturnas16. Técnicas ambulatoriais como a uvulopalatoplastia assistida a laser (LAUP)7 e procedimentos mais agressivos idealizados para obstruções em nível da hipofaringe e base da língua foram desenvolvidos e têm demonstrado seu valor13, 14, 15, 6 e suas limitaçãoes17. Recomenda-se uma indicação individualizada, para cada paciente, adequada à intensidade e ao nível de obstrução da via aérea16, 13.
Figura 6. A incisão da úvula é fechada em sentido longitudinal, recriando uma neo-úvula.
Apesar destas novas técnicas, desde que a uvulopalatoplastia (UPFP) foi introduzida para tratamento de ronco e apnéia obstrutiva do sono3, 18, o procedimento tem se constituído na cirurgia mais realizada para estes fins9. A cirurgia é tecnicamente simples de ser realizada e tem melhorado dramaticamente a qualidade de vida de muitos pacientes com ronco incapacitante e apnéia do sono9.
Para pacientes não selecionados, os relatos de sucesso da UPFP são muito inconstantes, variando de 0% a 90%16. Resultados insatisfatórios sugerem a presença de estreitamentos em outros locais, além do palato, que contribuem para o processo obstrutivo10,1. Outra possibilidade é a persistência de obstrução no nível do palato. Modificações da UPFP e mesmo a faringoplastia com avanço transpalatal18 têm sido idealizadas para diminuir os insucessos.
O procedimento também está associado a riscos e complicações de severidade variada. Embora a maioria das seqüelas pós-operatórias sejam leves, causando apenas ligeira inconveniência ao paciente, eventualmente pode ocorrer disfunção significativa3. A ausência da úvula pode estar relacionada aos sintomas de desconforto faríngeo no pós-operatório e a alterações de alguns sons da fala8. A insuficiência velopalatina tem como manifestação principal a regurgitação nasal e está relacionada com a ressecção agressiva do palato, principalmente na linha média. A estenose nasofaríngea é uma complicação temida, porque causa disfunção importante e é extremamente difícil de ser corrigida4. Também está associada à ressecção excessiva da mucosa, principalmente do pilar posterior2.
A zetaplastia constitui-se em artifício técnico muito utilizado em cirurgia da pele, para a prevenção e correção de fibrose e retrações cicatriciais. Aplicando este conceito na cirurgia do palato, modificamos a UPFP de maneira a propiciar o maior aumento da via aérea com mínima ressecção tecidual. Diminuímos, assim, o risco de complicações temíveis, como insuficiência velopalatina e estenose nasofaríngea, ao mesmo tempo que otimizamos os resultados funcionais. O formato do palato resultante é mais natural, evitando defeito em ogiva e criando uma neo-úvula. Naturalmente, como toda nova técnica cirúrgica, devemos aguardar os resultados a longo prazo para nos certificarmos de que realmente alcançaremos os objetivos propostos.
CONCLUSÃOA zetapalatofaringoplastia constitui na associação natural de dois procedimentos estabelecidos, a uvulopalatofaringoplastia e a zetaplastia. Proporciona um processo cicatricial mais previsível e, simultaneamente, maximiza os resultados funcionais e minimiza os riscos de complicações. Os resultados de nossa experiência têm sido animadores, constituindo-se no procedimento de escolha para o tratamento de distúrbios respiratórios do sono com obstrução no nível do palato.
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* Médico Assistente da Clínica de otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, do Hospital Felício Rocho e do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Governador Israel Pinheiro - IPSEMG, Belo Horizonte/ MG.
** Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Governador Israel Pinheiro - IPSEMG, Belo Horizonte/ MG.
*** Médica Residente da Clínica de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte/ MG.
Trabalho apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, recebendo Menção Honrosa.
Este trabalho contou com suporte editorial do Centro de Apoio à Ciência - CAC/ Felicoop - Banco Bandeirantes.
Endereço para correspondência: Avenida do Contorno, 9215 - Sala 802 - 30110-130 Belo Horizonte/ MG - Telefone: (0xx31) 291-8288 - Fax: (0xx31) 337-5398.
Artigo recebido em 15 de agosto de 2000. Artigo aceito em 20 de outubro de 2000.