Versão Inglês

Ano:  1992  Vol. 58   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 185 a 187

 

Aspectos anátomo-cirúrgicos das estruturas da parede medial da órbita.

Surgical aspects of medial orbital wall structures.

Autor(es): Onivaldo Bretan *,
Carlos Roberto Piffer **

Palavras-chave: anatomia, órbita, epistaxe, seio etmóide

Keywords: anatomy, orbit, epistaxis, ethmoid sinus

Resumo:
O tratamento das epistaxes, a localização do nervo óptico e a realização da etmoidectomia externa podem exigir a abordagem da parede medial da órbita. Dificuldades na identificação de estruturas ali localizadas, tais como as artérias etmoidais anterior e posterior, podem comprometera execução dos procedimentos cirúrgicos. Foram realizadas medidas entre pontos de referência da parede medial da órbita, usando crânios de indivíduos adultos. Estas medidas têm a finalidade de fornecer um melhor conhecimento da anatomia cirúrgica da região. Noções corretas das distâncias e das relações entre as estruturas da parede medial da órbita permitem a identificação segura das artérias etmoidais e facilitam a localização de outras estruturas próximas.

Abstract:
External ethmoidectomy treatment of epistaxis and optic nerve localization, may demand the approach of the medial orbital wall. Difficulties concerning the identification of structures in the region, such as anterior and posterior ethmoidal arteries, may jeopardize the accomplishment of surgical proceedings. Mesures were when among reference points in the medial orbital wall by using crania of adult beings with the purpose to provide a better knowledge of the surgical anatomy of the region. Proper notions concerning distances and relations among structures of the medial orbital wall allow safe identification of ethmoidal arteries and facilitate the localization of the other closer structures.

INTRODUÇÃO

A ligadura arterial é um dos recursos utilizados no controle das epistaxes severas. Em vários casos, é necessária a ligadura das artérias etmoidais anterior e posterior, através da via da parede medial da órbita. Também a etmoidectomia pela mesma via pode ser necessária. Mais raramente, a exposição do nervo óptico precisa ser obtida.

Dificuldades e temores podem surgir quando se necessita realizar tais procedimentos, pois os mesmos não são suficientemente frequentes a ponto de permitir uma familiaridade do cirurgião com a região, mesmo que tais procedimentos possam ser considerados relativamente simples. A parede medial da órbita entra em contato íntimo com o nervo óptico e com a artéria oftalmica, logo o conhecimento destas relações anatômicas justificam os temores existentes (Fig. 1). O uso de livros textos e atlas de Anatomia para se obter maior informação não é completamente satisfatório, pois os mesmos não fornecem todos os detalhes necessários1,2. Os textos de Otorrinolaringologia, por sua vez, quando descrevem a anatomia cirúrgica e os atos cirúrgicos sobre a parede medial da órbita, fazem-no de forma pouco minuciosa.



FIGURA 1- Artéria etmoidal anterior e artéria etmoidal superior em vista superior da cavidade orbitária.



É importante que existam informações claras e práticas que possam ser utilizadas, tanto para se estudar e identificar os forames do crânio e as estruturas vásculo-nervosas na cabeça do cadáver, quanto para serem aplicadas em cirurgia. A melhor noção possível só poderá ser adquirida através do estudo atento de peças anatômicas auxiliado por textos apropriados. Sem o conhecimento teórico adequado, o estudo da peça anatômica será menos proveitoso e satisfatório.

O presente estudo foi realizado com o objetivo de se obter dados sobre as relações anatômicas entre estruturas significativas da parede medial da órbita. Para tanto, medimos as distâncias entre as estruturas ósseas importantes sob o ponto de vista da anatomia cirúrgica da região. Ás artérias etmoidais foram o alvo principal da investigação.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizados 10 crânios de indivíduos adultos do sexo masculino, pertencentes à Disciplina de Anatomia Humana, do Instituto de Biociências do Campus de Botucatu, UNESP.

As seguintes estruturas foram identificadas: 1) fossa do saco lacrimal e cristas lacrimais, anterior e posterior; 2) forames etmoidais anterior e posterior; 3) canal óptico. Foram realizadas as seguintes medidas: 1) Distâncias entre as margens anteriores das artérias etmoidais anterior (A.E.A.) e posterior (A.E.P.) (M1); 2) Distância entre a crista lacrimal anterior (C.A.) e a margem anterior do forame cite artéria etmoidal anterior (M2); 3) Distância entre a crista lacrimal posterior (C.P.) e a margem anterior do forame da A.E.A. (M3); 4) Distância entre a borda anterior do forame da A.E.P. e a crista lacrimal anterior (M4); 5) Distância entre a margem superior da fossa lacrimal (F.L.) e uma linha que nasce no forame da A.E.A. e se dirige horizontalmente para a região anterior da parede orbitária (M5).

Para a realização das medidas relativas aos itens 2, 3 e 4, foi traçada uma linha vertical passando pela borda da crista e outra linha aproximadamente horizontal que se iniciou na margem anterior do forame da artéria e que se encontrou com a primeira linha, segundo um ângulo aproximado de 90°. Foi medida a distância entre a margem anterior do forame da artéria e o ponto de encontro das duas retas. Este procedimento foi necessário devido ao fato de que as artérias estão localizadas acima do nível da fossa lacrimal.

A Figura 2 mostra as estruturas vasculares e ósseas, ilustrando as medidas tomadas entre as mesmas. As distâncias foram registradas em centímetros.



FIGURA 2- Distância entre pontos de referência da parede medial da órbita.
M1- Distância entre A.E.A e A.E.P.
M2- Distância entre C.A. E A.E.A.
M3- Distância entre C.P. e A.E.A
M4- Distância entre C.A. e A.E.P.
M5- Distância entre F.L. (limite superior) e uma reta que nasce do forame da A.E.A. (ver texto para melhor compreensão).



RESULTADOS

O estudo da parede medial da órbita mostra, principalmente, que os forames das artérias etmoidais anterior e posterior e o canal óptico estão aproximadamente alinhados segundo uma reta, de tal forma que, no crânio colocado em posição semelhante à da cabeça do paciente em decúbito dorsal horizontal, esta reta corresponde a uma linhavertical.

Os valores obtidos foram os seguintes (Tabela1):

1 - Distância entre as margens anteriores da A.E.A. e da A.E.P. (M1): os valores variaram de 1,1 cm a 2,0 cm; a média foi de 1,5 cm;

2 - Distância entre a crista lacrimal inferior e a margem anterior do forame da A.E.A. (M2): as medidas variaram de 1,5 cm a 2,3 cm, com média de 1,9 cm;


TABELA 1 - Medidas das distâncias entre estruturas da parede orbitário interna.



3 - Distância entre a crista lacrimal posterior e a margem anterior da A.E.A. (M3): esta medida foi tomada nos moldes da anterior e os valores obtidos variaram de 1,2 cm a 1,8 cm, com média de 1,4 cm;

4 - Distância entre a borda anterior do forame da A.E.P. e da crista lacrimal anterior (M4): os valores variaram de 3,2 em a 4,0 em; a média foi de 3,6 em;

5 - Distância entre a margem superior da fossa lacrimal e uma linha que nasce ao nível do forame da A.E.A., e se dirige horizontalmente para a porção anterior da parede orbitária (M5): os valores variaram de 0,2 cm a 0,7 cm; a média obtida foi de 0,4 cm.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

No presente trabalho, as medidas entre as estruturas ósseas foram obtidas em crânios, isto é, sem qualquer tecido mole aderido às paredes da órbita. Quando se realiza a etmoidectomia externa ou se utiliza da via da parede medial da órbita para outros fins, tais como para a ligadura das artérias etmoidais, a técnica cirúrgica empregada prescreve tuna incisão dos tecidos moles até o periósteo, com posterior descolamento subperiosteal9 Desta forma, o cirurgião poderá trabalhar diretamente junto ao osso. Por essa razão não deve haver diferença entre as distâncias verificadas no crânio, e aquelas existentes no indivíduo.

As medidas obtidas em nosso trabalho podem ser usadas segundo a sequência de descolamento cirúrgico do tecido mole da parede orbitária, desde a incisão inicial na pele. Para melhor compreensão da utilização das medidas, vamos descrever, de forma suscinta, a abordagem cirúrgica da órbita, tecendo, concomitantemente, comentários a respeito. Primeiramente faz-se a incisão na pele diretamente ou por etapas, até sentir-se a superfície óssea. Em seguida, inicia-se o descolamento habitual, subperiosteal, lento e progressivo em direção à fossa lacrimal 1. O conteúdo da fossa lacrimal será afastado em conjunto com as dentais partes moles e o descolamento vai levar o cirurgião até a concavidade da mesma, delimitada pelas duas cristas lacrimais, finas saliências ósseas que situam-se anterior e posteriormente. A partir destas duas referências, o cirurgião pode aprofundar sua dissecção com segurança, usando um instrumento de medida, com divisão em milímetros e centrímetros, instrumento este que muitos otorrinolaringologistas possuem, ou então improvisando previamente um medidor. A dissecção prosseguirá sempre com delicadeza, mantendo-se sempre junto ao placo ósseo da parede, nunca afastando-se muito dele. O encontro de uma resistência aumentada do tecido mole aderido à parede óssea pode indicar a presença da A.E.A. e do delgado nervo etmoidal anterior, ambos envoltos por tecido conjuntivo. Medindo-se a distância entre as cristas lacrimais e esta região de maior resistência à divulsão, será possível avaliar se aquele é o ponto que se deseja alcançar. A divulsão deverá ser feita com microscópio cirúrgico, de preferência, pois que o mesmo facilita a identificação da A.E.A., cujo calibre é menor que 2 mm.

Ás artérias etmoidais originam-se da artéria oftálmica, a qual transita paralelamente à parede medial da órbita. Estas artérias têm um pequeno trajeto oblíquo até a parede óssea e são observadas penetrando na mesma parede com uma obliquidade maior ou menor; às vezes, quase perpendicularmente1,4. Este direcionamento facilita a identificação, pois as mesmas atravessam o estreito campo cirúrgico de um lado ao outro.

Na órbita, a identificação da A.E.P. é mais difícil do que a da A.E.A., devido ao fato de localizar-se mais profundamente e o calibre da artéria não ter mais que um milímetro de diâmetro. A medida entre as duas artérias (M1) e a medida entre a crista anterior e a A.E.P. (M4) facilitam a sua localização. O nervo óptico encontra-se, em média, á 0,5 em atrás (no campo cirúrgico, abaixo) da A.E.P. e tem calibre maior que a artéria, medindo cerca de 0,5 em de largura por 0,3 em de espessura. Alguns autores consideram pouco importante encontrar esta artéria, em virtude do pouco envolvimento dela em qualquer sangramento significativo.

A 5a medida (M5) serve como auxiliar para orientação pois indica a direção em que se encontram as artérias etmoidais. Afastando-se cerca de 0,4 cm da margem superior da fossa lacrimal, para cima ou para o lado, dependendo da posição da cabeça, pode-se traçar uma linha reta que dirige-se à região posterior da parede medial da órbita. Esta linha reta passa pelos forames das artérias etmoidais e proximamente ao canal óptico.

A facilidade na identificação de determinadas estruturas anatômicas torna mais seguro o ato cirúrgico e favorece a localização e a posição de outras estruturas vásculo-nervosas próximas. Assim, através dos forames das artérias etmoidais, pode-se localizar de forma aproximada, a linha de sutura entre a lâmina orbital do osso frontal e a lâmina papiracea do osso etmoidal. Esta linha de sutura, dificilmente visível mesmo com o uso de microscópio, é uma referência importante por estar no mesmo plano do teto das células etmoidais e da lâmina crivosa3. Deforma semelhante, torna-se mais fácil encontrar que evitar o nervo óptico, a partir da identificação da artéria etmoidal posterior.

As medidas obtidas no presente trabalho são apenas de uso prático e não acadêmico. Podem, portanto, ser empregadas como recurso auxiliar não só para localizar as estruturas vásculo-nervosas e ósseas da órbita, mas também para assegurar ao cirurgião a confiança de que a estrutura encontrada é aquela que ele procurava localizar.

BIBLIOGRAFIA

1 - SPALTEHOLTZ, W. Atlas de Anatomia Humana. 2ed. Barcelona. Editorial Labor, 1965, T.3. p.250.
2 -TESTUT, L. & LATARJET, A. Tratado de Anatomia Humana. 9 ed. Barcelona. Salvat Ed, 1959, T. I. p.302.
3 - BALLENGER, D. D. Enfermedades de lo nariz, garganta y oido. Barcelona. Ed. Danas, 1972, p.166-178 p.1 10.
4 - McMINN, R.M.H.; HUTCHINGS, R.T; LOGAN, B.M. Atlas Colorido de Anatomia Humana. São Paulo, Artes Médicas, 1983.
5 - PECH, A. et. al.Etat actuei de la Cirurgie des Sinus. Paris, Librairie Amette, 1982, p. 118.
6 - PEARSON, D. Head and Neck: epistaxis. In: GATES, G. Current Therapy in Otholaryngology - Head and Neck Surgery, 1982. Treton, N.D., B.C. Decker, 1982, p.267.




* Professor Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu - UNESP.
** Professor Titular da Disciplina de Anatomia humana do Instituto de Biociências do Campos de Botucatu.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina e no Instituto de Biociências do Campus de Botucatu - UNESP
Endereço para Correspondência: Dr. Onivaldo Bretan - Faculdade de Medicina, Campus de Botucatu. CEP: 18600 - Botucatu - SP

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