INTRODUÇÃOA ligadura arterial é um dos recursos utilizados no controle das epistaxes severas. Em vários casos, é necessária a ligadura das artérias etmoidais anterior e posterior, através da via da parede medial da órbita. Também a etmoidectomia pela mesma via pode ser necessária. Mais raramente, a exposição do nervo óptico precisa ser obtida.
Dificuldades e temores podem surgir quando se necessita realizar tais procedimentos, pois os mesmos não são suficientemente frequentes a ponto de permitir uma familiaridade do cirurgião com a região, mesmo que tais procedimentos possam ser considerados relativamente simples. A parede medial da órbita entra em contato íntimo com o nervo óptico e com a artéria oftalmica, logo o conhecimento destas relações anatômicas justificam os temores existentes (Fig. 1). O uso de livros textos e atlas de Anatomia para se obter maior informação não é completamente satisfatório, pois os mesmos não fornecem todos os detalhes necessários1,2. Os textos de Otorrinolaringologia, por sua vez, quando descrevem a anatomia cirúrgica e os atos cirúrgicos sobre a parede medial da órbita, fazem-no de forma pouco minuciosa.
FIGURA 1- Artéria etmoidal anterior e artéria etmoidal superior em vista superior da cavidade orbitária.
É importante que existam informações claras e práticas que possam ser utilizadas, tanto para se estudar e identificar os forames do crânio e as estruturas vásculo-nervosas na cabeça do cadáver, quanto para serem aplicadas em cirurgia. A melhor noção possível só poderá ser adquirida através do estudo atento de peças anatômicas auxiliado por textos apropriados. Sem o conhecimento teórico adequado, o estudo da peça anatômica será menos proveitoso e satisfatório.
O presente estudo foi realizado com o objetivo de se obter dados sobre as relações anatômicas entre estruturas significativas da parede medial da órbita. Para tanto, medimos as distâncias entre as estruturas ósseas importantes sob o ponto de vista da anatomia cirúrgica da região. Ás artérias etmoidais foram o alvo principal da investigação.
MATERIAL E MÉTODOForam utilizados 10 crânios de indivíduos adultos do sexo masculino, pertencentes à Disciplina de Anatomia Humana, do Instituto de Biociências do Campus de Botucatu, UNESP.
As seguintes estruturas foram identificadas: 1) fossa do saco lacrimal e cristas lacrimais, anterior e posterior; 2) forames etmoidais anterior e posterior; 3) canal óptico. Foram realizadas as seguintes medidas: 1) Distâncias entre as margens anteriores das artérias etmoidais anterior (A.E.A.) e posterior (A.E.P.) (M1); 2) Distância entre a crista lacrimal anterior (C.A.) e a margem anterior do forame cite artéria etmoidal anterior (M2); 3) Distância entre a crista lacrimal posterior (C.P.) e a margem anterior do forame da A.E.A. (M3); 4) Distância entre a borda anterior do forame da A.E.P. e a crista lacrimal anterior (M4); 5) Distância entre a margem superior da fossa lacrimal (F.L.) e uma linha que nasce no forame da A.E.A. e se dirige horizontalmente para a região anterior da parede orbitária (M5).
Para a realização das medidas relativas aos itens 2, 3 e 4, foi traçada uma linha vertical passando pela borda da crista e outra linha aproximadamente horizontal que se iniciou na margem anterior do forame da artéria e que se encontrou com a primeira linha, segundo um ângulo aproximado de 90°. Foi medida a distância entre a margem anterior do forame da artéria e o ponto de encontro das duas retas. Este procedimento foi necessário devido ao fato de que as artérias estão localizadas acima do nível da fossa lacrimal.
A Figura 2 mostra as estruturas vasculares e ósseas, ilustrando as medidas tomadas entre as mesmas. As distâncias foram registradas em centímetros.
FIGURA 2- Distância entre pontos de referência da parede medial da órbita.
M1- Distância entre A.E.A e A.E.P.
M2- Distância entre C.A. E A.E.A.
M3- Distância entre C.P. e A.E.A
M4- Distância entre C.A. e A.E.P.
M5- Distância entre F.L. (limite superior) e uma reta que nasce do forame da A.E.A. (ver texto para melhor compreensão).
RESULTADOSO estudo da parede medial da órbita mostra, principalmente, que os forames das artérias etmoidais anterior e posterior e o canal óptico estão aproximadamente alinhados segundo uma reta, de tal forma que, no crânio colocado em posição semelhante à da cabeça do paciente em decúbito dorsal horizontal, esta reta corresponde a uma linhavertical.
Os valores obtidos foram os seguintes (Tabela1):
1 - Distância entre as margens anteriores da A.E.A. e da A.E.P. (M1): os valores variaram de 1,1 cm a 2,0 cm; a média foi de 1,5 cm;
2 - Distância entre a crista lacrimal inferior e a margem anterior do forame da A.E.A. (M2): as medidas variaram de 1,5 cm a 2,3 cm, com média de 1,9 cm;
TABELA 1 - Medidas das distâncias entre estruturas da parede orbitário interna.
3 - Distância entre a crista lacrimal posterior e a margem anterior da A.E.A. (M3): esta medida foi tomada nos moldes da anterior e os valores obtidos variaram de 1,2 cm a 1,8 cm, com média de 1,4 cm;
4 - Distância entre a borda anterior do forame da A.E.P. e da crista lacrimal anterior (M4): os valores variaram de 3,2 em a 4,0 em; a média foi de 3,6 em;
5 - Distância entre a margem superior da fossa lacrimal e uma linha que nasce ao nível do forame da A.E.A., e se dirige horizontalmente para a porção anterior da parede orbitária (M5): os valores variaram de 0,2 cm a 0,7 cm; a média obtida foi de 0,4 cm.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃONo presente trabalho, as medidas entre as estruturas ósseas foram obtidas em crânios, isto é, sem qualquer tecido mole aderido às paredes da órbita. Quando se realiza a etmoidectomia externa ou se utiliza da via da parede medial da órbita para outros fins, tais como para a ligadura das artérias etmoidais, a técnica cirúrgica empregada prescreve tuna incisão dos tecidos moles até o periósteo, com posterior descolamento subperiosteal9 Desta forma, o cirurgião poderá trabalhar diretamente junto ao osso. Por essa razão não deve haver diferença entre as distâncias verificadas no crânio, e aquelas existentes no indivíduo.
As medidas obtidas em nosso trabalho podem ser usadas segundo a sequência de descolamento cirúrgico do tecido mole da parede orbitária, desde a incisão inicial na pele. Para melhor compreensão da utilização das medidas, vamos descrever, de forma suscinta, a abordagem cirúrgica da órbita, tecendo, concomitantemente, comentários a respeito. Primeiramente faz-se a incisão na pele diretamente ou por etapas, até sentir-se a superfície óssea. Em seguida, inicia-se o descolamento habitual, subperiosteal, lento e progressivo em direção à fossa lacrimal 1. O conteúdo da fossa lacrimal será afastado em conjunto com as dentais partes moles e o descolamento vai levar o cirurgião até a concavidade da mesma, delimitada pelas duas cristas lacrimais, finas saliências ósseas que situam-se anterior e posteriormente. A partir destas duas referências, o cirurgião pode aprofundar sua dissecção com segurança, usando um instrumento de medida, com divisão em milímetros e centrímetros, instrumento este que muitos otorrinolaringologistas possuem, ou então improvisando previamente um medidor. A dissecção prosseguirá sempre com delicadeza, mantendo-se sempre junto ao placo ósseo da parede, nunca afastando-se muito dele. O encontro de uma resistência aumentada do tecido mole aderido à parede óssea pode indicar a presença da A.E.A. e do delgado nervo etmoidal anterior, ambos envoltos por tecido conjuntivo. Medindo-se a distância entre as cristas lacrimais e esta região de maior resistência à divulsão, será possível avaliar se aquele é o ponto que se deseja alcançar. A divulsão deverá ser feita com microscópio cirúrgico, de preferência, pois que o mesmo facilita a identificação da A.E.A., cujo calibre é menor que 2 mm.
Ás artérias etmoidais originam-se da artéria oftálmica, a qual transita paralelamente à parede medial da órbita. Estas artérias têm um pequeno trajeto oblíquo até a parede óssea e são observadas penetrando na mesma parede com uma obliquidade maior ou menor; às vezes, quase perpendicularmente1,4. Este direcionamento facilita a identificação, pois as mesmas atravessam o estreito campo cirúrgico de um lado ao outro.
Na órbita, a identificação da A.E.P. é mais difícil do que a da A.E.A., devido ao fato de localizar-se mais profundamente e o calibre da artéria não ter mais que um milímetro de diâmetro. A medida entre as duas artérias (M1) e a medida entre a crista anterior e a A.E.P. (M4) facilitam a sua localização. O nervo óptico encontra-se, em média, á 0,5 em atrás (no campo cirúrgico, abaixo) da A.E.P. e tem calibre maior que a artéria, medindo cerca de 0,5 em de largura por 0,3 em de espessura. Alguns autores consideram pouco importante encontrar esta artéria, em virtude do pouco envolvimento dela em qualquer sangramento significativo.
A 5a medida (M5) serve como auxiliar para orientação pois indica a direção em que se encontram as artérias etmoidais. Afastando-se cerca de 0,4 cm da margem superior da fossa lacrimal, para cima ou para o lado, dependendo da posição da cabeça, pode-se traçar uma linha reta que dirige-se à região posterior da parede medial da órbita. Esta linha reta passa pelos forames das artérias etmoidais e proximamente ao canal óptico.
A facilidade na identificação de determinadas estruturas anatômicas torna mais seguro o ato cirúrgico e favorece a localização e a posição de outras estruturas vásculo-nervosas próximas. Assim, através dos forames das artérias etmoidais, pode-se localizar de forma aproximada, a linha de sutura entre a lâmina orbital do osso frontal e a lâmina papiracea do osso etmoidal. Esta linha de sutura, dificilmente visível mesmo com o uso de microscópio, é uma referência importante por estar no mesmo plano do teto das células etmoidais e da lâmina crivosa3. Deforma semelhante, torna-se mais fácil encontrar que evitar o nervo óptico, a partir da identificação da artéria etmoidal posterior.
As medidas obtidas no presente trabalho são apenas de uso prático e não acadêmico. Podem, portanto, ser empregadas como recurso auxiliar não só para localizar as estruturas vásculo-nervosas e ósseas da órbita, mas também para assegurar ao cirurgião a confiança de que a estrutura encontrada é aquela que ele procurava localizar.
BIBLIOGRAFIA1 - SPALTEHOLTZ, W. Atlas de Anatomia Humana. 2ed. Barcelona. Editorial Labor, 1965, T.3. p.250.
2 -TESTUT, L. & LATARJET, A. Tratado de Anatomia Humana. 9 ed. Barcelona. Salvat Ed, 1959, T. I. p.302.
3 - BALLENGER, D. D. Enfermedades de lo nariz, garganta y oido. Barcelona. Ed. Danas, 1972, p.166-178 p.1 10.
4 - McMINN, R.M.H.; HUTCHINGS, R.T; LOGAN, B.M. Atlas Colorido de Anatomia Humana. São Paulo, Artes Médicas, 1983.
5 - PECH, A. et. al.Etat actuei de la Cirurgie des Sinus. Paris, Librairie Amette, 1982, p. 118.
6 - PEARSON, D. Head and Neck: epistaxis. In: GATES, G. Current Therapy in Otholaryngology - Head and Neck Surgery, 1982. Treton, N.D., B.C. Decker, 1982, p.267.
* Professor Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Campus de Botucatu - UNESP.
** Professor Titular da Disciplina de Anatomia humana do Instituto de Biociências do Campos de Botucatu.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina e no Instituto de Biociências do Campus de Botucatu - UNESP
Endereço para Correspondência: Dr. Onivaldo Bretan - Faculdade de Medicina, Campus de Botucatu. CEP: 18600 - Botucatu - SP