Versão Inglês

Ano:  1992  Vol. 58   Ed. 2  - Abril - Junho - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 136 a 139

 

Complicações intracranianas pós sinusite. Relato de 2 casos.

Intracranial complications after sinusitis. Report of two cases.

Autor(es): Jair Cortez Mantovani, PhD,
Carlos Henrique Labinas de Oliveira, MD,
Victor Nakajima, MD,
Onivaldo Bretan, PhD.

Palavras-chave: sinusite, crânio, infecções

Keywords: sinusitis, skull, infections

Resumo:
Os autores fazem uma revisão de complicações intracranianas pós sinusite e concluem que a taxa de mortalidade continua alta, apesar de tratamento agressivo e da estreita cooperação entre otorrinolaringologista, neurocirurgião e outras especialidades. Relatam 2 casos clínicos.

Abstract:
A retrospective study of intracranial complications after sinusitis is reported. The mortality rate still is high despite aggressive treatment and close cooperation between the otolaryagologist, neurosurgeon and other specialists. Two cases with orbital complications, brain abscess and thombrophebitis are presented.

INTRODUÇÃO

As sinusites são, ainda hoje, juntamente com as doenças otológicas, responsáveis por dois terços das complicações intracranianas1,2,3,4.

Neurite óptica, celulite periorbitária, osteomielite de ossos do crânio, meningites, encefalites, abscessos cerebrais e trombose de seios venosos são possíveis complicações após sinusite 5,6,7,8,9,10,11,12.

O que favorece esta situação são as relações anatômicas dos seios paranasais com a órbita e cavidade intracraniana, a drenagem venosa das artérias etmoidais anteriores e posteriores para as veias da duramater e seio sagital e da veia esfenopalatina para o seio cavernosos. Estas relações associadas ao fato de que os vasos sangüíneos intracranianos são desprovidos de esfincters fazem com que as veias diplóicas, denominadas de "Buschet", possam ter fluxo em ambas as direções, propiciando o acesso de infecções bacterianas ou embolias sépticas, explicando o mecanismo de desenvolvimento das tromboflebites e abscessos cerebrais4,9,13.

Ainda quando à transmissão, esta também pode ocorrer por contiguidade ou justaposição através do comprometimento do espaço epidural e duramater, por erosões da parede anterior óssea do seio frontal em neoplasias, mucoceles ou mesmo infecções 4,8.

Instaladas as complicações intracranianas elas podem evoluir assintomáticas, mas, freqüentemente, estão associadas a sintomas ou sinais neurológicos que passam desapercebidos a um exame clínico menos rigoroso. Nestes casos a cefaléia aguda ou progressiva de forte intensidade, é talvez o primeiro e mais importante sintoma de uma complicação, intracraniana. Náuseas. vômitos, alteração mental, mudanças afetivas ou comportamentais, convulsões, rigidez de nuca ou mesmo coma são outros sintomas ou sinais que podem estar associadas a estas complicações4,9.

Assim a tomografia computadorizada e, se possível, a ressonância magnética constituem, talvez, exames da maior importância na visualização de lesões intraparenquimatosas cerebrais4,14,15,16.

Outros exames como cultura, antibiograma e exame anátomo-patológico devem ser realizados na pesquisa de bactérias aeróbias, anaeróbias e fungos, constituindo-se métodos auxiliares no diagnóstico e planejamento da terapêutica. Há que se ressaltar a importância de bactérias anaeróbias, especialmente aquelas associadas à sinusite, pela capacidade de estes organismos causarem necrose tecidual, extensão a vasos sangüíneos e possíveis trombos sépticos. Estreptococos, enterobactérias, S. aureus, estreptococos anaeróbicos, Bacteróides sp, Fusobacterium sp, Veislonella sp e Actinornyces sp são alguns dos agentes infecciosos mais comuns relacionados a complicações intracranianas e doenças otológicas ou sirursais4,17,18,19.

O objetivo deste trabalho é, pois, apresentar 2 casos clínicos de complicação cerebral após doença inflamatória aguda dos seios da face.

CASO CLÍNICO 1

MTR, 17 anos, branco. Procedência: Avaré - SP. HML, Há 7 dias dor rio olho esquerdo e cefaléia holocraniana pulsátil. Após 1 dia, dor intensa no OE com inchaço e hiperemia. Febre (não medida), fotofobia. No 2'' dia foi medicada cora Arnoxiciclina. No 4° dia vômitos, prostação, mal estar, fraqueza, No 6 dia diarréia aquosa, confusão mental, sendo internada em Hospital, em sua cidade, e, após, transferida para este H.C. Ao exame físico a paciente estava consciente, sonolenta, respondendo a estímulos orais. Protusão do olho esquerdo, sem perda de mobilidade, edema e hiperemia intensa de pálpebra superior E. A fossa nasal E apresentava edema e hiperemia de mucosa. Rigidez de nuca. Convulsão Tônico-clônica durante o exame clínico. RX de seios da face mostrava envolvimento de seios maxilar, etmoidal e frontal a E, com espessamento moderado de mucosa, sem nível líquido. Liquor: Leucócitos 768 mm3, proteínas totais 76 rng, Glicose: 68 mg%, Cloretos 621 mmg%. Hipótese Diagnóstica: 1. Meningite bacteriana; 2. Tromboflebite de seio cavernoso; 3. Celulite orbitária.

CONDUTA

Internação. Medicamentos: Oxacilina + Rocefin.

EVOLUÇÃO

No 2 dia paciente em coma superficial. Feito carotidoangiografia. HD: cerebrite com edema focal em região frontal. Drenagem de seio maxilar e frontal com saída de grande quantidade de secreção purulenta. Associado cloranfenicol 4.0 gr/dia. Entubação e ventilação mecânica. No 3 dia de internação foi realizada tomografia computadorizada, com diagnóstico de Abscesso cerebral peri seio sagital e edema de hemisfério cerebral a D (Foto 1) e a esquerda velamento em seio maxilar, etmoidais e região reto-orbitária (Foto 2). Paciente em coma profundo com postura de decerebração e decorticação. No 4 dia, pressão arterial lábil e introdução de drogas vasoativas,. Midríase paralítica e coma profundo. No 7 dia, óbito.

A necropsia mostrou secreção purulenta nos seios paranasais, abscesso cerebral D, flegmão retroorbitário e trombose de seios venosos.



FOTO 1- Abscesso cerebral peri seio sagital com edema de hemisfério cerebral direito. Obliteração de ventrículo.



FOTO 2- Massa readiodensa em fossas nasais, seio etmoidal estendendo-se a cavidade retrorbitária E.



CASO CLÍNICO 2

J.B.F., 38 anos, M, Branco. procedência: Botucatú-SP.

HMA: Cefaléia frontal e occipital há 5 dias e temperatura subfebril irá 3 dias. RX de Seios da Face: velamento difuso de seio esfenoidal. Hemograma: GB 10600/mm3 com 5% de Bastão.



FOTO 3- Lesão hipodensa de 40.1 x 21.2 mm de diâmetro no lobo pariental direito com pequeno efeito de massa obleterando o ventrículo lateral desse lado.



FOTO 4- Espessamento discreto de mucosa de seio frontal e esfenoidal E. Velamento de seio maxilar esquerdo.



HD: Sinusite esfonoidal. Conduta: Cefalosporina 2 g/dia. No 2 dia, após a introdução de cefalosporina, piora o quadro clínico cola calafrios, febre alta. Internação. No 5 dia Líquor: leucócitos 50/mm3 com 8% de neutrófilos, 92% de linfócitos, monócitos. Prot. totais 112 nig%, glicose 72111g%. Febre alta e cefaléia. Ausência de vômitos rigidez de nuca. Introduzindo Amicacina 1 g/dia. No 7"-dia, como o paciente mantinha quadro clínico inalterado foi colhido líquor: Leucócito 138/mm3 com 80% de linfócitos e monócitos e monócitos. Prot. totais 120 nig%, Glicose 51 nig% e cloretos 650 nig%. HD: Meningite bacteriana. Conduta: Penicilina cristalina, Staficilin e Cloranfenicol. No 10 dia, paciente sonolento, apático, confuso e cora cefaléia. A tomografia computadorizada mostrava abscesso cérebro parietal direito (Foto 3) e velamento de seio maxilar e espessamento discreto de mucosa de seio frontal e esfenoidal (Foto 4). A trepanação do lobo temporal direito mostrou amolecimento da região temporal, cerebrite e não havia sinais de abscesso. No 28 dia o paciente estava em coma superficial, insuficiência respiratória aguda e choque tóxico infeccioso. Realizou-se nova tomografia que revelava cerebrite temporal direita. Introduzida Vancomicina, Rocefm, Alnicacina. No 42o dia, a tomografia computadorizada era normal. Alta hospitalar com paciente apresentando desorientação espacial, temporal e alteração da memória recente. Após 4 meses de início do quadro, o paciente apresentava melhora da orientação espacial, temporal e da memória, com retorno as suas atividades normais.

DISCUSSÃO

Nos dois casos clínicos, a complicação intracraniana foi claramente relacionada com processo inflamatório dos seios paranasais. No 1 paciente apesar de uma história prévia pobre de dados devido a forma que o paciente entrou no hospital, o RX de seio de face e os dados clínicos permitiam inferir um diagnóstico de uma pan-sinusite e unia possível complicação intracraniana. Isto foi confirmado a posterior pela drenagens cirúrgica do seio frontal e etmoidal e pela tomografia computadorizada.

As complicações intracranianas, como tromboflebite do seio converso e abscesso cerebral pela relação íntima entre as cavidades sinusais, a orbitária, o nervo óptico, a sela túrcica e demais estruturas cerebrais1,2,3,4,6,7. Há que se ressaltar ainda a própria drenagem venosa estia relação com o seio cavernoso. Em casos de sinusites fronto-etmoidais ou esfenoidal estas podem em contiguidade, atingir o cérebro ou a órbita por efeitos de pressão direita e erosão tecidual. Já em relação aos seios maxilares, isto não é possível e as complicações advêm através das drenagens linfática ou venosa 9,10,13.

Um destaque a fazer é que o RX de seios paranasais podem ser norteais, particularmente em crianças, apesar da presença no exame clínico de doença sinusal. Isto se explica pela dificuldade na interpretação dos mesmo por superposição de estruturas. Assim, a tomografia computadorizada é essencial nestes casos, pois, permitindo melhor visualização, facilita a avaliação diagnóstica e acompanhamento clínico do paciente.

Neste sentido, a não formação da cápsula nas lesão intra-parenquimatosas cerebrais, caracterizando uma cerebrite,justificaria a não intervenção cirúrgical 15,18,19,20. Em relação aos 2 pacientes apresentados a fizemos no intuito de drenar uma possível coleção intraparenquimatosa, como também de colher material para diagnóstico (2-caso). Ainda quanto a este último caos, o aspecto discutível seria o uso ou não de corticóides. Sabíamos das recomendações na literatura para o não uso em infecções por fungo, em pacientes imunodeprimidos e, quando do seu uso a possível inibição da formação da cápsula do abscesso, dificultando o reconhecimento do mesmo, quando da realização da tomografia14,16,19,20. Por outro lado, a não formação capsular facilitaria a entrada de quimioterápicos nestas lesões. O que retardou, neste caso, a conduta quanto ao uso de corticóides foi o agravamento do quadro clínico e a diferente interpretação da conduta a seguir pelos médicos envolvidos no casos, otorrinolaringologista, moléstias infecciosas, oftalmologista e neurocirurgião e quando optamos pelo uso o paciente foi a óbito 3,21,22.

Outros fatores complicadores da conduta terapêutica foi que em ambos os casos as culturas de bactérias foram negativas, inclusive as do líquor e no material obtido após a biópsia de tecido cerebral. Estes achados poderiam se explicar pelo fato que os 2 pacientes estavam em vigência de antibioticoterapia quando da realização destes procedimentos17,18,21,22.

Concluindo, queremos crer que a apresentação clínica destes 2 casos revela que, apesar de adotarmos tratamento agressivos e de modernas técnica de propedêutica, um dos pacientes foi a óbito, refletindo as altas taxas de mortalidade descritas na literatura.

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Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina de Botucatú - UNESP. Batucam - SP - Brasil - CEP: 185113

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