Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 591 a 596

 

Osteomielite de Face em Hemofílicos Aidéticos - Avaliação Cintigráfica.

Facial Osteomyelitis in Haemophiliacs Aids Patients - Scintigraphic Evalution.

Autor(es): Marise P. C. Marques*
Sara Wolosker**;

Palavras-chave: sinusite crônica, SIDA, radionuclídeos

Keywords: chronic sinusitis, AIDS, radionuclides

Resumo:
Os são relatados seis casos de osteomielite de face, que surgiram como complicação de sinusite crônica em pacientes hemofilicos aidéticos. A verificação da velocidade de hemossedituentação elevada nestes pacientes levou à suspeita de osteomielite. O diagnóstico foi confirmado pela cintigrafia óssea com 99mTc- MDP positiva. A velocidade de hemossedimentação e os estudos com citrato de 67-Gálio foram obtidos para acompanhar a evolução cia terapia. Os resultados sugerem que a cintigrafia com MDP é sensível e específica para detecção precoce de osteomielite em sinusite; e os achados com Gálio, valiosos no acompanhamento da infecção.

Abstract:
Six cases of facial osteomyelitis, as a complication of chronic sinusitis in haemophiliacs-AIDS patients are reported. Osteomyelitis was suggested by an increasement of erithrocyte sedimentation rate. The diagnosis was confirmed by a positive 99mTc-MDP scintigraphy. The erithrocyte sedimentation rate and 67-Gallium citrate scans were used in the follow-up of the therapy. The results suggest that MDP scans showed higher sensitivity and specificity to detect the bane disease in sinusitis and Gallium scans valuable tool in the follow-up of the infection.

INTRODUÇÃO

A partir de 1981, ocasião das primeiras descrições da síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA)', houve uma queda importante nas taxas médias de sobrevida dos hemofílicos. Os sintomas otorrinolaringológicos (ORO são muito freqüentes nos aidéticos, sendo as sinusites e as otites de repetição manifestações muito freqüentes.

No acompanhamento otorrinolaringológico de pacientes hemofílicos e aidéticos tratados pela Casa do Hemofílico do Rio de janeiro, pôde ser observado o comprometimento de ossos da face e da base do crânio, como osteornielite, secundária à infecção prolongada dos seios paranasais em seis pacientes.

O objetivo do trabalho é fazer uma proposição para diagnóstico da osteomielite, com critérios clínicos, laboratoriais e de imagens e discutir o uso dos radionuclídios nas etapas de diagnóstico, de acompanhamento e de cura desta complicação.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo em seis pacientes matriculados na Casa do Hemofílico e com diagnóstico de SIDA, estádio IV-c pelo Center of Disease Control (CDC). Cinco eram do sexo masculino e um do sexo feminino, com idade variando entre 10 e 56 anos, sendo a média de 23,6 anos. Três pacientes eram hemofílicos do tipo A grave, um do tipo A moderado, um cio tipo B leve e um com deficiência do fator X.

Os pacientes foram submetidos inicialmente a exames laboratoriais de rotina, incluindo hemograma com velocidade de hemossedimentação (VHS); à punção dos seios maxilares sob anestesia local com lidocaína a 2%, com envio de material para pesquisa direta de bactérias e fungos, para cultura de germes comuns e fungos, e ao estudo radiológico dos seios da face, feito em três incidências - fronto-naso, mento-naso e perfil. A cintigrafia dos ossos da face com 99mTc-MDP (MDP) também foi realizada em todos os pacientes, por apresentarem VHS acima de 50 rum na primeira hora.



Figura 1. Aspecto ectoscópico do paciente JCCS com paralisia facial esquerda, rinorréia sangüinolenta e enegrecimento do canto interno de Órbita esquerda, com ferida cutâneo-1rnucosa denunciando necrose.



Figura 2. Aspecto necrótico da conchal auricular esquerda.




RESULTADOS

Todos os pacientes apresentavam queixa de obstrução nasal, rinorréia muco-purulenta e febre; cinco tinham hipoacusia e zumbidos; e apenas um, com cefaléia nas manifestações iniciais. Um deles evoluiu com necrose cias conchas auriculares, necrose de canto interno de órbita esquerda, paralisia facial esquerda e epistaxe (Figuras 1 e 2).

Nos achados cintigráficos com MDP, o osso maxilar foi o mais acometido, -apresentando híperfixação do radionuclídio nos cinco pacientes, seguido cio frontal e temporal em três pacientes e cio osso esfenóide em dois casos. Os ossos occipital e inalares apresentaram hipercaptação em apenas um paciente (Figura 3).

Cinco pacientes foram submetidos à cintigrafia cota citrato de 67-Gálio (67-Ga) após, pelo menos, três semanas de antibioticoterapia venosa. Três pacientes tiveram o exame cintigráfico dentro da normalidade, indicando o controle da infecção. Um paciente apresentou hiperfixação cio radiofármaco em projeção de ossos dá face e crânio, de menor intensidade, quando comparada com a cintigrafia óssea, revelando um controle parcial (Figura 4).




Figura 3 (A e 13). Na fase diagnostica a cintigrafia com 99m-Tc-MDP revelou hiperfixação do radiofárlnaco na projeção ele malar e temporal bilateralmente, maxilar direito (Figura 3A); occipital e frontal à esquerda e base de crânio, na projeção de esfenóide (Figura 3B). Imagens compatíveis com infecção óssea (osteomielite).




O quinto paciente não realizou a cintigrafia na data marcada, quando se encontrava assintomático e com VHS baixa, ou seja, com critérios de cura clínica. Submeteu-se ao exame para o controle apenas quatro meses após, quando se encontrava novamente sintomático, revelando aumento de captação em projeção de etmóides e temporal esquerdo. O sexto doente, com miocardiopatia grave, não teve condições clínicas para a realização do exame, embora mantenha-se assintomático e com VHS baixa.

No acompanhamento da terapia, foram usados como controle laboratorial o hemograma completo com VHS a cada duas semanas; dosagens séricas de glicose, creatinina, uréia e eletrólitos inicial e semanalmente, exame de elementos anormais e sedimento na urina, dosagem de enzimas hepáticas e radiografia de tórax por ocasião da internação.

No seguimento através de imagens, foram realizadas na fase de diagnóstico a cintigrafia com MDP; e, na fase evolutiva, cintigrafias com 67-Ga até a negativação.

DISCUSSÃO

Os hemofílicos tiveram uma piora na sobrevida, a partir de 1981, com o surgimento da SIDA2. Estima-se que 40 a 79% dos pacientes de SIDA apresentem sintomas ou achados clínicos otorrinolaringológicos. As manifestações encontradas podem ser divididas basicamente em inflamatórias, infecciosas e neoplásicas3. Uma grande variedade de agentes infecciosos pode ser encontrada, como resultado da imunodeficiência produzida pelo HIV, incluindo protozoários, vírus, fungos e bactérias.

Em pacientes não contaminados pelo HIV, a sinusite freqüentemente tem uma base alérgica, mediada por IgE. A infecção pelo HIV vem sendo associada a índices elevados de IgE e a outras síndromes clínicas, como erupção cutânea e asma, também relacionadas á alergia. O aumento nos níveis de IgE associado ao HIV provavelmente é secundário ao desequilíbrio imunológico O aumento na freqüência de sinusite em aidéticos deve estar relacionado com um estado hiper-alérgico generalizado. Entretanto, outras alterações imunológicas ou defeitos em função mucociliar também podem estar relacionados 7.

A prevalência de sinusite na população geral é menor do que 15%, enquanto que em pacientes com SIDA pode chegar a 68%. Há uma associação entre os níveis de IgE e a severidade da sinusite. Quando comparados os níveis de IgE em pacientes HIV-positivo e HIV-negativo, com e sem sinusite, observa-se que há um aumento significativo dos níveis de IgE em HIV-positivos com sinusite.

O principal germe envolvido com a sinusite, em pacientes em estágio IV-c do CDC, é a Pseudomonas aeruginosa, seguida do Staphylococcusaureus. A sinusite bacteriana aguda em aidéticos, assim como na população em geral, é também causada por Haeniophylus influenzae, Streptococcuspneumoniae ou Moraxella catarrhalis. Podem ocorrer também sinusites fúngicas, por Aspergillus fumigatus, Aspergilhcs niger, Candida albicans, Rhizopusspe Mucorsp, entre outros1 12.

As bactérias liberam exotoxinas e proteases que aumentam a disfunção dos neutrófilos. Pode ocorrer vasculite, por invasão capilar com trombose e necrose focal, levando a uma infecção invasiva, principalmente pela redução da vigilância imunológica, leucopenia e a diminuição da atividade quimiotóxica dos neutrófilos.










Figura 4 (A, S e C). As imagens obtidas com 67-Ga, 45 dias após a cintigrafia óssea com 99mTc- MDP, em vigência de antibioticoterapia endovenosa, revelaram hipercaptação do radiotraçador na projeção de malar direito, maxilar direito e temporal bilateral, sendo que, mais notadamente, a esquerda. As imagens com citrato de Gálio foram sugestivas de remissão parcial do processo infeccioso.




É postulado que a infecção permanente da mucosa sinusal, que possui íntima relação com os ossos, permitiria a invasão óssea, secundária à vasculite e necrose local.

Critérios clínicos, laboratoriais e de imagens foram usados para o diagnóstico diferencial da sinusite crônica com ou sem comprometimento ósseo em aidéticos. Em relação aos aspectos clínicos, todos os pacientes da série apresentavam sintomas nasossinusais, há pelo menos dois meses, rebeldes à terapêutica convencional, acompanhados de febre e comprometimento do estado geral, sem outras causas justificáveis. Na investigação laboratorial, a dosagem da VHS em todos os pacientes da série foi maior que 50 mm na 12 hora. Embora seja um exame inespecífico, a elevação da VHS é um dós indicativos de osteomielite, sendo seu aumento útil como parâmetro para a realização do estudo cintigráfico. A VHS é importante tanto no diagnóstico quanto no acompanhamento do tratamento, servindo conto uni dos critérios de cura.

O diagnóstico através de métodos de imagem pode ser baseado na cintigrafia MD1. A hipercaptação ocorre muito precocemente quando há lesão óssea, já que o MDP se liga aos osteoblastos, indicando a reação osteogênica. Este exame também é utilizado na otite externa maligna, como indicativo de comprometimento ósseo.

Todos os pacientes foram submetidos à punção de seios maxilares, sob anestesia local com Lidocaína a 2%, através de bloqueio de nervo infraorbitário, para colheita de material para cultura e antibiograma. Em um dos pacientes não foram isolados germes no material aspirado de seios, provavelmente pelo fato de o material ter sido colhido após o vigésimo dia de terapêutica poliantimicrobiana. Contudo, a cultura de swab nasal, feita anteriormente, foi positiva para Staphylococcus aureus.

O germe mais encontrado foi o Staphylococcusaltreus, tendo sido isolado por punção em três pacientes. A Pseudomonas aeruginosa foi isolada em três pacientes por punção (um paciente apresentou crescimento dos dois germes em épocas distintas).

Os pacientes foram tratados com antibioticoterapia venosa específica, por um mínimo ele quatro semanas, seguida de terapia com antibiótico oral por mais três semanas. Como critérios de cura, foram usadas a melhora da sintomatologia e da curva térmica, a redução com normalização da VHS e a diminuição da hipercaptação 67-Ga nas áreas acometidas.

Os pacientes que interromperam a terapêutica proposta, antes do tempo previsto, tiveram o processo re aquecido, cola necessidade de novo curso de terapia antimicrobiana endovenosa.

Em uri paciente, foi necessária a adenoidectomia como terapia coadjuvante.

Os dois pacientes que foram a óbito estavam-controlados localmente há pelo menos seis meses, pela doença de base. Um paciente foi a óbito por miosite tropical, dois meses após o diagnóstico com controle parcial da doença. Dois pacientes encontram-se assintomáticos há pelo menos dois meses, do ponto de vista otorrinolaringológico; um deles, com micobacteriose atípica e o outro com miocardiopatia grave. Um dos pacientes, com hipertrofia de vegetações adenóides há mais de seis anos e história de sinusite de repetição desde então, permaneceu assintomático.

Os achados cintigrãficos com MDP para o diagnóstico da osteomielite são muito mais precoces do que os de tomografia computadorizada (TC), com uma grande sensibilidade e especificidade. O radiofarmaco incorpora-se à matriz cristalina do esqueleto, sendo dependente do aporte vascular e reação osteogênica, refletindo, em conseqüência, as condições do metabolismo ósseo. Cerca de 10% de atividade osteogênica são suficientes para uma imagem fortemente positiva' 1,25,26°27,28. A cintigrafia com MDP não é o método ideal para o acompanhamento da resolução do processo, pois pode permanecer positiva por até dois anos após o tratamento 10 21,25,26.

A TC é recomendada no momento do diagnóstico, antes da antibioticoterapia e após a mesma e, se os sintomas

persistirem, deve ser repetida, como forma de acompanhamento, e não como diagnóstico-
O composto citrato 67-Gálio, após sua injeção endovenosa, rapidamente agrega-se às proteínas plasmáticas carreadoras de ferro, em especial à transferrina. O mecanismo de acúmulo do 67-Ga na área inflamatória parece envolver o seu transporte pela transferrina, captação por estruturas intracelulares e leucócitos, ricos em lactoferrina.

Pelos motivos expostos, a cintigrafia cola Ga 67 é um bom método para controle da infecção óssea, devendo ser realizada nos primeiros três meses de doença de três em três semanas, pois no caso de reativação do processo lia a possibilidade de sua detecção precoce, unia vez que haverá hiperfixação do radioisótopo na área cornprornetida.

CONCLUSÕES

1. O aumento da VHS em pacientes hemofílicos aidéticos com sinusite crônica é um indicativo de comprometimento ósseo infeccioso, isto é, osteomíelíte. A confirmação da suspeita diagnostica deve ser realizada através de cintigrafia com 99mTc- MDP dos ossos da face.

2. -O tratamento da complicação deve ser através de antibioticoterapia venosa específica por quatro semanas, complementada por três semanas de antibiótico oral.

3. O seguimento destes pacientes deve ser realizado pela dosagem quinzenal da VHS, durante a terapêutica, e pela cintigrafia com citrato de Gálio 67 de três em três semanas. Os critérios de cura são a melhora clínica, a normalização da VHS e a negativação da cintigrafia com Ga 67.

4. O MDP não é um bom método para seguimento, pelo fato de manter-se positivo por até dois anos, mesmo na ausência de infecção.

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* Médica do Serviço de Otorrinolaringologia do hospital Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de janeiro: Médica do Serviço de Otorrinolaringologia e/o hospital Municipal Souza Aguiar; e Médica da Casa do Hemofilico St.
** Doutoranda em Medicina Nuclear, Departamento de Radiologia - Faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Médica do serviço de Medicina Nuclear do Grupo Célula /RJ.

Trabalho realizado nos Serviços de Otorrinolaringologia e Medicina Nuclear do HUCCFF-UFRJ. Endereço para correspondência: Marise Marques - Rua Lopes Quintas, 161- Jardim Botânico - 22460-010 Rio de Janeiro /RJ -Telefone: (021) 294-5959 - Fax (021) 274-4131.

Artigo recebido em 27 de navio de 1998. Artigo aceito em 18 de agosto ele 1993.

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