Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 453 a 457

 

Os Ruídos Hospitalares e a Audição do Bebe.

The Hospital's Noises and the Baby's Audiction.

Autor(es): Cristiane F. Gomes * ;
Maria Madalena F. Crivara**:

Palavras-chave: ruídos, ruídos hospitalares, audição da criança

Keywords: noises, noises in the hospital, child's hearing

Resumo:
Com o objetivo de verificar os níveis de ruídos em unidades de recém-nascidos e conscientizar a equipe que atua nesses locais sobre os efeitos dos ruídos na audição dos bebês, realizamos a medição de tais níveis através do uso de decibelímetro Lutron, modelo SL 4001, no período de setembro de 1997. Como resultados, observamos que o nível ambiental do hospital pesquisado encontra-se cerca de 19 dB (decibéis) acima do descrito na literatura como aceitãvel. Observamos também que os maiores causadores destes ruídos são os equipamentos utilizados nos locais, como capacete de oxigênio (87 dB) e incubadora (62 dB), além de alguns procedimentos, tais como o bater de portas (96 dB) e o ato de tamborilar sobre a cúpula da incubadora (81 dB). Concluímos que esses índices podem ser drasticamente diminuídos se houver conscientização da equipe quanto ao correto manuseio dos equipamentos, bem como na realização dos procedimentos.

Abstract:
With the intention of verifying the level of the noises ín the uníts of newborn babies and to make the team conscious about the effects of this kind of noises in the hearing of the babies, wc have made a measurement of theses levels using the sound level meter Lutron, model SL 4001 in september, 1997. In the results, we have observed that the environment in this case has been 19 dB above of the limit that is acceptable in the literature about that. We also observed that most frequently kind of noises have come from the equipments which were used in those places, like the helmet of oxygen (87 dB), and the incubator machine (62 dB) and also some proceedings such as doors shutting (96dB), and the act of drumming on the cúpula of the incubator machines (81 dB). We have concluded that those items could be simply reduced if the team become conscious about the correct use of the equipments and also about the performance of the proceedings.

INTRODUÇÃO

O ruído é definido como qualquer sinal auditivo indesejável, podendo ser elétrico ou de outra natureza, ou ainda,- o som com uma forma de onda não periódica (não repetitiva), onde a amplitude não depende da freqüência (Katz, 1989).

O ouvido humano responde diferentemente de pessoa para pessoa a um determinado ruído. No entanto, está provado estatisticamente que as pessoas submetidas a níveis de ruído superiores a 85 dB (decibéis) passam a apresentar problemas de audição, sistema nervoso, sistema circulatório, irritação, falta de atenção (Hodge e Thompson, 1990), raiva, confusão e falta de sono (Falk e Woods, 1973; Turner e colaboradores, 1975; Bovenzi e Collareta, 1984), além de estresse em enfermeiros e pacientes (Celentano e Johnson, 1987).

Com a tendência dos avanços em neonatologia decorrentes do desenvolvimento tecnológico e com o aumento da sobrevida de bebês de baixo peso exigindo maiores períodos de hospitalização devido a seus problemas de saúde e pouca idade gestacional, cada vez mais se faz necessário dar se atenção, para os possíveis efeitos nocivos do ruído sobre estes bebês de saúde tão precária (Lichtig e Maki, 1992).

Diversos estudos vêm colocando em evidência que os efeitos nocivos do ruído não se limitam a lesões do aparelho auditivo, mas comprometem diversos outros órgãos, aparelhos e funções do organismo, contribuindo dessa maneira para aumentar as preocupações e esforços na eliminação e/ ou controle desse agente (Davis, 1948; Jansen, 1969).

Northern e Downs (1989), Lichtig e Maki (1992), Parrado e Costa Filho (1992) salientaram os efeitos fisiológicos e comportamentais no neonato exposto a ruído, tais como: choro, agitação, aumento da pressão intra-craniana, aumento da freqüência cardíaca e respiratória, diminuição dos níveis sangüíneos, aumento do hormônio responsável pela liberação de adrenalina no sangue (ACTH) e distúrbios do sono, entre outros.

O barulho parece apurar também a percepção de dor(Minckey, 1968) e contribui para o atraso na cura de feridas (ivlcCarthy e colaboradores, 1991), além de promover o nascimento de bebês com menor peso (Knipschilci e colaboradores, 1981).

Kiwitko e Pezzi (1991) relataram que as alterações fisiopatológicas causadas na audição pelo ruído parecem estar relacionadas, inicialmente, a diminuição de oxigênio intra-celular das células ciliadas do órgão de Corri, pela vasoconstrição subseqüente ao contato com o ruído; após, o edema leva a completa separação do epitélio sensorial (células ciliadas internas e externas, células de Deiter e Hansen) da membrana basilar; finalmente, ocorre perda dos estereocílios.

Para Katz (1989) e Siebenmann e Yoshii (1908), os níveis traumáticos do ruído quase invariavelmente afetam a audição e o processo patológico envolve as células ciliadas externas inicialmente, e, progressivamente, as outras células da cóclea; por último, envolve as células ciliadas internas. Finalmente, os neurônios cocleares podem atrofiar-se.

Segundo Klaus e Fanaroff (1982), os níveis sonoros numa unidade de cuidados intensivos e em incubadoras aproximam-se de níveis perigosos. Ainda de relevância são os estudos com animais que mostram que quanto mais imaturo for o animal, mais susceptível à lesão por exposição aos ruídos, quando comparado aos adultos. Além disso, estes níveis de som podem potencializar os efeitos lesivos das drogas ototóxicas (Northern e Downs, 1989; Woods e Falk, 1974).

Nos hospitais norte-americanos, os níveis máximos de ruído aconselhados são de 45 dB durante o dia e 35 dB à noite, de acordo com o Departamento para Proteção Ambiental dos Estados Unidos (1974); contudo, os níveis de ruído nos hospitais excedem grandemente estes níveis (Lipscomb, 1974).

A Academia Americana de Pediatria sugere como nível permitido de exposição de ruído ao recém-nascido 58 dB e a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), 45 dB (Laura e colaboradores, 1986); no entanto, alguns estudos têm demonstrado que o ruído ambiental de uma UTI varia de 56 a 77 dB (Russo e Santos, 1989).

Seleny e Streezyn (1969) relacionaram a existência de altos níveis de pressão sonora nas incubadoras ao inadequado tratamento acústico dado às incubadoras, os equipamentos de apoio vital e as paredes das salas onde se encontravam.

Long e colaboradores (1980) observaram a variação do ruído dentro de uma UTI e notaram que os maiores responsáveis eram os aparelhos de apoio vital e a própria atividade da equipe multidisciplinar. Quando da retirada dos fatores que predispunham ao ruído, houve considerável diminuição de tais níveis.

Lichtig e Maki (1992) observaram que, durante alguns cuidados prestados ao bebê, são produzidos vários ruídos intensos de impacto, como por exemplo abrir e fechar as portinholas da incubadora (112 a 124,5 dB) e colocar objetos sobre a cúpula de acrílico (116 dB), entre outros. Blennow e colaboradores (1974) investigaram o ruído de quatro diferentes tipos de incubadora e encontraram níveis entre 70 e 80 dBA (nível de audição).

Guimarães (1994) encontrou valores de 54 a 78 dB NPS (nível de pressão sonora) na medição realizada em três hospitais. Encontrou também os níveis de alguns procedimentos realizados pela equipe: abrir portas da incubadora, 64 dB; fechá-las, 61,5 dB; abrir portas em geral, 64,8 dB; colocar objetos sobre a cúpula da incubadora, 64 dB; arrastar móveis, 65 dB.

Lichtig e Maki (1992) salientam a importância de programas de conscientização do pessoal que atua nas unidades, no sentido de obter colaboração na redução destes ruídos durante as atividades referentes aos cuidados prestados ao bebê.

O objetivo do presente estudo compreende a verificação dos níveis de ruído em unidades de recém-nascidos e a conscientização da equipe que atua nesses locais sobre os efeitos nocivos dos ruídos na audição dos bebês.

MATERIAL E MÉTODO

A medição dos ruídos hospitalares foi realizada na Unidade de Internação de Recém-Nascido e UTI neonatal de um hospital geral do norte do Paraná, através de um decibelímetro da marca Lutron, modelo SL 4001, colocado no interior de uma incubadora no lugar da cabeça de um bebê. Os ruídos foram medidos em nível de pressão sonora (NPS).

Os resultados da medição de ruídos da Unidade de Recém-Nascido e UTI neonatal não apresentaram diferença significativa devido ao fato de que, apesar de na UTI haver vários equipamentos ruidosos, não há circulação de pessoas como na unidade de Internação de Recém-Nascido (pais e visitas); e, por esse motivo, os valores foram agrupados e a média entre o pico de cada um deles foi registrada.

Foram medidos alguns equipamentos e procedimentos: aspirador, alarme do respirador, incubadora ligada, campainha do telefone, capacete de oxigênio, lâmpadas de fototerapia, ato de tamborilar sobre a cúpula de acrílico, empurrar a incubadora, encaixar o estetoscópio na lateral da incubadora, bater portas, abrir e fechar as portinholas, a porta inferior e a cúpula da incubadora, elevar e abaixar o leito e colocar objetos sobre a cúpula.

O estudo foi realizado no período de setembro de 1997.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Observa-se na Tabela 1 que o ruído ambiental se encontra em 69 dB, acima do permitido pela Academia Americana de Pediatria (58 dB) e Associação Brasileira de Normas Técnicas (45 dB) (Laura e colaboradores, 1986).

Tais níveis encontram-se mais próximos ao descrito por Russo e Santos (1989), onde o ruído ambiental de uma UTI varia de 56 a 77 dB.

Alguns equipamentos apresentam sons mais intensos, como se observa na Tabela 2: ruído do telefone (74 dB), lâmpadas de fototerapia (80 dB), capacete de oxigênio (87 dB) e incubadora ligada (62 dB).













Blennow e colaboradores, em 1974, encontraram valores mais altos, de 70 a 80 dB; porém, com o avanço da tecnologia e a conscientização sobre os riscos do ruído, os fabricantes têm se preocupado em fabricar incubadoras mais silenciosas.

Alguns procedimentos também apresentam níveis perigosos (Tabela 3), como o ato de tamborilar sobre a cúpula de acrílica (81 dB) e o bater de portas (de armários e da própria unidade) (96 dB).

Na Tabela 4 verificamos que o manuseio da incubadora, como o ato de colocar objetos sobre a cúpula da incubadora, apresentou pico de 95,6dB; elevar o leito da incubadora, 87,8 dB; abaixa-lo, 90,6 dB; abrir as portinholas, 81 dB; fecha-las, 83,3 dB.





Segundo Guimarães (1994), estes níveis encontram-se de 54 a 78 dB, abaixo do observado neste estudo, mas ainda assim com níveis preocupantes e acima do permitido.

De acordo com Lichtig e Maki (1992), tais níveis encontram-se ainda mais elevados, com picos de 91 a 124,5 dB. Vale ressaltar a diferença média de valores medidos de acordo com o modo com que os procedimentos são realizados, ou seja, ao colocar-se objetos sobre a incubadora, de modo suave e brusco, observa-se uma diferença de 17,6 dB; abaixar a cúpula da incubadora, 11,5 dB; fechar as portinholas, 11,3 dB; e fechar a porta inferior da incubadora, 10,6 dB.

Se houver controle no manuseio dos equipamentos, pode-se reduzir significativamente o ruído ambiental de 69 dB para 58 dB ou menos, considerado aceitável pela Academia Americana de Pediatria (Loura e colaboradores, 1986).

CONCLUSÃO

Conclui-se que os níveis sonoros verificados no hospital em questão encontram-se acima dos níveis aceitáveis pela literatura, constituindo em risco para a audição e desenvolvimento global do recém-nascido.

Verificou-se, também, que os maiores índices de ruído são decorrentes do uso de equipamentos ruidosos e alguns procedimentos da equipe que atende ao recém-nascido.

A partir de tais dados, será iniciado um programa de orientação a fim de conscientizar a equipe quanto aos prejuízos do ruído na audição do bebê, bem como algumas sugestões para que este ruído seja diminuído, como, por exemplo, com a manipulação cuidadosa dos equipamentos, favorecendo o bem-estar e desenvolvimento dos neonatos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Katz, J. - Tratado de audiologia clínica. 6á edição, Rio de janeiro, Guanabara - Koogan, 1991, 731-51.
2. HODGE, B.; THOMPSON, J. F. - Noise pollution in the operating theatre. Lancet, 355: 891-4, 1990.
3. FALK, S. A.; WOODS, N. F. - Hospital noise-leveis and potential health hazards. N. Engl. J. Med., 289: 774-81, 1973.
4. TURNER, A. G.; KING, C. H.; CRADDOCK, J. G. -Measuríng and reducing noise. Hospitais, 49: 85-90, 1975.
5. BOVENZI, M.; COLLARETA, A. - Noise levels in the hospital. Ind. Health, 22 (2): 75-82; 1984.
6. CELENTANO, D. D.; JOHNSON, J. V. workers. Occup. Med., 2 (3): 593-608,
7. LICHTIG, 1.; MAKI, K. - Estudos ambientais e de ruídos gerados pelas unidade de terapia intensiva neonatal. 35-8, 1992. Stress in health core 1987.
de níveis de ruídos incubadoras em uma Rev. Pediatr., 40 (1):
8. DAVIS, R. C. - Motor effects of strong auditory stimuli. J. Exp. Pbycbol., 38: 257-75, 1948.
9. Jansen, G. - Effects of noise on pbysiological state bealth bazard. Washington, American Speech and Hearing Association, 1969.
10. NORTHERN, J. L.; DOWNS, M. P. - Audição em crianças.. 32 edição, São Paulo, Manole, 1989, 132-3.
11. PARRADO, M. E.; COSTA FILHO, O. A. - Berçário de alto risco e o ruído das incubadoras. Pró-Feno, Rev. Atual. Cient., 4 (1): 31-4, 1992.
12. MINCKEY, B. B. - A study of noise and its relationship to patient desconfort in the recovery roem. Nurs. Res., 17 24750, 1968.
13. McCARTHY, D. O.; OUIMET, M.E.; DAUN, J. M. - Shades of Florence nightingale: potencial impact of noise stress on wound healing. Holístíc Nurs. Pract., 5(4): 39-48, 1991.
14. KNIPSCHILD, P.; MAJOR, H.; SALLE, H. - Aircraft noise and birthweight. Int. Arcb. Occup. Environ. Health, 48(2):1316, 1981.
15. KWITKO, A.; PEZZI, R. G. - Projeto ruído. Rev. Cipa, 135: 21-34, 1991.
16. SIEBENMANN, F.; YOSHII, U. - Demonstration von experimenteller akustischen schãedigungen des gehorôrganes. Vercb. Dtsch. Ger. Otolog., 17 114-18, 1908.
17. KLAUS, M. H.; FANAROFF, A. A. - Alto risco em neonatologia. 22 edição, Rio de janeiro, Interamericana, 1982, 90103.
18. WOODS, N. F.; FALK, S. A. - Noise stimuli in na acute caro area. Naus. Res., 23: 114, 1974.
19. LIPSCOMB, D. M. - Noise: tbe uniwanted sounds. Chicago, Nelson-hall, 1974.
20. LADRA, P.; LAMALFA, S.; BESENDO, A. R.; ALVAREZ, R. - Los ruídos en neonatologia: Rïesgos y precauciones. Arch. Arg. Pediatr., 84: 243-48, 1986.
21. RUSSO, I. C. P.; SANTOS, T. M. M. - Audiologia infantil. 3í' edição, São Paulo, Cortez, 1989, 52-3
22. SELENY, F. L.; STRECZYN, M. - Noise characteristics in the baby compartments of incubadors. Am.j. Dis. Child., 117.44550, 1969.
23. Long, J. G.; Lucey, J. F.; Philip, A. G. S. - Noise and hypoxemia in the intensive caro nursery. PediatrIcs, 65.- 143-5, 1980.
24. BLENNOW, G.; SVENNINGSEN, N.; ALMQUIST, B. -Noise levels in infant incubadors (adverse effects?). Pediatrics, 53: 29-32, 1974.
25. GUIMARÃES, M. A. D. - Ruído em incubadora. Rev. de Fonoaud., 1: 11-17, 1994.




* Fonoaudióloga do Setor Materno-Infantil' do Hospital Evangélico de Londrina /PR.
** Enfermeira do Serviço de Educação Continuada do Hospital Evangélico de Londrina /PR.

Trabalho apresentado no XIII Encontro Internacional de Audiologia, de 16 a 18 de maio de 1998, em Bauru /SP. Endereço para correspondência: Cristiane F, Gomes - Avenida Craribaldi Deliberador, 325 - Bloco I - Apto. 4 - Jardim Cláudia - 86050-280 Londrina /PR. Telefone (043) 339-2791. Artigo recebido em 16 de março de 1998. Artigo aceito em 15 de junho de 1998.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial