Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 3  - Maio - Junho - (10º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 279 a 282

 

Tireóide Lingual - Relato de Caso.

Lingual Thyroid. Report of a Case.

Autor(es): Roberto C. Meirelles *;
Marcílio F Marques Filho **;
Adriana L. M. C. Silva***,
Ciriaco C T Atherino****,

Palavras-chave: tireóide ectópica, tireóide lingual

Keywords: ectopic thyroid, lingual thyroid

Resumo:
Os autores apresentam um caso de tireóide lingual no qual a conduta foi conservadora, com seguimento de um ano, sem maiores problemas para a paciente. Fazem revisão da literatura, com ênfase nos métodos de diagnóstico e de tratamento da doença. Considera-se, hoje em dia, que a possibilidade de malignização deste tecido ectópico seja similar à da tireóide normal.

Abstract:
The autoors present a case of lingual thyroid treated in a conservative way, with a one-year follow-up without other troubles to the patient. They review the literature on the subjeçt emphasizing the diagnosis and management of the disease. Now a days the malignization rate of this ectopic tissue is considered similar to that of the normal thyroid.

INTRODUÇÃO

A tireóide lingual é definida como sendo a presença de tecido tireóideo na linha média da base da língua, entre as papilas circunaladas e a epiglote, decorrente da migração incompleta deste tecido ao longo do canal tircoglosso. Seu tamanho varia de alguns milímetros a vários centímetros e os sintomas são nitidamente relacionados ao volume. Esta localização tecidual associada à sintomatologia é incomum, tendo sido relatados menos de 400 casos.

APRESENTAÇÃO DO CASO

A.Q.P., do sexo feminino com 46 anos de idade, de cor branca, do lar, natural de Bauru /SP. Registro N°- 33328. Há cerca de dois anos, queixa-se de desconforto e sensação de corpo estranho na garganta. Procurou auxílio médico em sua cidade, sendo diagnosticada "faringite crônica" e instituído tratamento com antiinflamatórios não hormonais, anti-histamínicos e substâncias tópicas, sem melhoria. Passou, então, a apresentar episódios de disfagia de pequena intensidade e tosse durante a deglutição. Referiu também "tonteiras rotatórias", zumbido, sensação de plenitude auricular, cefaléia pré-menstrual, irritabilidade e nervosismo. Há dez meses, tratamento para hipotireoidismo com L-tiroxina 150 mcg / dia.

A mãe, já falecida, foi submetida a cirurgia tireoideana aos 16 anos de idade, não sendo conhecidos maiores detalhes.

Exame ORL. Através da laringoscopia indireta com telescópio rígido de 70°, observamos presença de lesão arredondada, lisa, vermelha e centralizada, com cerca de 2 cm de diâmetro (Figura 1). Ausência de alterações labirínticas, ao exame clínico.

Como hipóteses diagnósticas, destacamos tireóide lingual ou tumor de língua. Solicitamos avaliação endocrinológica da glândula tireóide, que revelou níveis alterados de T3, T4 e TSH. A cintilografia mostrou intensa captação de iodo na base da língua, sem qualquer presença de tecido tireóideo no local anatômico (Figura 2). A avaliação audiométrica e vestibular mostrou audição normal, com grau mínimo de comprometimento labiríntico.

O acompanhamento da paciente mostra que os sintomas estão estáveis, razão pela qual, em consenso com o endocrinologista, optamos pela observação clínica e tratamento do hipotireoidismo, já com seguimento de um ano, seta alterações no volume da tireóide.




Figura 1. Visão endoscópica da base da língua, com destaque para a tireóide lingual.



Figura 2. Cintilografia mostrando captação no nível cia base lingual e ausência de captação no nível cervical.




COMENTÁRIOS

A localização ectópica da glândula tireóide é decorrente da migração incompleta do tecido tireóideo ao longo do canal tireoglosso, desde o forâmen cego, na base da língua, podendo ocorrer em qualquer dos sítios no trajeto de descida. Resultará em restos nas posições lingual, sublingual, supra-hióidea, infra-hioidea e intratorácica. O cisto do dueto tireoglosso é a anomalia mais comum associada ao desenvolvimento ectópico da tireóide. É rara a presença de tecido tireóideo lingual, com menos de 400 casos publicados. BAUGHMAN3, analisando a incidência dessa anomalia, realizou necrópsias e encontrou 10% de tecido tireóideo na base da língua, com distribuição igual entre homens e mulheres. Ele afirma que a prevalência estimada de lesões visíveis e sintomáticas é de 1:10.000, sendo que as assintomátcas constituem achado ocasional, em exames otorrinolaringológicos. BATSAKIS refere que, quando existe a tireóide lingual, em 70% dos casos há ausência da glândula na posição original. Sua remoção, portanto, levará ao hipotireoidismo, com necessidade ele reposição hormonal. As localizações sublingual ou parcialmente descendentes são ainda mais raras.

O quadro clínico manifesta-se por sensação de corpo estranho na garganta, disfagia, tosse, dispnéia e, em casos extremos, obstrução respiratória. A sintomatologia aparece em qualquer época, desde o nascimento até a velhice. Geralmente, as tireóides linguais sintomáticas abrem seu quadro na puberdade, gravidez ou menstruação, e são mais comuns nas mulheres, em 7:14. A idade média de aparecimento dos sintomas é 40 anos. A paciente em questão teve o início dos sintomas aos 43 anos e não relatou piora durante as três gestações prévias. As queixas são proporcionais ao tamanho da massa e incluem disfagia de leve a severa, disfonia e, ocasionalmente, dispnéia e hemorragia. Se muito volumosa, leva a obstrução respiratória'. Aproximadamente 10% dos pacientes juvenis manifestam mixedema ou cretinismo e 70% desenvolvem hipotireoidismo'. Nas famílias de indivíduos portadores de tireóide lingual, há elevada incidência de doença tireóidea'.

A cintilografia é o principal exame a ser feito e foi o que nos ofereceu a confirmação diagnóstica. A investigação deve incluir exame faringolaríngeo e do pescoço, dosagens hormonais e cintilografia. A tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética podem ser úteis para delimitar a extensão da lesão'.

O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico. O clínico visa basicamente a compensação do hipotireoidismo, caso presente. O cirúrgico fica reservado para os casos de sintomatologia exacerbada, com disfagia intensa e dispnéia.

Não há relato de tratamento de urgência para desobstrução das vias respiratórias (asfixia).

A indicação cirúrgica pela possibilidade de transformação rnaligna é discutível. Antigamente, a opinião prevalente era de que todo tecido ectópico era maligno e metastático, devendo ser. removido para erradicação de tumores incipientes'. O consenso moderno aceito hoje pela maioria é de que nem toda -a localização ectópica seja associada ao câncer, embora alguns achem que esta possibilidade deva ser totalmente eliminada. A velha relação entre tireóide ectópica e carcinoma foi modificada, já que estudos anâtomo patológicos mostraram que não há câncer em tireóides operadas por este propósito, principalmente se este for o único tecido tireóideo e sem sinais que façam suspeitar de malignidade. A cintilografia pré-operatória mostra a presença de tecido tireóideo, ruas sem a diferenciação benigno /maligno referem a ultrassonografia associada à punção biópsia com agulha fina, o que é considerado por muitos excelente método para afastar malignidade.

Até 1992, foram descritos 23 casos de carcinoma da tireóide lingual, dos quais nove eram papilares; e quatorze, foliculares'. Quatro desenvolveram metátases a distância e cinco tiveram recorrências até um ano depois de operados. A maioria ocorreu na terceira década de vida. Entretanto, a possibilidade de transformação maligna é idêntica à da tireóide normah.

Este conceito serve também para outras localizações ectopcas da tireóide, haja vista, que, existem muitos relatos de remoção inadvertida de tireóide única, pensando-se ser cisto tireoglosso, com as subseqüentes complicações, como hipotireoidismo. Em caso citado na literatura, descrevem um paciente com tireóide lingual e hipotireoidismo, no qual surgiu hiperparatireoidismo. A ultrassonografia e a tomografia computadorizada não revelaram anormalidades. Através cia cintilografia, foi detectado grande adenoma paratireóide, que foi operado. Freqüentemente, a tireóide lingual está associada a hipotireoidismo; porém, com paratireóide em posição normal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Adjunto e Coordenador da Disciplina de ORL da Universidade do Estado do Rio de janeiro; Pós-Graduando (Doutorado) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Médico do Serviço de ORL da Policlínica de Botafogo; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Otorrinolaringológicas do Ri" de janeiro,
** Médico Residente do Serviço de ORL da Policlínica de Botafogo.
*** Professor Assistente da Disciplina de ORL da Universidade do Estado do Rio de janeiro e da PUC - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Mestre em Otorrinolaringologia pela PUC /RJ; Médico do Serviço de ORL do Hospital de Ipanema, do Rio de janeiro; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Otorrinolaringológicas do Rio de janeiro,

Trabalho realizado nos Serviços de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Policlínica de Botafogo - Rio de janeiro /RJ. Endereço para correspondência: Av. Pasteur, 72 - CEP: 22290-240 - Rio de janeiro /RJ - Brasil. Telefone: (021) 543-1909 - Fax: (021) 543-1095 - E-mail: meirelles@radnet.com.br Artigo recebido em 4 de dezembro de 1997. Artigo aceito em 16 de março de 1998.

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