Ano: 1998 Vol. 64 Ed. 3 - Maio - Junho - (3º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 221 a 227
Estudo Comparativo das Triagens Auditivas por Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes, Observação Comportamental e Medidas de Emitância Acústica em Crianças com e sem Risco para Deficiência Auditiva.
Comparative Study on the Hearing Screening by Transiently Otoacustic Emissions, Behavior Observation and Acoustic Impedance in Children with and without Hearing Risk for the Hearing Loss.
Autor(es):
Elaine Soares*
Simone Maria Amodio Guerrero*
Marisa Frasson de Azevedo**
Palavras-chave: surdez, triagem neonatal, emissões acústicas
Keywords: deafness, neonatal screening, otoacoustics emissions
Resumo:
O presente estudo teve por objetivo comparar as triagens auditivas por emissões otoacústicas, observação comportamental e medidas de imitância -acústica, em neonatos, com e sem risco auditivo. Foram realizadas duas avaliações (para as crianças que falhassem na primeira avaliação). Houve compatibilidade de 100% entre as três triagens, após a segunda avaliação. No grupo controle (sem risco auditivo), 100% das crianças passaram nas três triagens realizadas; no entanto, no grupo de risco, duas crianças falharam nas três triagens, por apresentarem deficiência auditiva neurossensorial de grau moderado. Foi estudado, também, o padrão de resposta para as triagens, obtido para cada grupo.
Abstract:
The present study had as a goal, to compare the hearing screening with otoacoustics emissions, behavior observation and acoustic impedance in neonatos with and without hearing risk. Two evaluations were done (for children that failed in the first evaluation). There was compatibility of 100% among the three screening after the second evaluation. In the control group (without hearing risk), 100% of the children succeded the three sreening realized, however in the risk group, two children failed in the three screening for presenting moderate hearing loss. It was also studied the answer standard for the screening, obtained for each group.
INTRODUÇÃO
A preocupação com o diagnóstico precoce da deficiência auditiva, em nosso meio, tem sido uma constante, pois muitos estudos já relataram que os prejuízos causados por essa deficiência, principalmente na infância, muitas vezes são irreversíveis, afetando não apenas a linguagem, mas também o desenvolvimento global da criança. Foi pensando na importância da detecção precoce da deficiência auditiva que vários métodos de triagem foram criados, como, por exemplo, a observação comportamental, as medidas de imitância acústica e a audiometria de tronco cerebral.
Atualmente, após a descoberta das emissões otoacústicas por Kemp18, este método está sendo cada vez mais utilizado, por possibilitar a avaliação rápida e eficaz de grande número de crianças.
Este trabalho tem por objetivo comparar os resultados da triagem auditiva por emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAT), observação comportamental e medidas de imitância acústica, em crianças com e sem risco auditivo.
MATERIAL E MÉTODO
Foram estudadas 52 crianças, de 2 a 150 dias de vida, sendo 36 do sexo feminino e 16 do sexo masculino. Os bebês, primeiramente, foram distribuídos em dois grupos: grupo controle, formado por 30 crianças nascidas a termo, sem risco auditivo, e grupo de risco, formado por 22 crianças a termo e pré-termo, com presença de risco auditivo.
Foram considerados, para este trabalho, os indicadores de risco para deficiência auditiva periférica e central propostos por Azevedo (1996)4, adaptados do Joint Commitee on Infant Hearing (1994)17.
Foi respeitado o tempo mínimo de 48 horas de vida para realização do exame, a fim de diminuir a possibilidade de vérnix na orelha média. Foi realizada a triagem audiológica, que se constituiu de:
Triagem das cones da orelha média por medidas de imitância acústica
Foi utilizado o aparelho Handtymp TM, marca Danplex, portátil. Realizadas pesquisa de curva imitanciométrica e pesquisa dos reflexos estapedianos ipsilateral, na intensidade de 95 dBNPS, nas freqüências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000 Hz.
Triagem auditiva comportamental
Realizada de acordo com o procedimento de Azevedo (1995)1 e com as respostas avaliadas de acordo com o proposto pela literatura1:
a. Respostas reflexas e/ou automatismos inatos.
b. Atenção ao som (A).
c. Procura da fonte sonora (PF).
Triagem por emissões otoacústicas evocadas transientes (EOAT)
Utilizamos as EOAT, que são as recomendadas para triagem neonatal, através do equipamento ILO 88, marca OAE System Otodynamics.
Durante a testagem, a criança permaneceu em cabine acústica, no colo da mãe ou da enfermeira, preferencialmente em estado de sono leve ou profundo. A testagem foi realizada utilizando o programa Quickscreening, conforme é indicado pelo manual do aparelho.
No caso da presença de respostas, o exame foi interrompido após 80 estímulos aceitos; e, no caso de ausência, o exame prosseguiu até os 260 estímulos (propostos pelo equipamento).
Para todas as crianças que falharam na primeira avaliação, foi marcado retorno após 15 dias e as crianças com alteração condutiva foram encaminhadas ao otorrinolaringologista. Se, mesmo após o retorno, a criança apresentou ausência de otoemissões com integridade de orelha média, ela foi encaminhada para a audiometria de tronco cerebral (ABR).
As respostas foram classificadas da seguinte forma:
- PASSOU: respostas com amplitude 3 dB, em pelo menos três bandas de freqüência, maior do que o ruído de fundo; reprodutibilidade maior do que 50%; estabilidade maior do que 70%.
- PASSOU PARCIAL: respostas com amplitude 3 dB, maior do que o ruído de fundo, em pelo menos duas freqüências; estabilidade da sonda maior do que 70%.
- FALHOU: ausência de respostas; estabilidade maior do que 70%.
RESULTADOS E COMENTÁRIOS:
1. Triagem por emissões otoacústicas
Optou-se pela utilização das EOAT, por serem de maior valor clínico5, 9, 19.
No grupo controle, das 60 orelhas testadas (30 indivíduos), 44 orelhas (73,4%) passaram, 10 (16,7%) falharam e 6 (10%) passaram parcialmente. No grupo de risco, das 44 orelhas testadas (22 indivíduos), 31 orelhas passaram (70,5%) e 13 falharam (29,5%) (Gráfico 1). Na segunda avaliação, no grupo controle, todas as orelhas passaram e, no grupo de risco, 40 orelhas passaram e 4 orelhas falharam (Gráfico 2). As duas crianças que falha ram foram encaminhadas para ABR com suspeita de perda auditiva. Não foram observadas diferenças estatísticas entre os grupos, sendo os nossos valores bastante próximos dos encontrados na literatura7, 8,, 9, 12, 13, 14, 16, 21, 22, 27, tanto na primeira quanto na segunda avaliação do grupo controle e do grupo de risco.Também foram encontrados estudos" com valores de incidência inferiores aos encontrados por este estudo.
1.1 PARÂMETROS ANALISADOS
Foram analisados para os dois grupos os seguintes parâmetros (Tabela 1).
o Amplitude média de resposta (AX); amplitude de resposta por freqüência (A. Freq.); reprodutibilidade (Repr.); nível de pressão sonora máximo atingido pelo click (NPS máx.); tempo de exame (T).
Em nenhum dos parâmetros estudados, para os dois grupos, foram observadas diferenças estatísticas entre as orelhas.
- Conforme pode ser visto na Tabela I, o valor de amplitude média da resposta encontrado no grupo de risco foi menor do que os valores encontrados no grupo controle, concordando com os achados da literatura, embora sem significância estatística. Os valores encontrados se assemelhararam aos achados de literatura21, 27, sendo inferior a apenas um estudo9.
- Comparando-se as amplitudes médias de resposta, em cada grupo, para cada uma das freqüências sonoras testadas, observaram-se diferenças estatisticamente signicativas nas freqüências de 1,6 khz, 2,4 khz e 3,2 khz, sendo as amplitudes médias do grupo controle mais elevadas que as do grupo de risco. Não foram encontrados estudos que fizessem esta correlação.
- De acordo com o que pode ser visto na Tabela I, os valores encontrados para reprodutibilidade são bastante próximos aos encontrados na literatura21, 27, não sendo observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
- O Nível de Pressão Sonora máximo atingido pelo click variou de 78 a 96, no grupo controle, e de 73 a 92, no grupo de risco, variação esta próxima aos dados encontrados em estudos similares21. Não foram observadas diferenças significativas entre os valores médios de NPS (Tabela I), entre os grupos.
- O tempo médio gasto na realização do exame do grupo controle, no estudo (Tabela 1), foi inferior e/ou próximo aos valores encontrados na literatura7, 9, 21, 27, 29. o tempo gasto na realização do exame no grupo de risco foi significativamente maior do que no grupo controle. Tal fato pode ter ocorrido pela maior dificuldade em realizar o exame nas crianças do grupo de risco, principalmente em razão da dificuldade de vedação do conduto (conduto muito pequeno) e irritabilidade da criança21.
Gráfico 1. Distribuição das orelhas testadas do grupo controle e do grupo de risco em relação à resposta da triagem por EOA da primeira avaliação.
Gráfico 2. Distribuição das orelhas testadas do grupo controle e do grupo de risco em relação à resposta da triagem por EOA da segunda avaliação:
Acredita-se que, no estudo, o tempo gasto para realização da triagem por emissões otoacústicas tenha sido menor, pois o teste foi interrompido após 80 estímulos, sendo que, na literatura especializada, o teste teve maior duração, sendo utilizados 260 estímulos.
2. Triagem por imitância acústica
2.1 CURVA TIMPANOMÉTRICA
Das 60 orelhas testadas no grupo controle (30 neonatos), 44 (73,3%) apresentaram curva timpanométrica tipo A, e 16 (26,7%) apresentaram curva timpanométrica tipo B. Das 44 orelhas do grupo de risco, 35 (79,5%) apresentaram curva timpanométrica tipo A, 6 orelhas (13,6%) apresentaram curva timpanométrica tipo B e 3 (6,8%) apresentaram curva timpanométrica tipo W.
No grupo controle e de risco, todas as crianças apresentaram curva timpanométrica tipo A na segunda avaliação.
A ocorrência de curva tipo A e curva tipo W neste estudo, tanto no grupo controle quanto no grupo de risco, foi bastante próxima ao encontrado nos achados de literatura11, 20, 28, 20,28 sendo superior apenas a um estudo20.
2.2 REFLEXO ACÚSTICO
Como se observa, a ocorrência do reflexo estapediano em 500 Hz, em nosso estudo, encontra-se bastante próxima ao encontrado na literatura32. Nas demais freqüências, os valores encontrados são inferiores aos da literatura pesquisada (Gráfico III).
3. Triagem através da observação comportamental No grupo controle, foram obtidos 63,3% de presença de resposta de atenção ao som; e, no grupo de risco, 65% de presença de resposta de atenção ao som. Tais valores encontram-se próximos aos encontrados em estudos similares'. Podemos observar que a ocorrência de resposta de procura da fonte para os dois grupos é bastante baixa (3,3% para o grupo controle e 10% para o grupo de risco). É interessante observar que o grupo de risco apresenta faixa etária maior que a apresentada pelo grupo controle, pelo fato de destas crianças ficarem internadas por mais tempo, sem condições físicas para a realização do teste. O que provocou, provavelmente, maior ocorrência de procura da fonte neste grupo, concordando com a literatura1.
Não observamos diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
A ocorrência de reflexo cócleo-palpebral foi de 100% no grupo controle e de 96% no grupo de risco (Gráfico IV): valores muito próximos aos encontrados na literatura1, 24, 30.
GRÁFICO 3 - Presença do reflexo acústico em cada uma das freqüências estudadas, em relação aos dois grupos do estudo.
No grupo controle, foram obtidos 1,7% de presença de sobressalto; e, no grupo de risco, 35% de presença de sobressalto, o que concorda com os achados1. A ocorrência de sobressalto é significativamente maior no grupo de risco do que no grupo controle, o que também foi observado na literatura1.
5. EOAT X Curvas timpanométricas
Na primeira e na segunda avaliações do grupo controle, as duas triagens foram 100% compatíveis.
No grupo de risco, duas crianças que apresentaram curva timpanométrica tipo B não passaram na triagem por EOAT. Das 42 crianças que apresentaram curva timpanométrica tipo A ou tipo W, na primeira avaliação, 31 passaram e 11 não passaram na triagem por EOAT (Tabela II). Houve diferença estatisticamente significativa, no sentido de que passou na imitância e falhou nas EOAT. Na segunda avaliação do grupo de risco, também não observamos 100% de compatibilidade entre as triagens, pois 4 orelhas que apresentavam curva A na imitânciometria não passaram nas EOAT.
5.2. EOAT X
TRIAGEM POR OBSERVAÇÃO COMPORTAMENTAL
Tanto na primeira quanto na segunda avaliação do grupo controle as duas triagens foram 100% compatíveis. Na primeira avaliação do grupo de risco, todas as crianças que passaram na triagem das EOAT passaram na observação comportamental. No entanto, das 13 orelhas que falharam na triagem das EOAT, apenas 6 também falharam na observação comportamental (Tabela III). As duas triagens não foram compatíveis, havendo freqüência significativa, no sentido de que passou na observação comportamental e falhou nas EOAT.
Na segunda avaliação do grupo de risco, houve compatibilidade de 100% entre as duas triagens.
CONCLUSÕES
Na triagem por emissões otoacústicas evocadas transientes, concluiu-se que:
- A ocorrência de EOAT no grupo controle foi de 73,4%; e, no grupo de risco, foi de 70,5%, na primeira avaliação. Na segunda avaliação, a ocorrência foi de 100% no grupo controle e 90,9% no grupo de risco, sendo que as crianças que falharam tinham deficiência auditiva confirmada pela ABR.
- Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre a orelha direita e a orelha esquerda, em todos os parâmetros analisados.
- A amplitude média de resposta do grupo controle foi de 20,5 dBNPS; e, no grupo de risco, foi de 18,5 dBNPS. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.
- A reprodutibilidade média no grupo controle foi de 87,9%; e, no grupo de risco, foi 86,4%. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.
- O valor médio do nível de pressão sonora máximo atingido pelo click no grupo controle foi de 85,1; e, no grupo de risco, foi 84,1, Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.
- O tempo médio de duração do exame por orelha no grupo controle foi 1,24 minutos; e, no grupo de risco, foi 1,67 minutos.
Ausência RCP
Gráfico 4. Freqüência do reflexo cócleo-palpebral para estímulos superiores a 90 dB em relação aos dois grupos estudados.
O tempo médio de duração do exame por orelha no grupo de risco foi significativamente maior que no grupo controle.
Na triagem por imitância acústica concluímos que:
o Na primeira avaliação no grupo controle, 73,3% das orelhas apresentaram curva tipo A e 26,7% apresentaram curva tipo B; e, no grupo de risco, 79,5% das orelhas apresentaram curva tipo A,13,6% apresentaram curva tipo B e 6,8% apresentaram curva W. Na segunda avaliação, tanto no grupo controle quanto no grupo de risco, 100% das orelhas apresentaram curva tipo A.
o A ocorrência do reflexo acústico no grupo controle foi de 65% para 500 Hz, 55% para 1.000 Hz, 43,3% para 2.000 Hz e 28,3% para 4.000 Hz; e, no grupo de risco, foi de 60% para 500 Hz, 50% para 1.000 Hz, 42,5% para 2.000 Hz e 42,5% para 4.000 Hz. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.
Na triagem por observação comportamental, conclui-se que:
o A ocorrência de procura da fonte sonora no grupo controle foi de 3,3%; e, no grupo de risco, foi de 10%. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.
o A ocorrência de reflexo cócleo-palpebral no grupo controle foi de 100%; e, no grupo de risco, foi de 90%. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.
o A ocorrência de sobressalto no grupo controle foi de 1,7%; e, no grupo de risco, foi de 35%. A ocorrência de sobressalto no grupo de risco foi significativamente maior que no grupo controle.
No estudo comparativo entre os resultados das triagens, concluiu-se que:
Comparação da triagem por emissões otoacústicas e medidas de imitância acústica no grupo de risco
Comparação da triagem por emissões otoacústicas e avaliação comportamental no grupo de risco
1. EOAT X Curva Timpanométrica
o Na primeira e na segunda avaliações, no grupo controle, houve 100% de compatibilidade entre as duas triagens; e, no grupo de risco, houve diferença estatisticamente significativa na primeira, no sentido de que passou na imitância e falhou nas EOAT, e, na segunda avaliação, 100% de compatibilidade.
2. EOAT X observação comportamental
o Na primeira e na segunda avaliação, no grupo controle, houve 100% de compatibilidade entre as duas triagens; e, no grupo de risco, houve diferença estatisticamente significativa, no sentido de que passou na observação comportamental e falhou nas EOAT na primeira avaliação, e 100% de compatibilidade na segunda avaliação.
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* Fonaudióloga, Especialista em Distúrbios da Comunicação Humana- Campo Fonoaudiólogo pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (EPM).
** Professora Adjunta da Disciplina da Audição do Departamento de Otorrinolaringologia d Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina (EPM).
Monografia apresentada na Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, para obtenção de Título de Especialização em Distúrbios da Comunicação Humana: Campo Fonoaudiológico para Fonoaudiólogos.
Trabalho apresentado na forma de poster no Congresso Internacional de Audiologia, realizado em Santa Maria/ RS, em março de 1997.
Endereço para correspondência: Rua Alexandre Bassora, 865 - Jardim Nossa Senhora de Fátima - CEP 13460-000 - Nova Odessa/ SP. Telefone (019) 466-1663.
Artigo recebido em 9 de dezembro de 1997. Artigo aceito em 12 de fevereiro de 1998.