Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 313 a 315

 

Granuloma de Linha Média: Apresentação de um Caso e Revisão de Literatura.

Midline Granuloma: Case Report and Literature Review.

Autor(es): Erideise Gurgel da Costa*, Sonia Chung**,
Rosa Maria Assunção de Sousa*,
Sulene Pirana* Aroldo Miniti****.
Ossamu Butugan***,

Palavras-chave: Granuloma letal de linha média, nariz

Keywords: Lethal midline granuloma, nose.

Resumo:
O presente trabalho relata um caso de Síndrome de Granuloma Letal de Linha Média, cujo diagnóstico final foi definido após uma série de biópsias, como Linfoma não Hodgkin de Células "T" Periféricas. A peculiaridade da apresentação da moléstia, além da dificuldade de avaliação histopatológica, proporcionaram dificuldade diagnóstica, o que teve influência negativa sobre o prognóstico final. Foi feita também revisão da literatura acerca da patologia, com o intuito de alertar para o diagnóstico de patologia, que apesar de rara deve ser lembrada nos diferenciais.

Abstract:
This paper describes a case of Lethal Midline Granuloma, where some biopsies were necessaty to define thefinal diagnosis, non-Hodgkin's Lymphoma of perific "T" cells. The singular presentation of the disease, and the difficulty histopathologic avaliation, delate the diagnosis, and poorer the prognostic. The author make a literature revision about the pathology to emphasize the rare diagnosis.

INTRODUÇÃO

O Granuloma Letal de Linha Média é uma Síndrome bastante rara, que promove lesões destrutivas ulceronecrotizantes, que evoluem com rápida progressão e acometem os tecidos que formam o maciço centro facial, principalmente o nariz, nasofaringe e seios paranasais. Na maioria das ocasiões tem evolução fatal 1, 2. 3, 4, 5. Várias entidades nasológicas estão emplacadas na gênese da Síndrome 1,3,6,7,8, sendo de uma forma geral 4 quadros histopatológicos:

a) Granulomatose de Wegener,
b) Linfomas Não Hodgkins, envolvendo a linha média.
c) Reticulose Polimórfica (que é encarada por alguns autores cama variante da anterior)
d) Doença Idiopática com destruição do maciço centro facial.

Acomete principalmente o sexo masculino (74 a 90%), e a faixa etária que atinge situa-se entre os 30 a 50 anos preferencialmente'. Já a média de idade de acometimento dos linfomas do nariz e seios paranasais é cerca de 64 anos 6.

Os linfomas dessa região têm como sintomas principais a obstrução nasal (em 73% dos casos) e epistaxes (em 28% dos casos)' 4,8. Sintomas estes pouco elucidativos, que colaboram na dificuldade diagnóstica, ponto marcante da Síndrome. A abundância de tecido necrótico torna o material colhido nas biópsias de difícil avaliação. Os recentes avanços no uso de marcadores celulares têm sido de muita utilidade no estudo destas patologias.

O quadro Clínico típico, mostra inicialmente período prodrômico, onde predominam os sintomas inespecíficos, como obstrução nasal. Segue-se um aumento na intensidade dos sintomas, com infiltração das mucosas respiratórias e da pele local. Inicia-se então processo de erosão do maciço centro facial. Por fim, culmina com a terceira e última fase, onde a toxemia é acentuada, podendo ocorrer hemorragias maciças 2.

A terapêutica depende do diagnóstico final, mas em geral utiliza-se químio e/ou radioterapia 9.

Acredita-se que intervenções cirúrgicas na área de acometimento podem preciptar a evolução da doença, o que foi curiosamente observado no caso por nós acompanhado.

DESCRIÇÃO DO CASO

V. J. S., masculino, 33 anos, branco, procedente de São Paulo.

H. P. M. A.: Foi atendido em nosso serviço em maio de 1993 com história inicialmente de obstrução nasal exclusivamente, que se iniciara há cerca de 3 meses. Procurou outro serviço, onde foi submetido a sinusectomia maxilar bilateral e septoplastia em um mesmo tempo cirúrgico. Evoluiu sem remissão da obstrução nasal, e a ela somaram - se febre diária (38 - 39° C) e cefaléia holocraniana, assim como intenso processo inflamatório da região nasal. Foi então instituída antibioticoterapia de amplo espectro, além de duas revisões cirúrgicas, sem melhora do quadro.

Ao exame físico geral, apresentava-se em regular estado geral descorado ++/++++, eupnéico, febril (37,8° C), com baço palpável a 3 cm do RGE. Não se observavam adenomegalias. Apresentando ainda lesões disseminadas em pele, sob a forma de pápulas e vesículas de coloração vinhosa, que evoluiam para ulceração e posterior cicatrização.

Ao exame otorrinolaringológico, observou-se infiltrado importante de tecidos moles abrangendo a pirâmide nasal, regiões palpebral bilateralmente, maxilar e pálato duro, com ampla área central (nasal) de ulceração e necrose. A rinoscopia anterior revelou secreção purulenta e fétida em ambas as fossas nasais, além de ampla perfuração septal.

Aos exames complementares, nada houve de elucidativo. Os exames laboratoriais gerais mostraram anemia e leucopenia progressivamente importantes e plaquetas normais. A tomografia computadorizada de Nariz e Seios Paranasais mostrou acometimento de partes moles, sem erosão óssea significativa. Foi pedido Rx simples e Tórax que revelou-se sem alterações. O USG de abdômen mostrava esplenomegalia, sem adenomegalias ou outras anormalidades. Realizamos várias biópsias das lesões mucosas e de pele, cujos laudos resultaram em tecido inflamatório agudo e crônico inespecífico. As culturas da secreção local, assim como as hemoculturas não mostraram crescimento bacteriano ou fúngico. Foi realizada biópsia de medula óssea, que resultou dentro da normalidade. O teste sorológico ELISA para HIV foi negativo e a relação CD4/ CD8 = 0,45. Pesquisa de ANCA foi negativa.

Mesmo na vigência de antibioticoterapia ampla, o paciente evoluiu corri manutenção da febre e com aumento da área necrótica local. Foi submetido então, a debridamento das cavidades nasal e maxilares bilateralmente, sendo o material encaminhado para estudo histopatólogico. Foi realizado estudo através de microscopia ótica com auxilio da imunohistoquímica, o que evidenciou o diagnóstico de Linfoma não Hodgkin de Células "T", pleom6rfico de células grandes e médias, tipo H, de alto grau de malignidade (Classificação da Work Formulation).

Biópsias posteriores das lesões de pele confirmaram a infiltração liinfomatosa de células "T".

Foi iniciado o primeiro ciclo de quimioterapia em maio de 1993 com Oncovim, Aracytín, Methotrexate e Bleomicina. O paciente evoluiu afebril, com redução do envolvimento infiltrativo dos tecidos moles da face e da pele.

Em junho de 1993, o paciente foi novamente hospitalizado, com quadro de febre, disfagia, disfonia e dispnéia. O exame neurológico revelava paresia de IX e X pares cranianos. O Rx de tórax e CT de Crânio foram normais. O exame liquórico mostrou presença de células neoplásicas. Recebeu então quimioterapia intratecal com Methotrexate e Aracytin, sem melhora do quadro. Evoluiu com infecção pulmonar, indo à óbito por insuficiência respiratória.



Figura 1 - Aspecto da lesão nasal do paciente, após o debridamento.



DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

O termo Síndrome do Granuloma Médio Facial (Granuloma Letal de Linha Média) designa uma Síndrome de vasta sinonímia e descreve a expressão clínica de uma série de patologias que se apresentam sempre com ulceração e erosão progressivas do maciço centro facial, não remitente, lentamente progressiva, com destruição de tecidos moles, cartilagem e osso.

A região nasal é um sítio incomum de acometimento linfomatoso 7,8,9,10, apesar de sua proximidade com o Anel Linfático de Waldeyer.

De todos os tumores malignos da cavidade nasal e/ou seios paranasais, os linfomas representam menos de 10%, e a maioria é não Hodgkin 9. Apresentam-se como lesão úlcero necrotizante, produzindo quadro clínico de Granuloma Letal de Linha Média. A maioria expressa imunofenótico de célula "T"', `3

Os sintomas nasais freqüentemente são os sintomas de apresentação - obstrução nasal, epistaxes, edema de face, rinorréia 3,4,5,7,8,9 sintomatologia esta persistente e que resiste ao tratamento clínico, levando algumas vezes à
realização de cirurgias do septo nasal, cornetos ou seios paranasais, na tentativa de resolver o problema. É freqüente nestes casos, a má evolução do quadro, como no presente caso.

As biópsias superficiais freqüentemente demonstram apenas tecido inflamatório exuberante e necrose que dificultam o diagnóstico histológico, pois mascaram as células neoplásicas. A necrose provavelmente é secundária à invasão dos casos sangüíneas pela tumor 5,7,11.
A cirurgia e as biópsias freqüentes podem ter colaborado na exarcebação e difusão da doença.

A ausência de acometimento renal e pulmonar, assim como as pesquisas de ANCA negativas nos espécimes cirúrgicos e de biópsia afastaram a possibilidade de Granulomatose de Wegener.

Para diagnóstico histopato16gico é necessário exérese de tecido amplo e profundo, envolvendo também as bordas. No presente caso o diagnóstico só foi possível após debridamento extenso que forneceu-nos grande quantidade de material.

O aspecto das lesões cutâneas fizera suspeitar inicialmente de Sarcoma de Kaposi, e também para a lesão nasal pensou-se em infecção de difícil controle, ocasionada por alguma imunodeficiência, principalmente SIDA. Como porém a exaustiva pesquisa de microorganismos e o teste para HIV resultaram negativos, esta hipótese terminou por ser descartada.

O envolvimento cutâneo pode complicar o linfoma nasal. A disseminação cutânea ocorre geralmente na forma de nódulos, pápulas, máculas ou ulcerações 10.

O diagnóstico diferencial do Granuloma Cutâneo Facial compreende diversas patologias, agrupadas com sob o título de "Desordens Auto-Imunes e Vasculares", sendo elas: Granulomatose de Wegener, Síndrome de Goodpasture, Lupus Eritematoso Sistêmico, Síndrome de Churg-Strauss, Periarterite Nodosa, Síndrome de Sjôgren, Púrpura de Henoch-Sehõenlein, reações de corpo estranho, uso endonasal de cocaína, Sarcoidose, Granuloma Piogênico, Adenocarcinoma, Carcinoma Espino Celular, Leucemia e Linfomas 2.

Uma investigação detalhada tanto otorrinolaringo16gica como radiológica, deve ser realizada em pacientes adultos jovens que iniciam com sintomas nasais inespecíficos persistentes, evitando sempre que possível intervenção cirúrgica precoce, na vigência de quadros infecciosos agudos suspeitos.

Em nosso caso, o diagnóstico definitivo foi de linfoma nasal, cujo comportamento é altamente variável, desde uma evolução insidiosa até curso extremamente agressiva, sendo pior o prognóstico nos casos que com o nosso, apresentam ulceração, sem formação de tumor 4,8.

O paciente em questão apresentou boa resposta ao tratamento inicial, porém evoluiu com queda acentuada do estado geral, o que provavelmente levou-o a óbito cerca de 2 meses após o diagnóstico.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Trabalho realizado na Divisão Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas e LIM-32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Serviço do Prof. Dr. Aroldo Miniti.

* Pós-graduandas da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

** Residente de 3° ano da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado no V Congresso Brasileiro e Latino-Americano de Rinologia, São Paulo, 1993.

Artigo recebido em 30 de fevereiro de 1994. Artigo aceito em 30 de março de 1994.

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