Ano: 1994 Vol. 60 Ed. 4 - Outubro - Dezembro - (6º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 275 a 279
Resultado Funcional Auditivo em Timpanomastoidectomia.
Funcional Audiological Results in Tympanomastoidectomies
Autor(es):
Rosa Maria Assunção de Sousa*,
Emi Zuiki Murano**,
Rícardo Ferreira Bento***,
Aroldo Miniti****.
Palavras-chave: Audiometria, timpanoplastia, mastóide
Keywords: Audiometry, tympanoplasty, mastoid
Resumo:
Os autores estudaram 40 pacientes seqüenciais submetidos a timpanomastoidectomia na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O objetivo do trabalho foi comparar os audiogramas pré e pós-operatórios, correlacionando-os com a patologia apresentada, a idade e o sexo dos pacientes. Foi observado que em 75% dos casos a audição manteve - se inalterada ou houve pequena redução do Gap aero-ósseo. Viu-se também que nos pacientes mais idosos há maior risco de queda neurossensorial.
Abstract:
The authors studied 40 successive patients, who had been undergone a Tympanomastoidectomie. This study was undertaken to compare the audio grams before and after the surgery, correlating the data with pathology, the age and sex from patients. It was observed that 75% of the cases had no chance, or had a small improvement of the hearing, and in the old patients, there are more chance of the neurossensorial loss.
INTRODUÇÃO
Basicamente no que tange à cirurgia da otite média crônica, temos um princípio fundamental, que é a erradicação da doença infecciosa. Incluindo-se nesta definição, o colesteatoma e a doença supurativa crônica. Além disto, como meta secundária, visamos a melhoria do rendimento funcional, tentando reconstituir a condução do estímulo sonoro dentro do ouvido médio. A literatura é sempre bastante controversa quando se tenta chegar a um consenso quanto à indicação cirúrgica mais adequada para o tratamento da orelha crônica. Sabe-se que principalmente no que se refere ao colesteatoma, tem-se mais altas taxas de recorrência quando usada a cirurgia "canal up" ou timpanomastoidectomia (70%) 1 Porém quando se trata da otite média crônica supurativa, tem-se a indicação da cirurgia conservadora como forma segura de controle da doença, associada aos bons resultados funcionais 2, 3. Por estes motivos, em nosso serviço, só realizamos a timpanomastoidectomia nos casos de otite média crônica supurativa, e para os colesteatomas pequenos, restritos, onde não se visualiza acometimento das células da mastóide.
O presente trabalho não enfocará o controle da patologia, que já foi assunto de publicações anteriores 4,5. Nos fixaremos basicamente no estudo dos resultados funcionais obtidos após a cirurgia de cavidade fechada, relacionando - os com idade, sexo e doença do ouvido médio apresentada pelo paciente.
CASUÍSTICA E METODOLOGIA
Realizamos levantamento retrospectivo dos casos submetidos à timpanomastoidectomia durante o período de 1989 a 1993 na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Resgataram-se 40 casos que se enquadraram no protocolo do trabalho.
Casuística
A idade do grupo, variou de 8 a 60 anos, tendo como média 23,85 anos. Podemos observar a divisão dos grupos etários no Gráfico I. Na tabela I, vemos a divisão dos pacientes de acordo com a moléstia observada durante a cirurgia, onde prevalece a otite média crônica supurativa. Nossos pacientes eram 45% do sexo feminino e 55% do sexo masculino. Foram realizadas audiometrias tonais pré e pós operatória, esta última cerca de 5 meses após a cirurgia. Foram consideradas as freqüências de 500, 1.000 e 2.000 Hz para o cômputo dos resultados .
Metodologia
PROCEDIMENTO CIRÚRGICO
Os pacientes são submetidos à incisão retrorauricular, com ampla exposição da cortical da mastóide e posterior início do broqueamento da área crivosa, próximo á espinha suprameatal. São removidas todas as células mastoideanas laterais, com esqueletização do ângulo sinodural, seio sigmóide e do canal semicircular lateral. Mantém-se a integridade da parede posterior do conduto auditivo externo, realizando-se então a timpanotomia posterior (comunicação entre a cavidade mastoídea e timpânica através das células retrotimpânicas), para visualização do recesso do nervo Anos em d~39 facial. Através do conduto auditivo externo, realiza-se remoção da mucosa patológica do ouvido médio, juntamente com o colesteatoma, caso exista. Preservam-se os ossículos que estejam em condições para tal, tentando-se interposíções. Caso isto não seja possível, tenta-se enxerto homólogo, com ossículos de banco. Não utilizamos outros enxertos, como material biocompatível. Remove-se então amplo fragmento de fáscia, que é colocada recobrindo todo o ouvido médio. Não são usados de rotina artifícios de obliteração da mastóide, salvo nos casos onde a cavidade cirúrgica torne-se muito grande. Quando este for o caso, é utilizado retalho muscular pediculado.
ESTUDO DOS AUDIOGRAMAS
Os resultados obtidos foram divididos em 4 grupos, de acordo com a alteração principal do audiograma:
Grupo 1 - piora do "Gap" aero-ósseo.
Grupo 2 - melhora do "Gap" aero-ósseo. Grupo 3 - piora da curva óssea.
Grupo 4 - inalterados.
As alterações audiométricas apresentadas pelos doentes foram quantificadas em 3 subgrupos:
a. Modificação até 10 dB.
b. Modificação de 11 a 20 dB.
c. Modificação maior de 21 dB.
Dentro do Grupo 3, ainda foi acrescentado um 4° subgrupo, formado pelos pacientes que evoluíram para anacusia no pós-operatório.
Foram também correlacionados os resultados obtidos com a moléstia encontrada durante a cirurgia, a idade e o sexo dos pacientes.
RESULTADOS
Comparação dos Audiogramas Pré e Pós Operatórios
Os resultados obtidos podem ser avaliados na tabela 2, onde observamos que:
* 10% dos pacientes apresentaram implemento do Gap aero-ósseo, sendo este em grau leve (até 10 dB).
* 35% dos pacientes apresentaram redução do Gap aero-ósseo, sendo que a porcentagem mais expressiva concentrou-se nos 2 primeiros subgrupos (até 10 dB e de 10 a 20 dB).
* 15% dos pacientes mostraram piora de seus limiares ósseos, sendo que 5% evoluiu para anacusia.
* 40% dos nossos pacientes mantiveram sua audição semelhante após a cirurgia .
Resultados x Moléstia
Na tabela 3 podemos avaliar os resultados obtidos na comparação dos audiogramas pré e pós-operatórios, de acordo com a doença encontrada durante a cirurgia. Nos pacientes com otite média crônica supurativa, vemos que:
* 13% apresentaram piora do Gap, sendo sempre em grau leve (até 10 dB).
* 30,4% mostraram redução do Gap.
* houve um grupo de 17,5% dos pacientes que apresentou piora dos limiares ósseos, sendo 4,3% de anacusia.
* 39,1% dos pacientes mantiveram-se sem alterações auditivas após a cirurgia..
Já nos pacientes acometidos por otite média crônica colesteatomatosa:
* 6,7% apresentou piora do Gap, na totalidade de grau leve (até 10 dB).
* em 46,7% notou-se redução do Gap.
* em 13,3% observamos piora da curva óssea, sendo que 6,7% tornaram-se anacúsico.
* 33,3% de nossos pacientes mantiveram sua audição inalterada.
Resultados x Sexo dos Pacientes
Vemos na tabela 4 que, no grupo feminino:
* 16,7% apresentaram aumento, do Gap.
* 22,2% obtiveram redução do Gap.
* 16,7% apresentaram redução da curva óssea, sendo que em 5,5% ocorreu anacusia.
* 44,4% apresentaram audição inalterada após a cirurgia..
Já no grupo masculino:
* 4,5% apresentaram implemento do Gap aero-ósseo.
* 45,5% apresentaram redução do Gap.
*13,6% mostraram queda da curva óssea.
* 36,4% apresentaram audição inalterada.
Resultados x Faixa Etária
Podemos observar na tabela 5 os resultados que obtivemos nas diversas faixas etárias. Nos pacientes operados na 1' década de vida:
* este grupo constituiu-se de apenas 1 paciente, que mostrou audição inalterada no pós-operatório (100% de inalterados).
Na 2' década de vida (este grupo foi o mais expressivo, com 21 doentes):
* 9,5% apresentaram implemento do Gap.
* 42,9% apresentaram redução do Gap.
* 14,3% mostraram queda da curva óssea, sem nenhum caso de anacusia.
* 33,3% dos pacientes mantiveram sua audição inalterada.
Na 3' década de vida (grupo com 8 doentes):
* não houve caso onde o Gap aumentasse.
* 25% dos pacientes mostraram redução do Gap.
* não houve caso de queda da curva óssea.
* 75% dos casos apresentaram audição inalterada.
Na 4' década de vida (grupo com 5 pacientes):
* 40% de pacientes com aumento do Gap.
* 40% de pacientes com redução do Gap.
* nenhum caso de piora da curva óssea.
* 20% de casos com manutenção da audição semelhante.
No último grupo, com 5 pacientes com mais de 41 anos:
* nenhum caso de aumento do Gap.
* 20% de casos com redução do Gap.
* 60% de casos com queda da curva óssea, sendo 40% de anacusia.
* 20% de manutenção da audição.GRÁFICO 1 - IDADE
TABELA 1 - PATOLOGIA
TABELA 2 - RESULTADOS
TABELA 3 - RESULTADOS X PATOLOGIA
TABELA 4 - RESULTADOS X SEXO
TABELA 5 - RESULTADO X IDADE
DISCUSSÃO
Em publicação anterior 4 discutimos o melhor controle da patologia colesteatomatosa com a mastoidectomia radical (cavidade aberta). Posteriormente, observamos que esta cirurgia não promove piora da capacidade funcional auditivas. Agora, nos propusemos a analisar a real atuação da cirurgia conservadora - a timpanomastoidectomia (canal up) - sobre a audição da orelha crônica. Observa-se na literatura a idéia de que com este tipo de cirurgia, consegue - se resultado auditivo tardio significativamente melhor 6,7. Na realidade não foi o que observamos no nosso grupo de pacientes. Nota-se que os resultados em porcentagem são muito semelhantes aos obtidos com a mastoidectomia radical 5,8 concordando com os dados de Kinney 9, que preconiza que a cirurgia canal up quando realizada em um único tempo, mantém a audição inalterada. Podem ser portanto resultados funcionais pouco satisfatórios, mas são simplesmente manutenção de uma audição já deteriorada no pré operatório 10. E esta deterioração correlaciona-se diretamente com a localização da patologia, principalmente no caso do colesteatoma, onde o acometimento do ouvido médio, com destruição da cadeia ossicular, piora bastante a função auditiva 11,12. Além disto, a demora na indicação da cirurgia mostra resultados desastrosos. Sabe-se que quanto mais cedo se intervém, melhor o prognóstico funcional 12.
Diferentemente de Sakai 13, que refere ter encontrado piores resultados nos casos de colesteatoma, nossos resultados neste grupo de pacientes, mostram-se até melhores nos casos de otite crônica colesteatomatosa. Provavelmente isto se deva ao tipo de colesteatoma abordado aqui - tumores pequenos, restritos, mais facilmente removíveis, que promovem portanto menor lesão funcional. Estes casos são cuidadosamente acompanhados no pós operatório, para detecção precoce de recidivas, e um sinal importante a ser avaliado, além da retomada da supuração, é a piora da audição tardiamente 14.
Quanto à correlação de resultados funcionais e idade dos pacientes, Schuring e col. 15, referem-se a piores resultados audiométricos nas crianças após a cirurgia do colesteatoma em geral. Neste nosso grupo fica difícil fazer afirmações definitivas, pois quando divididos em subgrupos, o número absoluto de pacientes fica muito pequeno. Podemos fazer porém algumas observações, como por exemplo a alta taxa de queda neurossensorial no grupo de pacientes acima da 5' década de vida. Fica portanto claro para nós que, a cirurgia conservadora tem suas indicações irrefutáveis nos casos de otite crônica supurativa, e até mesmo nos colesteatomas pequenos e restritos. Porém não se justifica a indicação desta cirurgia em situações outra com a idéia de estar-se preservando a função auditiva Estamos incorrendo na realidade em dois erros : comprometendo a erradicação da doença e não ganhando com isto nenhum implemento objetivo na audição.
CONCLUSÕES
1 - A maioria dos pacientes submetidos à timpanomastoidectomia mantém sua audição inalterada.
2 - O sexo dos pacientes não interfere de modo objetivo no resultado funcional obtido após a cirurgia.
3 - A otite média crônica colesteatomatosa quando limitada, restrita, não mostra piores resultados funcionais que a otite crônica supurativa.
4 - Nas faixas etárias maiores, observa-se maior risco de queda neurossensorial, inclusive anacusia, após a cirurgia timpanomastoidectomia.
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Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas e LIM - 32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, serviço do Prof. Dr. Aroldo Miniti.
* Pós-Graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
** Ex-Resídente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
Artigo recebido em 9 de maio de 1994. Artigo aceito em 20 de junho de 1994.