Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 26 a 31

 

Avaliação da Microbiota Bacteriana Nasal Hansenianos.

Evaluation of the Bacterial Nasal de Microbiota of Bearers of ase 's Disease.

Autor(es): * Marcos Mocellin
** João Repka
*** Luciano Gabardo Stahlke
**** Guilherme S. Catana
***** Paulo S. D. B. Stahlke
****** Luiz Y. Yosida
******* Paulo F. A. Cabvera

Palavras-chave: hanseníase, lepra, microbiologia, mucosa, nasal

Keywords: hansen, leprousy, microbiology, mucous, nasal

Resumo:
Este estudo teve como objetivo comparar a microbiota bacteriana nasal de portadores de hanseníase lepromatosa, tratados sistematicamente com Rifampicina, Clofazimina e Sulfa, com um grupo de indivíduos sadios sem o uso de antibióticos. Foram coletadas amostras de mucosa nasal de 57 hansenianos, internos do Hospital de Dermatologia Sanitária de Curitiba, e de 40 indivíduos com mucosa normal. Na coleta, as mucosas nasais foram avaliadas quanto à presença de lesões, e as amostras semeadas em meios para pesquisa de Saureus e enterobactérias. Nos hansenianos observou-se S. aureus em 100% ; Proteus mirabilis em 91%; E. cola, Enterobacter aerogenes, Klebsiella pneumoniáe e Pseudomonas aeruginosa em 24%, resistentes aos antibióticos testados no antibiograma. Nos indivíduos sadios isolouse S. aureusem 100% e Paeruginosa em 0,5 %, sensíveis aos antibióticos testados, e não foram isoladas amostras do mero Proteus. Conclui-se que nos portadores de hanseníase 'estudados, a microbiota nasal encontra-se alterada e resistente devido ao emprego sistemático dos antibióticos do esquema tríplice.

Abstract:
The purpose of this study was to compare the nasal bacterial microbiota of bearers of lepromatosc Hansen's disease who have been treated systematically with Rifampicina, Clofazimina and Sulfa, with a group of healthy individuals without the use of antibiotics. There were collected samples of the mucous membrane of 57 bearers of Hansen's disease admitted to the Hospital of Sanitary Dermatology in Curitiba, and of 40 individuals with normal mucous membrane. During the collection the mucous membranes were checked for the presence of injuries, and the samples were put into cultures for the research of S. aureus and enterobacteria. Among bearers of Hansen's disease was observed resistenee to the antibiotics tested in the antibiogram in 100 % of the total for S. aureus, in 91% of the total for Proteus vulgaris and Proteus mirabilis and 24% of the total for E. cola, Enterobacter aerogenes, Klebsiella pneumoniae and P. aeruginosa. Among the healthy individuals S. aureus was found sensitive to the tested antbiotics in 100% of the total and P. aeruginosa in 0,5% of the total. No samples of the Proteus kind were isolated. It can be concluded that among the studied bearers of Hansen's disease the nasal microbiota is altered and resistent due to the systematic use of triple-type antíbiotics.

INTRODUÇÃO

Na Antigüidade, a hanseníase era amplamente conhecida pela designação de lepra. Parece ser uma das mais antigas doenças que acometem o homem, entretanto, não se tem notícia de evidência objetiva antes dos vestígios da doença encontrados em esqueletos descobertos no Egito, datando do segundo século antes de Cristo. As referências escritas mais antigas datam de 600 A.C. e procedem da índia, que, juntamente com a África, pode ser considerada o berço da hanseníase.

A doença foi conhecida também pelos antigos gregos, entre os quais era chamada de elefantíase.

Na verdade, o termo lepra foi usado por Hipócrates, mas suas descrições indicam doenças da pele com lesões escamosas (leper = escamas), entre os quais certamente podem estar a psoríase e os eczemas crônicos, sem haver porém menção às manifestações neurológicas da hanseníase.

A repulsa aos enfermos, largados a si mesmos perambulando constantemente, deve ter servido para a expansão da doença. Na Idade Média, segundo evidências que se dispõem, a hanseníase manteve alta prevalência na Europa e no Oriente Médio. O Concílio de Leyon, no ano de 583, estabeleceu regras da Igreja Católica para a profilaxia da doença. Essas regras consistiam em isolar o doente da população sadia.

Em algumas áreas, como na França, essas medidas de isolamento foram particularmente rigorosas e incluíam a realização de um ofício religioso em intenção do doente, semelhante ao ofício dos mortos, após o qual eles eram excluídos da comunidade, passando a residir em locais especialmente reservados para esse fim.

Eram ainda obrigados a usar vestimentas características que os identificavam e fazer soar uma catraca para avisar aos sadios de sua aproximação.

Em virtude da falta de meios diagnósticos precisos, foram excluídos entre os leprosos não apenas portadores de hanseníase, mas também portadores de outras doenças crônicas de pele, muitas das quais não eram contagiosas. Por volta de 1600, na cidade do Rio de janeiro, foi criado o primeiro Lazareto tendo como molde os asilos criados na Europa nos Séculos XIII e XIV.

Os primeiros focos da doença no Brasil foram identificados principalmente na Bahia e no Pará.

Na época Contemporânea, no Século XVIII tem início o que se pode chamar a era científica dos estudos sobre a hanseníase, com os trabalhos da Escola Norueguesa de Leprologia, liderada por Danielsen e Boek, cujo discípulo Aumauer Hansen, em 1873 descobriu a bactéria causadora da doença, o Mycobacterium leprae. Só mais tarde ficou comprovada a não hereditariedade do chamado mal de Hansen, já combatido corajosamente por ele.

No Brasil, Dom João VI limitou-se a construir leprosários e a assistir os enfermos. Em 1920, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, foi instituída a importância da profilaxia da doença. As ações de controle priorizavam a construção de leprosários em todos os Estados endêmicos.

Em 1935, o controle da doença tomou novo rumo, com a elaboração de um plano de ação mais abrangente e com a extensão da assistência aos familiares dos pacientes, através da criação das Ligas de Caridade. Já nessa época, a região Norte apresentava a maior prevalência do País, fato que era em função do clima tropical. Já havia também referência à presença na Amazônia de imigrantes nordestinos doentes, justificando-se a baixa prevalência no Nordeste pelo caráter migratório da população. A distribuição geográfica da hanseníase no Brasil, nos anos 40, não difere significativamente da observada nos dias atuais, sobretudo a alta endemicidade verificada na região Norte.

O estabelecimento do conceito de casos benignos da doença, com contagiosidade mínima, foi a grande conquista do século XX para a Leprologia; para ela contribuíram grandemente os leprólogos brasileiros, cabendo ressaltar o nome de Francisco Rabello. Outra grande conquista reservada pelo nosso século para a luta contra a hanseníase e benefícios diretos dos hansenianos ocorrem em 1943, com o leprólogo norte-americano Faget e seus colaboradores. Ele obteve bons resultados tratando doentes com Promin, um derivado da 4,4 - diaminodifenil-sulfona.

A negativação bacilar produzida nos enfermos pelo DDS tornava-os não contagiantes e, assim, esvaziaram-se os hospitais de hansenianos.

Em 1953, em Madri, o VI Congresso internacional da Lepra recomendou que a doença fosse classificada em formas: lepromatosa, tuberculóide, intermediária e borderline dimorfo, segundo sua clínica e achados laboratoriais.

Em 1966, Ridley e Jopling criaram a classificação da hanseniase desenvolvida para um sistema de cinco grupos que expressava a imunidade do paciente, já que a resposta imunológica determina o aspecto da doença e o prognóstico. Os grupos originalmente propostos sofreram algumas modificações e aqueles recomendados por Ridley são: indeterminado, tuberculóide, borderline tuberculóide, borderline lepromatosa e lepromatosa.

Em 1988, a nova abordagem para o controle da hanseniase utilizando a poliquimioterapia resultou em algumas mudanças inevitáveis da terminologia. Nesse contexto,

A doença é hoje classificada em lepra multibacilar e lepra paucibacilar.

A localização nasal é comum na forma lepromatosa da hanseniase. O diagnóstico precoce da enfermidade é freqüentemente positivado pela pesquisa de bacilos de Hansen na mucosa nasal.

As lesões nasais se caracterizam pela presença de infiltrações difusas ou nodulares (lepromas), que logo se ulceram, provocando hemorragias e destruição mais ou menos extensas do septo nasal.

A pirâmide nasal alarga-se, e comumente a face apresenta infiltrações nodulosas, adquirindo o clássico aspecto leonino.

O diagnóstico é confirmado pela pesquisa de manchas anestésicas na pele, principalmente nas nádegas. O exame bacteriológico do muco nasal, a reação de Mitsuda e Fernandes e a biópsia são testes diagnósticos. A evolução da doença é crônica, lenta, irredutível e entrecortada por surtos evolutivos.

Atualmente, a orientação terapêutica é realizada através da administração de rifampicina, clofazimina e sulfonas. Nos casos reacionais, com surtos agudos febris, recorre-se à talidomida. O paciente deverá ser encaminhado ao dermatologista para orientação das dosagens adequadas e acompanhamento.

Os resultados são benéficos, proporcionando cicatrização das ulcerações nas mucosas nasais e reduzindo nitidamente as infiltrações lepróticas, o que tem contribuído para diminuir a incidência da lepra de maneira marcante, assim como os riscos de transmissão.

O objetivo deste trabalho é comparar a microbiota bacteriana nasal de portadores de hanseníase da forma lepromatosa, tratados sistematicamente com rifampieina, clofazimina e sulfas, com um grupo de indivíduos sadios sem uso de antibioticoterapia.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes estudados.

Foram compostos dois grupos de pacientes, o primeiro, tratava-se de 57 hansenianos lepromatosos internados no Hospital de Dermatologia Sanitária de Piraquara (PR), sob tratamento sistemático com Dapsona (sulfona), Rifampiciná e Clofazimina, conforme preconizado pelo Manual de Tratamento da Hanseniase do Ministério da Saúde. O segundo grupo foi composto por 40 indivíduos sadios, sem tratamento com os antimicrobianos acima citados, adotados como grupo controle.

Coleta de amostras e a avaliação de lesões hansênicas na mucosa nasal.
Coleta de amostras:

As amostras foram coletadas com swabs per-nasais, preferindo-se sempre as porções internas de lesões, quando presentes. Após a coleta, os swabs eram colocados em tubos de ensaio com meio de transporte (Agir Caseína Soja - BIOBRÁS) e incubados a 37°C por 48 horas. As colônias foram repicadas em Agar Chapman (DIFCO) para isolamento de Staphylococcus aureus, e Agar Eosina Azul de Metileno segundo Holt-Harris-Teague (DIFCOC) para isolamento de Gram negativos, com posterior incubação por 24 horas a 37°C.

As colônias isoladas foram submetidas à triagem bioquímica prevista pelo Bergey's Manual for Determinative Bacteriology, para a caracterização de S. aureus, Pseudomonadaceae e Enterobacteriaceas. Para a caracterização de S. aureus foram empregadas as provas da Catalase e Coagulase em. tubos, e para as Enterobacteriacea e Pseudomonadaceae utilizou-se o meio de Pessoa e Silva.

Avaliação de lesões da mucosa nasal encontra-se no Quadro I.

Prova de sensibilidade e ou resistência a antimicrobianos

Empregou-se o método de Kirb e Bauer, que constou de semeadura maciça das amostras isoladas e distribuição de discos de papel (LABORCLIN) embebidos em soluções de antibióticos com concentrações conhecidas (penicilina, clindamicina, sulfametoxazol-trinletropim, cefalotina, oxacilina, meticilina e cefoxitina).













RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados, determinados pelo isolamento obtido no grupo de pacientes hansenianos (Tabela 1), mostram que as bactérias isoladas foram resistentes aos antibióticos utilizados, ressalta-se que as cepas de P. aeruginosa, E. coli, E. aerogenes, K. pneumoniae foram resistentes à Oxacilina e meticilina (Tabela 2).

As bactérias isoladas no grupo controle foram sensíveis a todos os antibióticos usados. Estes resultados estão de acordo com dados da literatura.Visando isto, Dhople e Ybanezb, preconizam o uso de drogas que atuem sinergicamente, como é o caso do ofloxacin associado ao esquema tríplice para um combate mais efetivo ao M. leprae, evitando lesões nasais e alterações da flora, descritas por Meyer7.

Segundo Trunter e Breman, as lesões nasais encontradas nos pacientes hansenianos (Tabela 3), são incomuns. Estas devem-se: a forma lepromatosa, ao caráter mutilador da doença, ao tratamento tardio ou ineficaz e ao abandono do tratamento.

Nos pacientes analisados não se chegou a um consenso da principal etiologia das complicações nasais, devido à falta de informações dos prontuários e dos próprios pacientes. Estas, porém, dificilmente irão fugir das relatadas pela literatura.














CONCLUSÃO

Os resultados obtidos mostram que os usos de um agente antimicrobianos por longo período de tempo ou períodos repetidos podem promover alterações da microbiota nasal. Conjuntamente com as alterações, surgem linhagens bacterianas multi-resistentes devido à pressão seletiva exercida pelas drogas.

Na tentativa de minimizar o problema da multi resistência, as infecções devem ser rapidamente controladas pela identificação do agente causal, determinação de sua sensibilidade e fornecimento de concentrações eficazes das drogas. Na hanseníase, este conceito não se encaixa porque necessita de terapia a longo prazo, dando margem a alterações de flora e resistência bacteriana.

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* Professor Titular e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
** Professor Titular da Disciplina de Imunologia e Microbiologia da FEMPAR.
*** Acadêmica do 6°- Ano de Medicina de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
**** Médico Residente de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
***** Médico.
****** Médico Otorrinolaringologista.
******* Médico Residente em Cirurgia Geral do Hospital Evangélico de Curitiba.

Trabalho apresentado na X Jornada Científica do Hospital de Clínicas de Curitiba, em 2 de outubro de 1996. Instituições vinculadas: Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e Departamento de Microbiologia da Faculdade Evangélica de Medicina de Curitiba. Endereço para correspondência: Luciana Gabardo Stahlke - Rua Bispo Dom José, 2788 - Batel - Curitiba /PR - CEP: 80440-080 - Telefone: (041) 242-8835. Artigo recebido em 2 de junho de 1997. Artigo aceito em 27 de agosto de 1997.

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