Ano: 1994 Vol. 60 Ed. 2 - Abril - Junho - (11º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 153 a 156
Dificuldade Diagnostica nas Doenças Destrutivas Médio - Faciais
Diagnostic Dificulty in the Midfacial Destructive Diseases
Autor(es):
Roberto Eustáquio Guimarães*,
Denise Utsch Gonçalves**,
Helena Maria Gonçalves Becker***,
Celso Gonçalves Becker****,
João Batista de Oliveira*****.
Palavras-chave: Granuloma letal de linha média, nariz
Keywords: Lethal medline granuloma, nose
Resumo:
Os autores apresentam três casos que ilustram as diferentes evoluções das doenças que causam destruição dos tecidos médio - faciais. Realizou-se análise imunocitoquímica do material histológico dos pacientes. Avaliação criteriosa de um destes casos permitiu classificá-1o como 'Doença Destrutiva Idiopática da Linha Média "(DDILM), que é diferente do Granuloma de STEWART e correlatos, por apresentar características histológicas e clínicas peculiares. Concluímos que esta entidade anátomo - clínica não pode ser classificada como linfoma nasal maligno, tal qual tem sido realizado com várias doenças destrutivas médio - faciais, após a caracterização imunocitogenética.
Abstract:
The authors present three diferent evolutions of the midfacial destructive disease. Immunocytochemical analysis was perforrned. Criterious analysis classified one of the cases as "Idiopathic Midline Destruttive Disease "(IMDD), that is different from STEWART and correlate granulomas, because of distinctive histológical and clinical caractheristics. We conclude that this entity can't be classifed as nasal malignant lymphoma, such as has occured with many midline destructive diseases after immunocytochemical study.
INTRODUÇÃO
O granuloma da linha média representa uma entidade anátomo - clínica rara 1, caracterizada pela destruição progressiva e inexorável do trato respiratório superior, envolvendo predominantemente nariz, seios paranasais e palato, cuja etiologia permanece incerta 2.
Mc Bride o descreveu pela primeira vez em 1897'. Desde então, várias denominações têm sido propostas para doenças que se apresentam como o granuloma da linha média (tabela 1) 4,5,6,7,8,9. Recentemente, a introdução de estudos com imunomarcadores da superfície celular tem permitido concluir que estas enfermidades são linfomas da linhagem de células T ou, menos comumente, de células B 1,10,11,12
Tsokos 4, contudo, descreveu um grupo de pacientes que se diferenciava dos casos de lesões destrutivas médio - faciais já descritos, pela característica histológica do infiltrado inflamatório inespecífico predominando na lâmina própria, não sendo encontradas alterações compatíveis com atipia celular ou vasculite e pela excelente resposta ao tratamento radioterápico isolado. Propôs o termo "Doença Destrutiva Idiopática da Linha Média"(DDILM). Permanece a dúvida sobre ser esta mais uma forma de apresentação do linfoma nasal.
O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de DDILM, comparando-o a dois outros casos que ilustram as diferentes evoluções das doenças que causam destruição dos tecidos médio - faciais.
MATERIAL E MÉTODOS
Os pacientes foram admitidos no serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da U. F. M. G. por um dos autores. Foi realizada revisão de todo o material histológico apresentado neste trabalho. As colorações histológicas utilizadas foram hematoxilina - eosina, Ziehn - Nilsen e May - Grunwald - Giensa. Na tentativa de excluir etiologia infecciosa, foi realizada cultura para bactéria, microbactéria e fungo. Todos os pacientes realizaram análise imunocitoquímica do material histológico, tomografia computadorizada de seios da face, hemograma, coagulograma, velocidade de hemossedimentação (VHS), uréia, creatinina, glicemïa de jejum, urina rotina, FTAABS, VDRL, PPD e reação de Montenegro.TABELA 1 - Terminologia usada para doenças que se apresentam como "Granuloma da linha média"
QUADRO 1 - Características anátomo - clínicas comparadas
RESULTADOS
Quadro clínico: Considerando-se os três casos (quadro 1), a idade média em que se iniciaram os sintomas foi de 38 anos. A duração, desde o início da moléstia até o primeiro atendimento no serviço, foi de 2 meses no caso 1, 1 ano no caso 2 e 10 anos no caso 3. Os pacientes apresentaram quadro clínico inicial de pansinusite e posterior destruição médio - facial. Outras manifestações foram: Dor ocular, mialgia e artralgia no caso 1. Emagrecimento de 12 kilos e linfademonegalia submandibular de um mês de evolução no caso 2. Não houve qualquer manifestação sistêmica no caso 3. A destruição tecidual restringiu-se ao corneto inferior direito no caso 1; acometeu palato duro e septo nasal posterior no caso 2 (figura 1); estendeu - se para paredes mediais dos seios maxilares, seios etmoidais e septo nasal anterior e posterior no caso 3 (figura 2). Nenhum paciente evoluiu com acometimento do trato respiratório inferior ou rins. Os exames laboratoriais foram normais nos três casos, com exceção do VHS, elevado em todos.
Considerando a história pregressa, o caso 1 ainda não havia se submetido a qualquer propedêutica. O caso 2 esteve internado para esclarecimento diagnóstico em outro serviço, tendo sido realizadas 3 biopsias. Da mesma forma, o caso 3 já havia se submetido a 6 biopsias nasais e a intervenção cirúrgica para correção do nariz em sela, também em outro serviço, tendo evoluído com insucesso pós-operatório.
Quadro anátomo - patológico: No caso 1, a segunda biopsia mostrou áreas de ulceração, lâmina própria com intenso infiltrado inflamatório, ausência de erosão óssea ou cartilaginosa. Vasos de pequeno calibre apresentando infiltração por granulócitos e presença de necrose fibrinóide e células gigantes. Quadro, este, compatível com o diagnóstico de Granulomatose de Wegener.
No caso 2, biopsia nasal realizada sob anestesia geral foi inconclusiva. Análise imunocitoquímica da lesão nasal foi também inconclusiva. Subseqüente análise de espécime retirado do linfonodo submandibular suspeito mostrou intenso infiltrado inflamatório pleomórfico, angiocêntrico, composto por monócitos e linfócitos atípicos com destruição de vasos sangüíneos, sendo compatível com o diagnóstico de Linfoma não Hodkin de alto grau de malignidade.
No caso 3 (figura 3), a segunda biopsia realizada demonstrou infiltrado inflamatório crônico, erodindo estruturas ósseas e cartilaginosas. O infiltrado celular era composto por leucócitos polimorfonucleares, linfócitos, histiócitos e células plasmáticas, localizados preferencialmente na lâmina própria. Não havia atipia, célula gigante ou vasculite. A caracterização imuno histoquímica mostrou células inflamatórias, sem evidência de marcadores de neoplasia. Evolução clínica e características histológicas foram compatíveis com o diagnóstico de "Doença Destrutiva Idiopática da Linha Média", descrita porTSOKOS 4
Terapêutica e seguimento: No caso 1 foi iniciado o tratamento preconizado para Granulomatose de Wegener, que é a associação de prednizona e ciclofosfamida 13 O paciente encontra-se assintomático, com regressão total das lesões, em acompanhamento clínico e otorrinolaringológico. O caso 2 faleceu após o primeiro ciclo de quimioterapia (ciclofosfamida, bleomicina e doxorrubicina) 2, devido a septicemia conseqüente a aplasia de medula causada pelas drogas citotóxicas. O caso 3 recebeu 5.000 centigrays 14, apresentando remissão dos sinais inflamatórios e estabilização da destruição nasal. Encontra-se em seguimento de 12 meses, submetendo-se a cirurgias reconstrutoras da pirâmide nasal.FIGURA 1 - Caso 2: Destruição do palato duro.
FIGURA 2 - Caso 3: Destruição do septo nasal, seio etmoidal e paredes médias dos seios maxilares.
FIGURA 3 - Infiltrado inflamatório inespecífico "em faixa", próximo à lâmina própria.
DISCUSSÃO
As doenças destrutivas médio - faciais sempre foram um desafio diagnóstico. O avanço tecnológico, com utilização de técnicas imunológicas, tem permitido reclassificar estas doenças como linfomas nasais 1,10,11,12, havendo autores que consideram o termo "Granuloma da Linha Média" e correlatos (tabela 1) obsoletos, devendo ser abandonados", 11. Entretanto, os casos descritos por TSOKOS 4 têm características peculiares que não permitem enquadrá-los como linfomas: doença limitada ao trato respiratório superior em seguimento de até 18 anos, estado geral preservado e óbito tardio, resultante de complicações da destruição local. Quando da realização do referido trabalho, não se utilizaram técnicas de avaliação imunocitoquímica e até o presente momento desconhecem-se estudos imunológicos que tenham sido realizados em pacientes com quadro sugestivo de DDILM. O caso 3, apresentado neste trabalho, concorda clínica e histologicamente com a descrição acima. Foi realizado o estudo dos imunomarcadores celulares, que não evidenciou linfócitos atípicos.
O caso 2 ilustra a evolução de um linfoma nasal, que é bem distinto da DDILM. A dificuldade e dúvida diagnóstica residem no espécime retirado da lesão nasal. O linfoma desta região infecta-se facilmente, predominando necrose e infiltrado celular inespecífico na análise histológica 16. Compreende-se, pois, o motivo de vários linfomas nasais serem diagnosticados inicialmente como "Granuloma da Linha Média".
Um outro tipo de enfermidade que causa granulomas médio - faciais é a Doença de Wegener, vasculite sistêmica, com tropismo especial para vias aéreas superiores, rins e pulmões".
É imprescindível o diagnóstico precoce desta doença, pois o tratamento correto é acompanhado de cura em até 95% dos casos, quando os rins ainda não são acometidos". Entretanto, o diagnóstico dificilmente ocorre quando a enfermidade localiza - se apenas em trato respiratório superior40, tal qual ocorreu no caso 1. Atualmente, a dosagem de anticorpos anticitoplasma de neutrófilo é uma nova arma diagnóstica, com excelente valor preditivo positivo, que deve ser usada quando as biopsias não esclarecem o caso e para o acompanhamento da resposta terapêutica 19
CONCLUSÃO
A DDILM é uma entidade anátomo - clínica diferente do linfoma nasal, cuja etiologia permanece incerta. A denominação deve ser mantida enquanto não se realizam mais estudos imunocitogenéticos neste grupo peculiar de pacientes.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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* Professor do Serviço de Otorrinolaringologia da F. M. da U. F. M. G.
** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da F. M. da U. F. M. G.
*** Professora do Serviço de Otorrinolaringologia da F. M. da U. F. M. G.
**** Professor Adjunto do Serviço de Otorrinolaringologia da F. M. da U. F. M. G.
***** Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalho apresentado no V Congresso Brasileiro e Latino-Americano de Rinologia.
Departamento de Oftalmo - Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da U. F. M. G.
Av. Alfredo Balena, 190, 3° andar - s/ 2 - CEP 30130-100 - Belo Horizonte - MG.
Artigo recebido em 01/10/93. Artigo aceito em 17/12/93.