Ano: 2000 Vol. 66 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (8º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 627 a 630
ANTIBIOTICOTERAPIA PROFILÁTICA PÓS-TONSILECTOMIA. ESTUDO COM AMOXICILINA-CLAVULANATO.
Prophylactic Antibiotic Therapy After Tonsillectomy. Study with Amoxilin-Clavulanic Acid.
Autor(es):
Cecil C. Ramos*,
Maria E. R.Gonçalves**,
Priscila Bogar Rapoport***,
Elie Fiss****.
Palavras-chave: amigdalectomia, pós-operatório, antibiótico
Keywords: tonsillectomy, post-operative, antibiotic
Resumo:
Introdução e objetivos: Os autores realizaram estudo prospectivo, horizontal, em crianças submetidas a amigdalectomia, divididas em dois grupos: com antibioticoterapia no pós-operatório (amoxicilina-clavulanato); e sem antibioticoterapia no pós-operatório, na observância de dados clínicos ou laboratoriais que possam direcionar conduta mais uniforme neste tipo de situação. Pacientes e métodos: Foram analisadas 58 crianças submetidas a amigdalectomia, divididas randomicamente nos dois grupos pré-estabelecidos , com equivalência de sexo e idade. Estudaram-se parâmetros subjetivos (dor, edema, hiperemia, secreção) e laboratoriais (hemograma e coagulograma), bem como cultura e antibiograma na suspeita de um quadro infeccioso. Resultados: Não foram observadas diferenças significativas nos parâmetros subjetivos, embora na análise laboratorial se observe nítido aumento da série branca nas crianças sem antibioticoterapia. Não houve diferença significativa entre os dois grupos no número de crianças com suspeita ou infeção confirmada no pós-operatório. Conclusões: Não encontramos dados que nos levem a indicar uma antibioticoterapia profilática de rotina, com amoxicilina-clavulanato, em crianças submetidas a amigdalectomia.
Abstract:
Backgrounds and aims: The authors carry through prospective study in children submitted to tonsillectomy, with and without antibiotic (Amoxicillin-Clav.) post-surgery, aiming to determine which is the best altitude in this situation. Patients and methods: Tonsillectomy was carried out in 58 children by Sluder technique, in fortuitous forte, with ser and age equivalence. The aim of this study was to compare subjective parameter (pain, edema, hyperemia, secretion) , laboratorial (hemogram and coagulogram.), and culture in infection suspect cases. Results: There was not difference in the subjective parameters, even so in the laboratorial analyze was observed increment in the white series from children without antibiotic. There was not meaningful difference between the two groups about infection or infection suspect in the post-surgery. Conclusion: These findings suggest that, in children, there isn't a real indication of Amoxicillin-Clavulanic acid in post-surgery tonsyllectomy.
INTRODUÇÃO
Não são poucas as contradições existentes entre o de teórico que se ensina nas universidades e a prática observada no dia-a-dia do consultório ou centro cirúrgico. É clássica a indicação de se utilizarem antibióticos profiláticos nas cirurgias contaminadas, mas existem controvérsias sobre sua administração em cirurgias consideradas potencialmente contaminadas ou não contaminadas. No entanto, na nossa vivência como médico e na observação da conduta de alguns colegas, seja no mesmo local de trabalho ou através da bibliografia disponível, fica patente a preferência por parte de muitos profissionais médicos pelo uso de antibióticos profiláticos no pós-operatório, em boa parte das cirurgias - não se observando uma padronização nítida desta prática1, 2, 3, 4, 6, 7.
Classicamente, definirmos o uso, ou não, de antibioticoterapia profilática baseados no tipo de ferida cirúrgica. Howard e colaboradores, em 19645, classificam as feridas cirúrgicas em limpas (clean), limpas contaminadas (cleancontaminated), contaminadas (contaminated) e sujas (dirty). Desta forma, uma ferida limpa seria aquela produzida voluntariamente no ato cirúrgico, em local passível de assepsia ideal e condições apropriadas para a cirurgia; limpa contaminada seria aquela ferida cirúrgica em locais potencialmente contaminados, como orofaringe, trato urinário, aparelho respiratório, sem a existência de sinais inflamatórios ou infecciosos; contaminadas, aquelas envolvendo uma área infectada; e suja, aquelas devidas a um traumatismo não cirúrgico envolvendo infeção clínica ou perfuração de víscera. Desta maneira, em função da classificação da ferida cirúrgica, poderíamos definir a melhor maneira de realizar-se, ou não, uma profilaxia antibiótica9. Autores como W. R. Sandusky, e colaboradores, em 198010, não recomendam o Liso de antibióticos profiláticos em cirurgias consideradas limpas, lembrando-nos o fato de podermos classificar 75% das cirurgias neste grupo. Ainda segundo suas estatísticas, aproximadamente 17% das cirurgias seriam classificadas limpas contaminadas; e, em sua opinião, o uso de antibiótico profilático estaria indicado apenas nas cirurgias, desta categoria, onde houvesse uma comunicação direta entre uma área potencialmente contaminada e uma área originalmente isenta de agentes patológicos, como por exemplo a dissecção do pescoço em conjunto com a abordagem da cavidade orofaríngea. No entanto, não encontra o autor necessidade de administrar antibióticos profiláticos nas cirurgias limpas contaminadas, mas que ficassem restritas ao local da ferida cirúrgica, como septoplastias ou amigdalectomias, onde o grau de contaminação não justificaria o uso de antimicrobianos. Já autores como J. C. Tabet, é colaboradores, em 19908, 11, e S. A. Telian, e colaboradores, em 198612, preconizam o uso de antibióticos no pós-operatório de cirurgias limpas contaminadas.
Considerando-se a não uniformidade de condutas referentes a profilaxia em amigdalectomias, cirurgia considerada limpa contaminada, objetivamos colher dados que possam nos auxiliar na padronização de uma conduta profilática neste tipo de cirurgia, seja primariamente para proteger os pacientes de possíveis infeções no pós-operatório, ou para evitar a administração de uma medicação desnecessária, passível de indesejáveis efeitos colaterais e desenvolvimento de resistência bacteriana.
Figura 1. Distribuição dos pacientes segundo a idade e grupo a que pertenciam.
PACIENTES E MÉTODOS
Realizamos estudo prospectivo, com 58 crianças submetidas a amigdalectomia pela técnica de Sluder, em equivalência quanto ao gênero, divididos randomicamente em dois grupos: 29 pacientes receberam amoxicilina-clavulanato intra-operatória e no pós-operatório, com dosagem própria ao peso, por sete dias; as demais 29 crianças não receberam antibioticoterapia (Figura 1). A escolha do antibiótico foi feita em função dos patógenos mais encontrados na flora bacteriana da orofaringe e da sua sensibilidade aos fármacos8, 9. Todas as mães foram orientadas a administrar paracetamol por via oral, segundo o peso da criança, nos casos de dor ou febre. As crianças foram anestesiadas e operadas pelas mesmas técnicas, pelo mesmo cirurgião, com a análise do pós-operatório feita, de forma sega, por outro colega do Serviço, onde dados conto intensidade da dor, presença de febre, rubor local, edema local e presença de secreção foram mensuradas através de teste analógico linear adaptado às nossas necessidades, tanto pelo paciente quanto pelo avaliador. Solicitou-se às crianças que mensurassem seus sintomas em uma escala de 0 a 3, sendo 0 a ausência do sintoma, 1 pequena, 2 média e 3 grande intensidade. O mesmo tratamento foi dado aos sinais por parte do avaliador. As crianças foram avaliadas no pré-operatório e terceiro, sétimo e décimo quarto pós-operatórios, por meio de interrogatório, exame físico, além de hemograma e coagulograma no pré e terceiro pós-operatório, realizando-se sua repetição em caso de suspeita de infeção, juntamente com cultura de secreção e antibiograma.
Figura 2. Média de intensidade das variáveis subjetivas nos diferentes grupos -analisados.
Figura 3. Variação média dos parâmetros quantitativos da série vermelha no pré e 3° pós-operatório.
Figura 4. Variação da média percentual dos principais elementos da série branca, entre o pré e o 3° pós-operatório, nos diferentes grupos estudados.
Figura 5. Variação da média percentual dos principais elementos de um coagulograma entre o pré e o 3° pós-operatório.
Os resultados foram analisados pelo teste do qui-quadrado, considerando-se significativo um p<0,5. O trabalho foi desenvolvido em um hospital privado no município de Santo André, em pacientes de classe média, com autorização prévia dos responsáveis.
RESULTADOS
A avaliação feita no pós-operatório não mostrou significativa diferença dos elementos subjetivos da análise (dor, febre, edema, rubor e secreção) entre os dois grupos estabelecidos (Figura 2). No grupo que recebeu antibiótico no pós-operatório, observamos cinco crianças com suspeita de infeção (17,24%) na análise feita no terceiro dia (febre maior ou igual a 38° C e/ou leucócitos em número superior a 11.000), com positividade para Stafilococos aureus em um caso; e negatividade nas demais. No grupo sem antibioticoterapia profilática, quatro crianças (13,79%) apresentaram suspeita de infeção pós-operatória, mas todas as culturas se mostraram negatividade. Já no 7° pós-operatório nenhuma crianças, nos dois grupos analisados, apresentou qualquer sintoma ou sinal suspeito de infeção. Em nenhum caso foi necessária complementação antibiótica.
Na análise laboratorial, a série vermelha do hemograma apresentou significativa diminuição de seus parâmetros quantitativos no terceiro pós-operatório quando comparados aos exames do pré-operatório, com uma diferença média de - 11,15% do número de eritrócitos, - 12,59% nos níveis de hemoglobina e - 13,36% nos níveis do hematócrito (Figura 3). Os demais parâmetros da serie vermelha não se mostraram significativamente alterados. Já na série branca os resultados mostraram um aumento médio global de seus elementos na análise comparativa entre o pré e o terceiro pós-operatório (15,55%), sendo significativamente maior no grupo que não recebeu antibioticoterapia profilática (26,27%). Nesta análise, os neutrófilos foram as células que sofreram o maior incremento, com um aumento médio de 50,35% no terceiro pós-operatório das crianças sem antibioticoterapia, quando em comparação cota o pré-operatório (Figura 4). Na avaliação dos coagulogramas, observamos na análise global uma diminuição média, na comparação entre o pré e o terceiro pós-operatório, de 13,82% da quantidade de plaquetas, acompanhada de um aumento médio de 12,82% no tempo de sangramento e 8,81% no tempo de coagulação, não sendo significativa a diferença entre os dois grupos analisados (Figura 5).
COMENTÁRIOS
Embora esteja bem estabelecida a não utilização de antibioticoterapia profilática nas cirurgias consideradas limpas19, 10, o mesmo consenso não ocorre nas cirurgias limpas contaminadas, onde, tanto em nossa observação pessoal quanto na literatura médica, existem diferentes posturas não apenas quanto ao uso ou não de antibioticoterapia profilática, mas também quanto ao tipo e modo de utilização do antibiótico.
Especificamente, com relação a amigdalectotnias, certamente uma das cirurgias classificadas como limpas contaminadas mais realizadas no mundo, autores como J. C. Tabet, e colaboradores, em 19908, 11, consideram mandatório o uso de antibióticoterapia profilática, assim como S. A. Telian e colaboradores, em 198612, que mostram em sua casuística uma significativa diferença na incidência de infeções cirúrgicas nos grupos de pacientes que não receberam antibióticos profiláticos, quando em comparação com o grupo de pacientes com medicação antimicrobiana. Já em nossa observação, embora seja nítida a diferença da resposta hematológica nos diferentes grupos, o mesmo não foi observado na avaliação clínica e na demonstração definitiva de processo infeccioso ativo, por meio de cultura e antibiograma de secreção das lojas amigdalianas, não permitindo uma conclusão favorável para administração rotineira da medicação utilizada no presente estudo. A discrepância de resultados obtidos entre nossos dados e aqueles conseguidos por outros autores pode se devera diversidade das drogas utilizadas, bem como variáveis de tempo de administração, freqüência e concentração da droga. Outros fatores como diferentes grupos etários, nível sócio-econômico e características nosocorniais podem ainda modificar sensivelmente resultados, não permitindo -generalizações quanto a uma padronização de conduta.
CONCLUSÕES
Em nosso estudo, pudemos observar nítida diferença em alguns parâmetros laboratoriais dos diferentes grupos, em especial na série branca do hemograma, onde leucócitos e neutrófilos se apresentaram, com maior incremento, no grupo sem antibioticoterapia no pós-operatório. No entanto, concordância semelhante não foi observada nos parâmetros-clínicos, não se conseguindo demonstrar significativa diferença entre os dois grupos quanto ã intensidade dos sintonias, sinais ou freqüência de infeções no pós-operatório, sugerindo que, embota a antibioticoterapia profilática com arnoxicilina-clavulanato em amigdalectomias, diminua a exposição do organismo aos patógenos, esta diminuição não é manifesta clinicamente, não fornecendo subsídios concretos para sua utilização de forma rotineira.
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* Médico Formado pela FM Botucatu - UNESP - Otorrinolaringologista pela Faculdade de Medicina da USP, Pós-Graduando (Doutorado) pela FMUSP.
** Enfermeira, Pós-Graduanda (Mestrado) pela Faculdade Medicina da Fundação ABC.
*** Doutora, Professora de Otorrinolaringologia da FMUSP.
**** Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Fundação ABC.
Trabalho desenvolvido no Hospital e Maternidade Cristóvão da Gama - Santo André/ SP.
Aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Fundação ABC.
Endereço para correspondência: Cécil Cordeiro Ramos - Rua Gamboa, 245 - 09190-670 Santo André/ SP - Telefone: (0xx11) 4994-8970 - E: mail: cecill@zaz.com.br
Artigo recebido em 4 de agosto de 2000. Artigo aceito em 28 de setembro de 2000.