Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (17º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 536 a 538

 

SÍNDROME DE RAMSAY-HUNT: DESCRIÇÃO DE CASO.

Ramsay-Hunt Syndrome: Case Report.

Autor(es): Lauro J. L. Alcântara*,
Fabiano Gavaszoni**,
André L. Ataíde**,
Emerson A P. de Carvalho***.

Palavras-chave: herpes zoster auricular, neuralgia geniculada, síndrome auricular de Ramsay Hunt.

Keywords: herpes zoster oticus, facial paralysis, acyclovir

Resumo:
A síndrome de Ramsay Hunt apresenta-se com erupções vesiculares no ouvido externo, otalgia e paralisia facial periférica devida à reativação do vírus varicela-zoster (VZV), presente em estado latente no gânglio sensorial do nervo facial. Esta síndrome ocorre geralmente em idosos, diabéticos e imunodeprimidos. Neste artigo, descrevemos um caso de um paciente de 17 anos com diagnostico clínico e laboratorial tratado com prednisona e aciclovir, com boa evolução.

Abstract:
The Ramsay Hunt syndrome envolves a vesicular eruption on the external, middle and inner ear reported to the reativation of latent varcela-zostervirus (VZV) retained in a dormant state within sensory ganglia of the facial nerve, causing facial paralysis. This syndrome commonly affects elderly, diabetics and immunedeprimed patients. In this article, an younger patient with Ramsay Hunt syndrome is described. This patient was treated with prednisona and acyclovir having a good evolution.

INTRODUÇÃO

Herpes zoster oticus (HZO) é uma infecção viral envolvendo o ouvido externo, médio e interno resultante da recrudescência do varicella - zoster vírus, presente em estado latente no gânglio sensorial do nervo facial. A apresentação clássica consiste de dor no pavilhão auditivo seguida de erupção vesicular no canal externo e pavilhão auditivo. A paralisia facial, quando presente, constitui a síndrome de Ramsay Hunt e coincide na maioria dos casos com o aparecimento das vesículas cutâneas. Esta forma de paralisia facial engloba 3% a 12% de todas as paralisias faciais11, 4, 15. Um grau variável de envolvimento do oitavo par craniano, manifestado por sintomas auditivos e vestibulares (perda auditiva e vertigem), ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes. Envolvimento do V, IX, X, XI e XII ocorre com freqüência menor. Outras infecções virais podem causar um quadro clínico semelhante, como herpes simplex e citomegalovírus.

REVISÃO

A paralisia facial na síndrome de Ramsay Hunt tem um prognóstico pior do que a paralisia12 de Bell. Somente 10% dos pacientes com paralisia facial total recuperarão a função do nervo facial completa e somente 66% dos pacientes com paralisia incompleta recuperarão totalmente a função facial.

Evidências da etiologia viral estão bem documentadas. Inamura e colaboradores demonstraram títulos elevados contra VZV usando a técnica de fixação do complemento17 em 21% dos pacientes com HZO e em 100% dos pacientes avaliados pelo método Elisa. Usando a técnica de seqüenciamento do DNA de osso temporal pela reação de cadeia da polimerase (PCR), Wackym e associados demonstraram a presença de DNA genômico do VZV no gânglio geniculado de dois pacientes com história de síndrome de Ramsay Hunt. Amplificação do DNA do gânglio geniculado de controles e espécimens com paralisia de Bell não revelaram fragmentos do VZV.

O tratamento do HZO teve um grande5, 6 avanço com o desenvolvimento e aplicação de novos agentes virostáticos, particularmente o aciclovir. Aciclovir é efetivo na prevenção da replicação de uma variedade de partículas virais, incluindo o VZV, Epstein Baar vírus e CMV. A droga é fosforilada na célula hospedeira infectada pela enzima viral timidinaquinase. O resultante trifosfato de aciclovir é então incorporado no DNA viral neoformado, resultando no término da cadeia molecular do DNA. A sensibilidade individual de cada tipo viral não é uniforme. Devido a timidinaquinase do VZV ser menos sensível ao aciclovir do que o herpes simplex, o aciclovir é usado em doses maiores do que o usual no HZO.

A dose de aciclovir no uso parenteral é de 15 mg/kg/dia. Devido à absorção do aciclovir no trato gastrointestinal5 ser de somente 15 a 25% da dose ingerida, altas doses são propostas para terapia oral1.

Dickens e colegas reportaram os resultados de um estudo sem controle envolvendo oito pacientes com HZO tratados com aciclovir intravenoso. Todos os pacientes iniciaram tratamento entre 1 e 15 dias do início da paralisia facial coincidindo com o conceito de que o HZO é uma infecção viral disseminada do sistema nervoso central. Quatro pacientes também tiveram envolvimento do 9° par craniano, um teve paresia do 10° par craniano e um teve envolvimento do tronco cerebral. Antes do tratamento, seis pacientes tiveram paralisia facial completa, e dois tiveram paresia. Na alta, depois de sete dias de aciclovir 10 mg/kg de oito em oito horas, quatro de seis pacientes com paralisia facial tiveram recuperação dos movimentos, um de dois pacientes com paresia facial teve melhora da função facial e o outro paciente acabou desenvolvendo paralisia facial completa. Outra série de tratamento realizada por Stafford e Welch13 teve resultados semelhantes. As séries reportadas por Uri e colaboradores16 também tiveram sucesso no tratamento do HZO com aciclovir.

No manejo do HZO, Adour e colaboradores têm recomendado o uso de aciclovir oral, 800 mg cinco vezes ao dia durante 10 dias, em combinação com prednisona administrado em doses decrescentes por 14 dias. Pacientes deveriam estar bem hidratados e livre de doença renal para ser usado o aciclovir. O efeito colateral mais comum é alteração gastrointestinal.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

E. L. T., do sexo masculino, com 17 anos de idade, apresentou-se no Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas, em Curitiba, com história de dor no pavilhão auditivo direito, edema e aumento da temperatura local iniciados há três dias. Houve aparecimento de lesões vesiculadas no pavilhão auditivo direito e conduto auditivo externo direito, e na evolução houve desvio da rima bucal para a esquerda e perda do controle da musculatura facial à direita. Ao exame, apresentava-se em bom estado geral, lúcido, normotenso, afebril, com desvio da rima bucal à esquerda e paresia facial periférica à direita. O pavilhão auditivo direito e o conduto auditivo externo direito apresentavam-se hiperemiados e com múltiplas lesões vesiculares, coalescentes, algumas ulceradas. A membrana timpânica apresentava-se íntegra.

Aventada a possibilidade de síndrome de Ramsay Hunt, foi encaminhado ao Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital para avaliação. Confirmada clinicamente a hipótese de Ramsay Hunt, foram iniciados valaciclovir, analgésicos e acompanhamento fisioterápico. O paciente retornou em seis dias, sem melhora clínica, sendo então decidido pelo seu internamento. Solicitada eletroneurografia, ele foi manejado com aciclovir 5 mg/kg a cada oito horas EV e prednisona 20 mg ao dia. Laudo da ENG mostrou lesão axonal do nervo facial direito, com sinais de desinervação ativa. O padrão de lesão foi do tipo axonotmese. O paciente recebeu alta no quinto dia de internação, com melhora clínica quase completa. Manteve por mais uma semana uso de valaciclovir via oral e prednisona em doses decrescentes.

No 14° dia após o início dos sintomas, foram colhidas amostras de sangue para sorologia de anticorpos contra VZV e herpes simplex. Os resultados desses exames foram positivos para infecção recente para VZV.

Após duas semanas de evolução, o paciente apresentava recuperação completa da função motora facial.

DISCUSSÃO

A apresentação de um quadro de otalgia, erupções vesiculares no pavilhão auditivo e canal auditiva externo, seguido de paresia/ paralisia facial ipsilateral, é uma situação clássica de síndrome de Ramsay Hunt. Além do quadro5 clínico, podem ser realizados esfregaços de Tzanck, obtidos da lesão ativa, apesar de não distinguir entre herpes zoster e herpes simplex. Sorologia direta para detectar o vírus tem a vantagem do resultado rápido, após colheita da lesão cutânea. Embora a cultura viral seja o gold Standard para o diagnóstico, usualmente leva de três a sete dias para ficar pronta. Uma alternativa é fazer o diagnóstico utilizando antígenos através do exame de Elisa e reação de fixação do complemento e a detecção de ácido nucléico do vírus por PCR. Tomita e colaboradores realizaram um estudo no qual 287 casos de paralisia de Bell e 64 casos de Síndrome de Hunt foram diagnosticados clinicamente e submetidos a exame pelo método de fixação do complemento (FC) e pelo método Elisa. Em 50 casos diagnosticados clinicamente como Ramsay Hunt, 74% foram positivos ao FC na pesquisa de antígenos do VZV, e 94% foram positivos ao exame de Elisa para o VZV. Um estudo foi realizado para conferir a relação entre a positividade de anticorpos anti-VZV e a data de coleta do material, 51,6% de positividade ao anti-VZV foram encontrados na primeira semana; 88,9% de positividade, na segunda semana; e 100%, na terceira semana, através do método Elisa. No caso descrito, o teste feito no 14° dia após o início dos sintomas foi positivo pelo exame de Elisa.

Segundo Stafford e Welch13 e Uri, Greenberg e Meyer16, o aciclovir tem demonstrado reduzir de maneira significativa o tempo de doença, duração da dor e as complicações oculares. O tratamento precoce com aciclovir, famciclovir e o valaciclovir mostrou que são efetivos na infecção por herpes zoster e na prevenção de suas complicações. O início precoce da terapia com antivirais possivelmente contribuiu para a boa evolução deste caso, além do fato de a paralisia facial não ser total e da idade do paciente.

COMENTÁRIOS FINAIS

A síndrome de Ramsay Hunt tem apresentação clínica variável segundo o número e extensão do comprometimento de pares nervosos cranianos. A suspeita clínica, o início precoce do tratamento e a confirmação laboratorial da infecção permitem uma evolução favorável do quadro, evitando a presença de seqüelas nervosas motoras mutiladoras.

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* Professor Doutor do Departamento de ORL-UFPR;
** Médico Residente do Departamento de ORL-UFPR;
*** Acadêmico de Medicina UFPR.

Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia da UFPR.
Endereço para correspondência: Dr. Fabiano Gavazzoni - Rua Herculano C. F. de Souza, 628 - Apto. 502 - 80240-290 - Água Verde - Curitiba/ PR.
E-mail: fgavazzoni@uol.com.br
Artigo recebido em 16 de setembro de 1999. Artigo aceito em 16 de dezembro de 1999.

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