INTRODUÇÃO
Herpes zoster oticus (HZO) é uma infecção viral envolvendo o ouvido externo, médio e interno resultante da recrudescência do varicella - zoster vírus, presente em estado latente no gânglio sensorial do nervo facial. A apresentação clássica consiste de dor no pavilhão auditivo seguida de erupção vesicular no canal externo e pavilhão auditivo. A paralisia facial, quando presente, constitui a síndrome de Ramsay Hunt e coincide na maioria dos casos com o aparecimento das vesículas cutâneas. Esta forma de paralisia facial engloba 3% a 12% de todas as paralisias faciais11, 4, 15. Um grau variável de envolvimento do oitavo par craniano, manifestado por sintomas auditivos e vestibulares (perda auditiva e vertigem), ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes. Envolvimento do V, IX, X, XI e XII ocorre com freqüência menor. Outras infecções virais podem causar um quadro clínico semelhante, como herpes simplex e citomegalovírus.
REVISÃO
A paralisia facial na síndrome de Ramsay Hunt tem um prognóstico pior do que a paralisia12 de Bell. Somente 10% dos pacientes com paralisia facial total recuperarão a função do nervo facial completa e somente 66% dos pacientes com paralisia incompleta recuperarão totalmente a função facial.
Evidências da etiologia viral estão bem documentadas. Inamura e colaboradores demonstraram títulos elevados contra VZV usando a técnica de fixação do complemento17 em 21% dos pacientes com HZO e em 100% dos pacientes avaliados pelo método Elisa. Usando a técnica de seqüenciamento do DNA de osso temporal pela reação de cadeia da polimerase (PCR), Wackym e associados demonstraram a presença de DNA genômico do VZV no gânglio geniculado de dois pacientes com história de síndrome de Ramsay Hunt. Amplificação do DNA do gânglio geniculado de controles e espécimens com paralisia de Bell não revelaram fragmentos do VZV.
O tratamento do HZO teve um grande5, 6 avanço com o desenvolvimento e aplicação de novos agentes virostáticos, particularmente o aciclovir. Aciclovir é efetivo na prevenção da replicação de uma variedade de partículas virais, incluindo o VZV, Epstein Baar vírus e CMV. A droga é fosforilada na célula hospedeira infectada pela enzima viral timidinaquinase. O resultante trifosfato de aciclovir é então incorporado no DNA viral neoformado, resultando no término da cadeia molecular do DNA. A sensibilidade individual de cada tipo viral não é uniforme. Devido a timidinaquinase do VZV ser menos sensível ao aciclovir do que o herpes simplex, o aciclovir é usado em doses maiores do que o usual no HZO.
A dose de aciclovir no uso parenteral é de 15 mg/kg/dia. Devido à absorção do aciclovir no trato gastrointestinal5 ser de somente 15 a 25% da dose ingerida, altas doses são propostas para terapia oral1.
Dickens e colegas reportaram os resultados de um estudo sem controle envolvendo oito pacientes com HZO tratados com aciclovir intravenoso. Todos os pacientes iniciaram tratamento entre 1 e 15 dias do início da paralisia facial coincidindo com o conceito de que o HZO é uma infecção viral disseminada do sistema nervoso central. Quatro pacientes também tiveram envolvimento do 9° par craniano, um teve paresia do 10° par craniano e um teve envolvimento do tronco cerebral. Antes do tratamento, seis pacientes tiveram paralisia facial completa, e dois tiveram paresia. Na alta, depois de sete dias de aciclovir 10 mg/kg de oito em oito horas, quatro de seis pacientes com paralisia facial tiveram recuperação dos movimentos, um de dois pacientes com paresia facial teve melhora da função facial e o outro paciente acabou desenvolvendo paralisia facial completa. Outra série de tratamento realizada por Stafford e Welch13 teve resultados semelhantes. As séries reportadas por Uri e colaboradores16 também tiveram sucesso no tratamento do HZO com aciclovir.
No manejo do HZO, Adour e colaboradores têm recomendado o uso de aciclovir oral, 800 mg cinco vezes ao dia durante 10 dias, em combinação com prednisona administrado em doses decrescentes por 14 dias. Pacientes deveriam estar bem hidratados e livre de doença renal para ser usado o aciclovir. O efeito colateral mais comum é alteração gastrointestinal.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO
E. L. T., do sexo masculino, com 17 anos de idade, apresentou-se no Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas, em Curitiba, com história de dor no pavilhão auditivo direito, edema e aumento da temperatura local iniciados há três dias. Houve aparecimento de lesões vesiculadas no pavilhão auditivo direito e conduto auditivo externo direito, e na evolução houve desvio da rima bucal para a esquerda e perda do controle da musculatura facial à direita. Ao exame, apresentava-se em bom estado geral, lúcido, normotenso, afebril, com desvio da rima bucal à esquerda e paresia facial periférica à direita. O pavilhão auditivo direito e o conduto auditivo externo direito apresentavam-se hiperemiados e com múltiplas lesões vesiculares, coalescentes, algumas ulceradas. A membrana timpânica apresentava-se íntegra.
Aventada a possibilidade de síndrome de Ramsay Hunt, foi encaminhado ao Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital para avaliação. Confirmada clinicamente a hipótese de Ramsay Hunt, foram iniciados valaciclovir, analgésicos e acompanhamento fisioterápico. O paciente retornou em seis dias, sem melhora clínica, sendo então decidido pelo seu internamento. Solicitada eletroneurografia, ele foi manejado com aciclovir 5 mg/kg a cada oito horas EV e prednisona 20 mg ao dia. Laudo da ENG mostrou lesão axonal do nervo facial direito, com sinais de desinervação ativa. O padrão de lesão foi do tipo axonotmese. O paciente recebeu alta no quinto dia de internação, com melhora clínica quase completa. Manteve por mais uma semana uso de valaciclovir via oral e prednisona em doses decrescentes.
No 14° dia após o início dos sintomas, foram colhidas amostras de sangue para sorologia de anticorpos contra VZV e herpes simplex. Os resultados desses exames foram positivos para infecção recente para VZV.
Após duas semanas de evolução, o paciente apresentava recuperação completa da função motora facial.
DISCUSSÃO
A apresentação de um quadro de otalgia, erupções vesiculares no pavilhão auditivo e canal auditiva externo, seguido de paresia/ paralisia facial ipsilateral, é uma situação clássica de síndrome de Ramsay Hunt. Além do quadro5 clínico, podem ser realizados esfregaços de Tzanck, obtidos da lesão ativa, apesar de não distinguir entre herpes zoster e herpes simplex. Sorologia direta para detectar o vírus tem a vantagem do resultado rápido, após colheita da lesão cutânea. Embora a cultura viral seja o gold Standard para o diagnóstico, usualmente leva de três a sete dias para ficar pronta. Uma alternativa é fazer o diagnóstico utilizando antígenos através do exame de Elisa e reação de fixação do complemento e a detecção de ácido nucléico do vírus por PCR. Tomita e colaboradores realizaram um estudo no qual 287 casos de paralisia de Bell e 64 casos de Síndrome de Hunt foram diagnosticados clinicamente e submetidos a exame pelo método de fixação do complemento (FC) e pelo método Elisa. Em 50 casos diagnosticados clinicamente como Ramsay Hunt, 74% foram positivos ao FC na pesquisa de antígenos do VZV, e 94% foram positivos ao exame de Elisa para o VZV. Um estudo foi realizado para conferir a relação entre a positividade de anticorpos anti-VZV e a data de coleta do material, 51,6% de positividade ao anti-VZV foram encontrados na primeira semana; 88,9% de positividade, na segunda semana; e 100%, na terceira semana, através do método Elisa. No caso descrito, o teste feito no 14° dia após o início dos sintomas foi positivo pelo exame de Elisa.
Segundo Stafford e Welch13 e Uri, Greenberg e Meyer16, o aciclovir tem demonstrado reduzir de maneira significativa o tempo de doença, duração da dor e as complicações oculares. O tratamento precoce com aciclovir, famciclovir e o valaciclovir mostrou que são efetivos na infecção por herpes zoster e na prevenção de suas complicações. O início precoce da terapia com antivirais possivelmente contribuiu para a boa evolução deste caso, além do fato de a paralisia facial não ser total e da idade do paciente.
COMENTÁRIOS FINAIS
A síndrome de Ramsay Hunt tem apresentação clínica variável segundo o número e extensão do comprometimento de pares nervosos cranianos. A suspeita clínica, o início precoce do tratamento e a confirmação laboratorial da infecção permitem uma evolução favorável do quadro, evitando a presença de seqüelas nervosas motoras mutiladoras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Professor Doutor do Departamento de ORL-UFPR; ** Médico Residente do Departamento de ORL-UFPR; *** Acadêmico de Medicina UFPR.
Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia da UFPR. Endereço para correspondência: Dr. Fabiano Gavazzoni - Rua Herculano C. F. de Souza, 628 - Apto. 502 - 80240-290 - Água Verde - Curitiba/ PR. E-mail: fgavazzoni@uol.com.br Artigo recebido em 16 de setembro de 1999. Artigo aceito em 16 de dezembro de 1999.
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