Ano: 2000 Vol. 66 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (13º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 507 a 510
PRÉ E PÓS-OPERATÓRIO EM PACIENTES SUBMETIDOS A MICROCIRURGIAS DAS PRINCIPAIS LESÕES BENIGNAS DA LARINGE.
Pre and Post-Operative Conditions of Patients Who Underwent Laryngeal Microsurgery for the Main Benign Lesions.
Autor(es):
Paulo S. L. Perazzo*,
Alex C. Cota***,
Milton P. C. Moura***,
Washington L. C. Almeida**,
Carlos R. T. Gois***.
Palavras-chave: lesões, benignas, laringe
Keywords: lesions, benigns, larynx
Resumo:
Introdução: As lesões benignas da laringe, embora não sejam consideradas patologias graves, requerem um diagnóstico e tratamento adequados graças ao seu impacto na voz. O objetivo deste estudo foi analisar estatisticamente as principais patologias benignas da laringe e o resultado funcional dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico. Material e método: O estudo foi realizado com um grupo de 40 pacientes, entre três e 62 anos de idade, com quadro de disfonia crônica. Submeteram-se ao exame ORL de rotina e a videolaringoestroboscopia complementar no pré e pós-operatório. Resultados: Houve um predomínio de pacientes do sexo feminino, sendo os da faixa etária dos 31 aos 40 anos a mais acometida. A rouquidão foi o sintoma mais freqüente; e os cistos, as lesões mais incidentes. Em 15% dos casos, a microcirurgia da laringe serviu para elucidar ou mudar o diagnóstico.
Abstract:
Introduction: Benign lesions of larynx, although they are not considered serious pathologies, require proper diagnosis and treatment due to their impact on the voice. This study aims at analysing statistically main benign pathologies of larynx and the functional result of pacients submitted to surgical treatment. Material and method: this study was carried out with a group of 40 pacients, aged between three and 62, with record of chronical disphony. They were submitted to routine ORL test and to complementary videolaringoestroboscopy in pre-and post-operating phases. Result: Female sex predominated, being age group 31 to 40 most affected. Hoarseness was the most frequent symptom and cyst the lesion which happened most. In 15% of the cases, larynx microsurgery helped explain or change diagnosis.
INTRODUÇÃO
Embora não sejam entidades nosológicas de maior gravidade, as principais lesões benignas da laringe proporcionam um dramático impacto na voz. Sendo assim, torna-se fundamental o seu diagnóstico correto, bem como seu tratamento adequado. Isto se deve não apenas à condição patológica em si, mas também ao fato de a própria cirurgia poder causar disfona3.
Entre as lesões benignas da laringe, destacam-se: nódulos, cistos epidermóides e de retenção, sulco vocal, pólipos, edema de Reinke, vasculodisgenesias, micromembranas, granulomas e papilomas. Embora a etiologia e tratamento inicial entre elas possam diferir, a cirurgia, quando necessária, pode seguir os mesmos procedimentos gerais4. O procedimento cirúrgico, nesses casos, visa a melhorar o fechamento glótico e eliminar os fatores que interferem na vibração normal das pregas vocais9.
O objetivo deste estudo foi analisar estatisticamente as principais patologias benignas da laringe e o resultado funcional dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico.
MATERIAL E MÉTODO
Foram analisados 40 pacientes que apresentavam disfonia crônica com idade entre três e 62 anos (média de 32,5 anos), sendo 12 do sexo masculino e 28 do sexo feminino.
Todos foram submetidos ao exame otorrinolaringológico de rotina, com preenchimento de ficha padrão. Além disso, todos recebiam avaliação complementar, através da utilização de videolaringoestroboscópio Kay RLS 9100, no pré e pós-operatório, visto que a videolaringoestroboscopia é o principal instrumento para um diagnóstico correto e indicação de microcirurgia da laringe, dando a extensão exata da lesão e sua influência na vibração da prega vocal e fechamento glótico9.
O tratamento cirúrgico foi preconizado nos casos em que, para melhora do paciente, este era primordial, ou quando, após a realização de fonoterapia, ocorria persistência ou recidiva das lesões1. Em todas as cirurgias, foi utilizada anestesía geral com uso de tubo endotraqueal com cuff, pois o mesmo proporciona grande segurança e conveniência para o cirurgião, visto que repousa sobre a comissura posterior, distante da porção membranosa das pregas vocais, onde o procedimento cirúrgico é realizado4.
A visualização das pregas vocais durante a cirurgia foi garantida através do laringoscópio de suspensão e microscópio Katz, usando lentes de 300 mm, com aumento de 16 ou 24 vezes. Além disso, utilizamos endoscópio rígido no início da cirurgia, pois o mesmo permite uma impressão tridimensional da lesão e estruturas relacionadas, tornando mais fácil a determinação do local da incisão, evitando o corte através da lesão14.
No caso de nódulos, pólipos e granulomas, foi realizada apreensão dos mesmos com microfórceps, seguida de exérese com micro-tesoura, preservando a mucosa normal4, 13. Em relação aos cistos, utilizamos a técnica de microflap lateral ou medial, com dissecção do tecido patológico do tecido são, procurando preservar ao máximo a mucosa da borda livre e o ligamento vocal e infiltração de corticóide intra-cordal (0,5 ml de hidrocortizona 100 mg), visando a diminuir o quadro inflamatório inicial. Em alguns casos, foi utilizada cola biológica4. Nestes, observamos um retorno do aspecto normal das pregas vocais com maior brevidade.
Quanto ao papiloma, procedemos a exérese das lesões com pinça saca-bocado, procurando, sempre que possível, a preservação da mucosa-enquanto que para o tratamento do sulcus vocais, descolamos a mucosa atrófica do ligamento vocal com o máximo de cuidado, seguida da retirada de enxerto de gordura (abdominal ou do lóbulo da orelha), e colocação do mesmo no músculo tireoaritenóideo após confecção da pocket5.
Quando a patologia cirúrgica era o edema de Reinke, foi realizada a aspiração do conteúdo gelatinoso do espaço de Reinke (camada superficial da lâmina própria) e retirada do excesso da mucosa cautelosamente. Em alguns casos, foi utilizada cola biológica para reposicionamento do retalho ou para cobrir zonas de ressecção.
Em todas as cirurgias em que era realizada remoção de fragmentos de tecido, estes eram enviados rotineiramente para exame anátomo-patológico13.
Havendo vasculodisgenesia associada com qualquer outra lesão benigna da laringe, era feita eletrocauterização com cautério de Bouchayer e intensidade mínima, visando interromper o fluxo sangüíneo e reduzir a deformidade mucosa6, 12. Após a cirurgia, os pacientes eram instruídos a permanecer em repouso vocal absoluto por um período de sete a nove dias, até a primeira revisão pós-operatória4, 13. Entre o décimo quinto e o vigésimo dia pós-operatório, os pacientes eram examinados para complementação terapêutica com fonoterapia11.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Na casuística de 40 pacientes, observamos um predomínio de indivíduos do sexo feminino (28 casos), sendo a faixa etária mais acometida aquela dos pacientes entre 31 e 40 anos de idade (14 casos) (Tabela 1).
Vários foram os sintomas relatados pelos pacientes portadores de patologias benignas da laringe, sendo que a rouquidão apareceu em 37 indivíduos (92,5% dos casos). Outras queixas importantes foram: cansaço vocal (30%), dor (12,5%), distúrbios respiratórios (10 %), sensação de corpo estranho (7,5%), "bolo na garganta" (7,5%), pigarro (7,5%) e estridor laríngeo (2,5%) (Tabela 2).
Os cistos foram as lesões mais incidentes em nosso estudo (16 pacientes). Destes casos, um apresentou recorrência pós-operatória.TABELA 1 - Idade/ Sexo.
TABELA 2 - Distribuição da freqüência e percentual dos principais sintomas.
TABELA 3 - Incidência das lesões benignas da laringe.
Seis casos incluiam bilateralidade da lesão ou reação contra-lateral. Pólipo esteve presente em 10 pacientes, ao passo que os nódulos, sempre bilaterais, como o são por definição11, apareceram em cinco casos. Em dois casos, houve recorrência após fonoterapia, o que serviu como indicação para a sua remoção cirúrgica (Tabela 3).
Na Tabela 4, podemos observar que, à exceção do papiloma, lesão recidivante e típica do grupo infantil7, todas as lesões benignas da laringe predominaram na faixa etária dos 21 aos 50 anos de idade, o que está de acordo com a literatura, pois é nessa fase que o indivíduo apresenta maior produtividade ocupacional e conseqüente aumento da demanda vocal4, 12, 13. Chama-nos ainda a atenção que a idade dos pacientes com edema de Reinke é significativamente mais alta do que a dos pacientes com outras lesões, o que pode ser explicado pelo tempo necessário, para que lesões causadas pelo tabaco venham a aparecer13.
Analisando a Tabela 5, podemos notar que, excluindo-se o granuloma (apenas um caso, no grupo masculino), todas as lesões presentes no presente estudo predominaram no grupo feminino. É notável a coincidência com a maior parte dos trabalhos no tocante à predominância absoluta dos nódulos e edema de Reinke entre as mulheres1, 4, 13. No caso do edema de Reinke, é provável que tal discrepância seja devida à maior preocupação dos indivíduos do sexo feminino em relação à aspereza da voz causada por essa lesão, o que as motiva a procurar tratamento mais freqüentemente. Novamente concordando com a literatura, que aponta o edema de Reinke predominando entre tabagistas2, nossas três pacientes portadoras desta patologia faziam uso regular do fumo. Por outro lado, a maior parte dos trabalhos mostra que os pólipos são mais freqüentes no sexo masculino8, 13, enquanto que na presente casuística, esta patologia ocorreu principalmente em mulheres (70% dos casos). Nos três casos de sulco vocal vergeture, a cirurgia visou fundamentalmente à redução da fadiga vocal, da aspereza e da soprosidade da voz4, 10, 12.
Em seis casos (15%), a microcirurgia de laringe serviu para elucidar ou mudar o diagnóstico pré-operatório. Tal experiência foi compartilhada por diversos autores4, 12, 13, o que denota que, apesar de todo o arsenal diagnóstico disponível para visualização das pregas vocais, palpá-las, muitas vezes, é fundamental para a elucidação diagnóstica.TABELA 4 - Distribuição da lesão em relação à idade.
CONCLUSÃO
1) A maior incidência de lesões benignas da laringe ocorreu na faixa etária dos 31 aos 40 anos.
2) Indivíduos do sexo feminino foram os mais acometidos.
3) A rouquidão foi o sintoma mais freqüente.
4) O cisto foi a lesão benigna mais comum.
5) As técnicas cirúrgicas utilizadas demonstraram excelentes resultados, exceto no sulco vocal, para o qual os resultados foram modestos.
6) A fonoterapia no pós-operatório mostrou-se indispensável em todos os casos, sendo que, pré-cirurgicamente, a mesma foi utilizada somente no caso de nódulos (cinco pacientes), sendo que nos outros pacientes foi realizada somente avaliação fonoaudiológica prévia.
7) Foi sentida a necessidade da avaliação objetiva da voz (laboratório de voz ) como controle do tratamento cirúrgico e resultados pós-operatórios, visando a uma mensuração mais confiável da melhora do paciente pós-cirúrgico.
(TABELA 5, PÁG. 510)
TABELA 5 - Distribuição das lesões da laringe em relação ao sexo.
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* Professor de Fonoaudiologia da Uneb e Médico Otorrinolaringologista da Clínica Otorrinos.
** Doutorando em ORL pela USP e Médico Otorrinolaringologista da Clínica Otorrinos.
*** Médico Otorrinolaringologista da Clínica Otorrinos.
**** Médico Residente do 3°Ano em Otorrinolaringologia da Clínica Otorrinos.
Trabalho apresentado no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, de 18 a 22 de novembro de 1998, em Porto Alegre/ RS
Trabalho realizado na Clínica Otorrinos.
Endereço para correspondência: Rua Barão de Cotegipe, 1141 - Centro - 44025-030 Feira de Santana/ BA - Brasil - Telefone: (0xx75) 623-4455 - Fax: (0xx75) 223-4117.
E-mail: otorrinos@gd.com.br
Artigo recebido em 30 de junho de 2000. Artigo aceito em 17 de agosto de 2000.