Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 458 a 465

 

USO DO MÚSCULO ESTERNO-HIÓIDEO NA CIRURGIA REPARADORA DA LARINGE.

Reconstruction of the Larynx Using Sternohyoid Muscle.

Autor(es): Robert Thomé*,
Daniela C. Thomé**,
Rodrigo A. C. Cortina**,
Hélio Kawakami***.

Palavras-chave: laringe, cirurgia da laringe, reconstrução laríngea, músculo esterno-hióideo

Keywords: larynx, laryngeal surgery, laryngeal reconstruction, sternohyoid muscle

Resumo:
Objetivo: Discutir o planejamento cirúrgico, os diferentes fatores da técnica cirúrgica que influenciam nos resultados e as complicações do uso do músculo esterno-hióideo como retalho na cirurgia reparadora da laringe. Material e método: Sessenta e sete pacientes com tumor glótico ou transglótico, no período de 29 anos (grupo 1) e três pacientes com estenose cicatricial do segmento laringotraqueal, nos últimos cinco anos (grupo 2) receberam ressecção parcial vertical de extensão variável e reparo com retalho, bipediculado ou de pedículo superior, do músculo esterno-hióideo. Resultados: Grupo 1: o retalho reparou a anatomia da laringe e o volume do músculo contribuiu para o fechamento glótico adequado em 88% dos pacientes; grupo 2: o retalho forneceu suporte dinâmico e forro laringotraqueal, em um único tempo cirúrgico. Conclusão: A utilização do músculo estemo-hióideo como retalho mostrou ser um procedimento seguro, versátil e de resultados consistentes na cirurgia reparadora da laringe.

Abstract:
Aim: To discuss the surgical planning, the influence of different surgical technique variables in the results and the complications of using the sternohyoid muscle as a flap on reconstruction of the larynx. Material and methods: Sixty - seven patients with glottic or transglottic tumors in a 29 year period (group 1) and three patients with cicatricial laryngotracheal stenosis in the past five years (group 2) had varying vertical partial resection and a bipedicled or pedicled superiorly sternohyoid muscle flap reconstruction. Results: Group 1: the flap restored the anatomy of the larynx and the muscle bulk contributed for an adequate glottic closure in 88% of the patients; group 2: the flap provided one-stage dynamic luminal support and epithelial resurfacing of the laryngotracheal segment. Conclusion: The use of the sternohyoid muscle as a flap demonstrated to be a safe, versatile, with consistent results on reconstruction of the larynx.

INTRODUÇÃO

A cirurgia reparadora da laringe sofreu enormes progressos nos últimos 30 anos, e deu origem a novas propostas cirúrgicas, com o objetivo de substituir o déficit tecidual originado da ressecção de tumor ou tecido fibrosado, na busca por resultados funcionais melhores e mais consistentes. A diversidade de técnicas cirúrgicas, a maioria delas utilizando-se de retalhos de vizinhança, evidencia quão difícil é a reparação da laringe, além de demonstrar que não há, entre os cirurgiões, coincidência de opiniões quanto à técnica cirúrgica de escolha.

Hoje em dia, a preocupação do cirurgião não deve se limitar a ressecar, mas também a reparar a laringe, tentando minimizar distorções anatômicas, através da opção por uma dessas técnicas cirúrgicas ou suas variações.

A cirurgia reparadora da laringe compreende uma série de procedimentos cirúrgicos que combinam dois fatores: ressecção de tecido fibrosado responsável pela estenose cicatricial ou de tumor (com base no conhecimento da propagação tumoral e na compartimentalização da laringe) e no reparo do defeito cirúrgico por especialista que conheça a anatomia e respeite os princípios básicos da cirurgia plástica-reconstrutiva. Entre essas técnicas, a do uso do músculo esterno-hióideo como retalho tem nos parecido apropriada, pela riqueza vascular que confere segurança na confecção do retalho, pela acessibilidade e pela textura semelhante à área a ser reconstruída; e, seja como retalho mono ou bipediculado, esse músculo pode ser posicionado na laringe sem qualquer tensão. Em ordem cronológica, a primeira referência na literatura à técnica cirúrgica em estudo é a de Pressman17, que descreveu técnica de laringectomia parcial, com preservação da cartilagem aritenóide, fazendo uso dos músculos infra-hióideos na reparação: uma ou ambas as lâminas das cartilagens tireóide eram ressecadas, para facilitar a abordagem do tumor e depois serem reposicionadas em uma loja criada entre os músculos infra-hióideos, de modo a manter em posição medial o retalho muscular esterno-hióideo/tireo-hióideo forrado com o pericôndrio externo tireóideo.

Bailey3 modificou o procedimento descrito por Pressman17, desenvolvendo retalho bipediculado, músculo esterno-hióideo/pericôndrio externo da cartilagem tireóide, para a substituição tecidual pós-laringectomia parcial vertical, e posicionando o retalho por dentro da lâmina tireóidea. Bailey4, em estudo experimental em 50 cães, demonstrou a sobrevivência do músculo, com grau variável de fibrose.

Bailey e Calcaterra5 e Bailey6 apresentaram os bons resultados que obtiveram com o retalho bipediculado em 31 e em 70 pacientes, respectivamente. Bernstein e Holt7 realizaram estudo experimental em cães, interpondo retalho bipediculado do músculo esterno-hióideo entre a lâmina da cartilagem tireóide e o pericôndrio interno, para medialização da prega vocal paralisada, com o estudo histológico mostrando sobrevivência do retalho. Maran e colaboradores14 realizaram estudo experimental em cães comparando os resultados da reparação de hemilaringectomia com ressecção da lâmina tireóidea, através da rotação de retalho de mucosa do seio piriforme, ou pela utilização de retalho bipediculado dos músculos esteno-tireóideo, tire%-hióideo e esterno-hióideo estabilizados em posição na endolaringe pelo pericôndrio externo-sem ressecção da lâmina tireóidea e retalho muscular bipediculado forrado com pericôndrio externo tireóideo. Esses autores estudaram o fechamento glótico através de dois parâmetros: pressão subglótica e freqüência fundamental, e concluíram que o volume provido pelo músculo é importante na pressão subglótica e na produção da voz, com os melhores resultados quanto ao fechamento glótico na técnica cirúrgica em que a lâmina tireóidea foi preservada.

Ogura e Biller16 reportaram o uso de retalho do músculo esterno-hióideo, de pedículo inferior, revestido com retalho de mucosa da prega ariepiglótica, para reconstruir a região glótica quando a laringectomia frontolateral inclui toda a cartilagem aritenóide.

Hirano12 propôs retalho muscular de pedículo superior para reparar o defeito resultante da laringectomia parcial vertical com ressecção de toda a lâmina da cartilagem tireóide e da aritenóide. O músculo foi revestido por retalho de mucosa do seio piriforme ou enxerto de mucosa do lábio. Hirano13 utiliza ilha de pele do pescoço como forro endolaríngeo. Calcaterra9 manifestou a opinião de que o retalho de pedículo inferior descrito por Ogúra e Biller16 tem tendência a se soltar da comissura posterior e predisposição à aspiração, dada a rotação da mucosa da prega ariepiglótica. Esse autor descreveu o retalho miofascial do esterno-hióideo, de pedículo superior, sem angular tão agudamente o retalho, como na técnica de Hirano12, para reparar o defeito da ressecção da prega vocal e da cartilagem aritenóide. Eliachar e colaboradores10 idealizaram retalho miocutâneo com ilha de pele sobrejacente ao músculo esterno-hióideo, bipediculado (rotary door flap), para reconstruir déficit laringotraqueal resultante da ressecção de tumor ou de tecido fibrosado. Burgess8 realizou estudo experimental em cães, nos quais praticou laringectomia parcial vertical com aritenoidectomia utilizando reparação com músculo esterno-hióideo sem enxertia ou com enxerto de pericôndrio ou mucosa. Esse autor obteve laringe patente em 100% dos cães, reparação da loja aritenóidea com retalho de pedículo superior em 78% e 22% com retalho bipediculado. Este último não mostrou diminuição de volume, enquanto que o primeiro diminuiu em 23%, quando comparado com o músculo contralateral usado como controle (também desnervado). Não notou diferença macroscópica e o estudo histológico mostrou epitélio escamoso estratificado não queratinizado, sem diferença em espessura da camada celular, independentemente de enxertia.




Figura 1. Esquema representativo da laringectomia frontolateral standard e reparação com retalho miopericondral bipediculado. A, incisão longitudinal do músculo e descolamento do pericôndrio externo da cartilagem tireóide; B, pericôndrio suturado à superfície medial do músculo; C, retalho transposto para o leito receptor, com o pericôndrio voltado para o lume; D, posição do músculo em relação à lâmina tireóidea; E, fechamento da tirotomia.




Andrews e colaboradores2 realizaram estudo experimental em cães comparando as análises acústica e aerodinâmica da função vocal em quatro tipos de técnicas cirúrgicas de reparação: nos cães com retalho do músculo esterno-hióideo de pedículo superior, a videolaringoscopia mostrou lume adequado no nível da glote. Observaram que o retalho muscular sofrera atrofia e migração da parede posterior da cricóide, com fenda glótica posterior, afetando a pressão subglótica e os valores das análises laboratoriais acústica e aerodinâmica da voz. Russell e colaboradores18. Netterville e colaboradores18 ampliaram as indicações de uso do músculo esterno-hióideo ao repararem o déficit tecidual, resultante da ressecção de granuloma de teflon no espaço paraglótico, com retalho bipediculado e de pedículo inferior, respectivamente. Esse estudo apresenta os resultados obtidos em 67 pacientes com tumores glóticos ou transglóticos e em três pacientes com estenose cicatricial laringotraqueal, que receberam ressecção parcial vertical de diferentes extensões e reparação praticada com o músculo esterno-hióideo, como retalho bipediculado miopericondral ou miocutâneo, e miomucoso de pedículo superior.



Figura 2. Esquema representativo da laringectomia frontolateral alargada e reconstrução com retalho muscular de pedículo superior, forrado com enxerto de mucosa jugal. A, secção do músculo perpendicular ao seu eixo longitudinal (flexa); B, retalho girado 90° em direção à laringe; C, retalho imobilizado por sutura ao leito receptor e do músculo tireo-hióideo ao seu ângulo reto. EH - músculo esterno-hióideo, ET - músculo esternotireóideo, P - pericôndrio externo da cartilagem tireóide.



MATERIAL E MÉTODO

Grupo 1. Desde 1969, 67 pacientes com tumor glótico ou transglótico receberam reconstrução com retalho do músculo esterno-hióideo após laringectomia frontolateral standard e alargada. O sexo masculino teve prevalência sobre o feminino na proporção de 5:1, com idade média de 53 anos (variação de idade de 32 a 74 anos). Dependendo das dimensões do tumor e da extensão da ressecção da cartilagem tireóide, os pacientes receberam reconstrução com retalho muscular mono ou bipediculado.

Os tumores foram estadiados de acordo com os critérios da American Joint Committee on Cancer (1992)1. Dos 49 (73%) pacientes com tumores glóticos TI1b ou T2, 44 receberam laringectomia frontolateral standard e reconstrução com retalho miopericondrial (músculo esterno-hióideo forrado com o pericôndrio externo da cartilagem tireóide), bipediculado (Figura 1) e cinco com tumor glótico em ferradura receberam laringectomia frontal e reconstrução com retalho bipediculado forrado com enxerto de mucosa jugal, usado bilateralmente. Seis desses 49 pacientes com tumores glóticos tinham recebido radioterapia em dose curativa, sem resultado.

Dezoito (23%) pacientes, 10 com tumor glótico T3 e oito com tumor transglótico (com 2 em ou menos em diâmetro, sem fixação da prega vocal ou comprometimento da região subglótica ou da comissura anterior, ou evidência radiológica de invasão de cartilagem) receberam laringectomia frontolateral alargada, com ressecção dos terços anterior e médio (altura do processo vocal da cartilagem aritenóide) ou de toda a lâmina da cartilagem tireóide no lado do tumor e 1 cm no lado oposto, e reconstrução utilizando retalho de pedículo superior, acrescido de enxertia de mucosa jugal (Figura 2).

Grupo 2. Nos últimos cinco anos, três pacientes, duas crianças e um adulto, com estenose cicatricial laringotraqueal severa receberam retalho miocutâneo, bipediculado, (rotary door flap) para reparar perda de substância anterolateral, resultante de ressecção de cartilagem e de partes moles responsável pela estenose, em um único tempo cirúrgico. O retalho foi girado 180° em seu eixo longitudinal, com a pele voltada para o lume servindo como forro, e a massa muscular com vascularização e inervação preservadas como suporte dinâmico (Figura 3).

Técnica cirúrgica

Os seguintes fatores da técnica cirúrgica devem ser considerados: 1. identificar e preservar a vascularização e inervação do músculo esterno-hióideo; 2. planejar o retalho muscular maior do que o déficit cirúrgico existente para compensar ou antecipar a atrofia que o músculo transposto sofre em extensão variável mais tarde; 3. Proporcionar estabilidade do retalho, que deve repousar na posição anatômica correta sem qualquer tensão, motivo principal de deiscência de sutura e deslocamento do retalho; 4. Não deixar superfície cruenta na endolaringe para evitar a conseqüente cicatrização por segunda intenção; 5. separar as duas metades da laringe pela interposição de placa delgada ou de molde maciço de silastic na laringe durante o período de cicatrização, a fim de evitar aderência entre áreas correspondentes de cada lado.

Retalho miopericondral bipediculado.

A técnica cirúrgica incluiu laringectomia frontolateral standard, com exérése de 1 cm de cartilagem tireóide de ambos os lados, e reparo com retalho miopericondral bipediculado. A borda seccionada da prega vocal contralateral foi suturada ao pericôndrio externo da cartilagem tireóide com o objetivo de alongar a prega e reduzir formação de tecido fibrótico na comissura anterior.

O pericôndrio externo da cartilagem tireóide no lado do tumor foi descolado e suturado à superfície medial do músculo esterno-hióideo. Uma incisão longitudinal foi praticada na junção dos terços posterior e médio do músculo esterno-hióideo (1,5 a 2 cm ela borda medial), aprofundada para interessar o pericôndrio externo e prolongada 1,5 cm superior - e inferiormente à borda da cartilagem tireóide. O retalho bipediculado músculo-pericôndrio, desse modo confeccionado, foi elevado e, então, transposto para endolaringe com o pericôndrio voltado para o lume, através das membranas tireo-hióidea e cricotireóidea, e suturado às bordas do defeito cirúrgico.




Figura 3. Esquema representativo da ressecção de estenose laringotraqueal e reparo cota retalho miocutâneo (rotary door flap). A, delimitação da ilha de pele sobrejacente ao músculo esterno-hióideo; B e C, retalho girado 180° em seu eixo longitudinal, com sutura da ilha de pele à mucosa laringotraqueal; D, aspecto final.



Uma placa delgada ou molde maciço de silastic foi interposto, separando os dois lados da laringe. A placa tem o formato em T, com o ramo endolaríngeo indo do ângulo tireóideo anterior, até entre os processos vocais das cartilagens aritenóides, e o ramo perpendicular apoiado e suturado aos planos pré-laríngeos. O molde maciço foi confeccionado a partir de um bloco de silicone soft, com o formato triangular na sua parede anterior para reproduzir a anatomia da comissura anterior e permitir resultado tão anatômico quanto possível.

O molde foi inserido e posicionado com a extremidade superior no nível das pregas ariepiglóticas; e a inferior, logo acima do orifício da traquéia. O molde foi mantido na posição desejada, por transfixação da traquéia e do molde, através de dois fios paralelos de náilon 2-0, distanciados 1 cm um do outro, e amarrados sobre a parede anterior da traquéia com vários nós, que serviram de parâmetro quando da sua remoção. A seguir, as lâminas da cartilagem tireóide foram suturadas em posição, com o ponto logo abaixo da borda superior apanhando também o pecíolo da cartilagem epiglótica de modo a trazê-lo para sua posição anatômica.

Retalho mucoso de pediculo superior.

A técnica cirúrgica incluiu laringectomia frontolateral alargada com ressecção vertical dos terços anterior e médio, ou de toda a lâmina da cartilagem tireóide e de 1 cm no lado oposto e reparação com retalho muscular de pedículo superior. A reconstrução começou com a sutura da borda seccionada da prega vocal contralateral ao pericôndrio externo da cartilagem tireóide. O músculo esterno-hióideo do lado do tumor foi descolado e seccionado perpendicularmente ao seu eixo longitudinal, aproximadamente a 5 cm abaixo do ponto médio da altura da cartilagem tireóide. Em nível glótico, o retalho muscular foi rodado 90° em direção à laringe e posicionado de modo a ocupar todo o leito receptor.

O retalho foi suturado em sua nova posição, unindo a extremidade distal do retalho à mucosa e músculo interaritenóideo. O músculo esternotireóideo foi suturado ao ângulo reto do retalho esterno-hióideo (Figura 2). Enxerto de mucosa jugal, de espessura total, foi retirado para forrar o retalho, com sutura por afrontamento direto das bordas da área doadora. Nessa variante técnica, a moldagem foi praticada pelo molde maciço de silastic, fixado por duas suturas transtraqueais e mantido em posição por oito semanas. O fechamento da laringe foi realizado através da sutura dos pericôndrios externos da cartilagem tireóide na linha mediana, sobre o molde.

Retalho miocutâneo bipediculado (rotary door flap).

O componente cutâneo do retalho foi delimitado por duas incisões longitudinais, traçadas no nível da projeção das bordas do músculo esterno-hióideo, afastadas 2 a 2,5 cm uma da outra; a medial foi prolongada inferiormente para contornar a cicatriz cutânea da traqueotomia. O músculo foi elevado, preservando-se os pedículos vasculares, e girado 180° em seu eixo longitudinal para o defeito laringotraqueal. A pele voltada para o lume forrou a laringe e a porção superior da traquéia e o músculo forneceu o suporte estrutural (Figura 3). Um molde maciço de silastic foi colocado e mantido em posição por seis a oito semanas.

Em qualquer das variações de técnica, a remoção da placa ou do molde maciço de silastic foi realizada através de pequena incisão da pele na cicatriz original; os fios de fixação, expostos e seccionados; a placa, retirada através dessa incisão; e o molde maciço, por laringoscopia direta.

Neste estudo, a qualidade da voz foi analisada do ponto de vista subjetivo; e baseada no parecer do paciente, dos familiares que passam mais tempo com ele e do cirurgião. Nos últimos anos os pacientes têm recebido avaliação objetiva e sofisticada da qualidade vocal.

RESULTADOS

Grupo 1: o retalho reparou a anatomia, permitindo boa respiração pela laringe em todos os pacientes - em 6% deles, após cirurgia complementar para correção de estenose. O volume do músculo proveu superfície contra a qual a prega vocal oposta pôde contatar, com fechamento glótico adequado em 88% dos pacientes.

Deslocamento do retalho para uma posição mais anteriorizada, causando fenda glótico posterior, ocorreu em 12% dos pacientes. Aspiração ocorreu principalmente nas pacientes em que a cartilagem aritenóide foi ressecada - três deles desenvolvendo pneumonia aspirativa. Laringe com diâmetro anteroposterior diminuído, por aderência fibrosa anterior, com prejuízo na qualidade vocal, foi observada em 11% dos pacientes.

Melhor reparo anatômico foi obtido com o uso de molde maciço, em vez de placa delgada de silastic. A qualidade pós-operatória da voz variou em conformidade com a extensão da ressecção cirúrgica e com o grau de sucesso no reparo anatômico, com os melhores resultados nos pacientes nos quais foi possível a preservação da cartilagem aritenóide. O período de tempo para a descanulização foi consideravelmente maior na reconstrução com retalho monopediculado do que com bipediculado. As complicações estão sumarizadas no Gráfico 1.

Grupo 2: o retalho reparou o suporte e o forro laringotraqueal, em um único tempo cirúrgico.

DISCUSSÃO

No presente estudo, o uso do retalho do músculo esterno-hióideo foi indicado para o reparo da laringe, na tentativa de devolver ao paciente uma melhoria anatômica e funcional, após ressecção cirúrgica de tumor glótico ou transglótico e de estenose laringotraqueal cicatricial severa. Muito embora a reparação não consiga reproduzir os ricos detalhes anatômicos da laringe, provê volume que permite fechamento glótico firme para o controle da pressão subglótica, que influencia na intensidade da voz. A cobertura com pericôndrio, ou mucosa de toda a área cruenta, evita cicatrização por segunda intenção e conseqüente retração cicatricial.

Atualmente, não encontramos motivo para a adoção desse retalho muscular na paralisia unilateral da prega vocal7, porque sua medialização pode ser obtida por métodos mais conservadores, como o aumento de volume da prega pela substituição tecidual com diferentes subtâncias injetáveis (teflon, gelfoam, colágeno, gordura autóloga, fáscia), ou cirurgia sobre o arcabouço laríngeo (tiroplastia tipo 1 e adução aritenóidea). O uso do músculo esterno-hióideo, por Netterville e colaboradores15, como retalho de pedículo inferior, para reparação da destruição dos tecidos resultante da ressecção do granuloma de reflon no espaço paraglótico, parece-nos promissor.




Gráfico 1. Porcentagem das principais complicações - grupo 1.




A utilização de retalho mono ou bipediculado no grupo 1 esteve condicionada à extensão de ressecção da cartilagem tireóide. Torna-se evidente que a reparação com o retalho muscular bipediculado é reservada aos tumores glóticos sem ressecção de cartilagem tireóide, a não ser 1 cm de cada lado, para incluir o ângulo tireóideo no monobloco da peça cirúrgica. Além do mais, a apropriada sutura do retalho aos tecidos laríngeos, a integridade da lâmina da cartilagem tireóide e o terço posterior não descolado do músculo esterno-hióideo contribuem para estabilizar o retalho bipediculado em posição3-6, 8.

Na laringectomia frontolateral alargada, em que em seus terços anterior e médio, ou mesmo na sua totalidade, a lâmina da cartilagem tireóide é ressecada no lado tumoral, é utilizado o retalho de pedículo superior planejado com comprimento o suficiente para alcançar o leito receptor e nele ser posicionado, sem qualquer tensão. A sutura do músculo esternotireóideo ao ângulo reto do esterno-hióideo confere firmeza e contribui para a manutenção do volume muscular do retalho no posicionamento anatômico correto. A borda superior do retalho muscular deve ser localizada um pouco abaixo, no nível da prega vocal oposta, que se move em direção caudal durante a fonação13, 14.

No estudo atual, o que se pretendeu com o uso do retalho miocutâneo, girado 180° em seu eixo longitudinal, de indicação restrita a estenose cicatricial de maior severidade, foi reparar simultaneamente a perda de cartilagem e de partes moles do segmento laringotraqueal, sem a necessidade de enxerto cartilaginoso ou ósseo como suporte. Acreditamos que, para tal finalidade, o uso desse retalho pode ser considerado muito animador, visto que a contração do músculo na inspiração evita o colapso do retalho e a área cutânea forra o segmento laringotraqueal, evitando enxerto. Esses fatores constituem os motivos principais pelos quais temos adotado o retalho miocutâneo.

É sempre inerente a qualquer método de reconstrução utilizando músculo o potencial para complicações como necrose, deiscência de sutura deslocamento e redução de volume do retalho - fatores principais de insucesso. A rica circulação segmentar do músculo esterno-hióideo confere viabilidade ao seu uso como retalho levando-se em consideração o comprimento, o volume e o arco de rotação necessários para alcançar e corrigir o déficit tecidual da laringe.

No planejamento das dimensões do retalho muscular precisa ser levado em conta a atrofia que, mais tarde, acarretará redução de volume em extensão variável; o retalho deve, portanto, ser confeccionado maior do que o defeito cirúrgico existente na laringe. Os vasos nutrientes que penetram no músculo esterno-hióideo devem ser cuidadosa mas amplamente dissecados, de forma a permitir ao retalho alcançar a laringe sem tensão.

A artéria tireóidea superior, fonte principal, supre os dois terços superiores pelos ramos esternoclidomastóideo, hióideo e musculares diretos, enquanto que as artérias tireóidea inferior e torácica interna suprem o terço inferior. Muito embora não exista uma distribuição axial em sua vascularização, uma rica rede anastomótica entre as artérias tireóideas superior e inferior é encontrada dentro e ao redor do músculo11. Desse modo, por possuir pedículos vasculares segmentares, o retalho monopediculado do músculo esterno-hióideo pode ter pedículo superior ou inferior. O grau de atrofia muscular é muito menor quando a inervação, dada pela alça cervical (plexo cervical) e sua raiz superior (ramo descendente do nervo hipoglosso), é mantida íntegra.

Nas duas variantes da técnica cirúrgica, o posicionamento anatômico correto do retalho em contato com o leito receptor, sem sofrer tração ou tensão, é fator determinante para diminuir o risco de deiscência de sutura. Com a finalidade de diminuir ou evitar a tensão, Ogura e Biller16 recomendam uma incisão horizontal relaxante na fáscia da face anterior do retalho muscular.

De interesse é a constatação dos autores de que a tração excessiva na sutura do retalho bipediculado na loja aritenóidea parece ser o fator principal de insucesso do uso desse tipo de retalho, quando a cartilagem aritenóide é incluída no monobloco da peça cirúrgica. Como esse músculo, com inervação e vascularização preservadas, tem suas inserções no osso hióide e esterno, situados anatomicamente em plano anterior ao da laringe, sua contração na inspiração traciona o retalho em direção anterior, podendo ocorrer deiscência de sutura e deslocamento da posição correta, com comprometimento do resultado final da cirurgia.

O fechamento glótico posterior incompleto, que ocorreu em nossos pacientes, pode ser atribuído à tração na linha de sutura. Em função dessa desvantagem, uma variante de técnica que nos parece apropriada na laringectomia frontolateral standard com ressecção da aritenóide, baseia-se na colocação de retalho de pedículo superior, introduzido pela membrana tireo- hióidea na tentativa de melhor preencher a loja aritenóidea e evitar tração na sutura com a contração do músculo. A extremidade distal do retalho é suturada à mucosa subglótica e a borda posterior à área interaritenóidea. O deslocamento anterior do retalho bipediculado ocorreu nos animais de experimentação de Bernstein e Holt7 e de Maran e colaboradores14.

A restauração do epitélio da cobertura da laringe com o pericôndrio externo da cartilagem tireóide ou enxerto de mucosa jugal é importante para promover cicatrização por primeira intenção e proteção contra infecção. O pericôndrio externo da cartilagem tireóide, subjacente ao músculo esterno-hióideo, reveste a endolaringe quando esse músculo é transposto para reparar o defeito cirúrgico. Esse retalho miopericondral tem a vantagem de evitar um procedimento adicional de retirada de enxerto para forrar o músculo, que aumenta a morbidade e prolonga o tempo de cirurgia. A mucosa tem sido usada para forro da laringe na forma de retalho da prega ventricular, prega ariepiglótica e seio piriforme ou de enxerto da região jugal. A rotação de retalho de mucosa da hipofaringe freqüentemente produz distorção da anatomia do seio piriforme, resultando em aspiração por período de tempo mais longo, retardando a descanulização. No retalho miocutâneo, girado 180° em seu eixo longitudinal, a pele como forro do segmento laringotraqueal pode resultar em revestimento inelástico, formação de crostas, crescimento de pêlos e descamação, constituindo uma desvantagem. Hirano e colaboradores12, 13 encontraram qualidade vocal variável, melhor quando o retalho muscular foi revestido por mucosa. Burgess8 faz referência ao fato de o retalho muscular poder reparar a competência glótica, mas não a vibração na fonação. Calcaterra9 afirma que no retalho miofascial, a camada externa da fáscia suturada à mucosa posterior e inferior ao longo da cricóide e a porção remanescente -do retalho muscular reconstrói a comissura anterior e garante cobertura completa do defeito e rápida epitelização. Burgess8 não considera fundamental o uso de retalhos ou enxertos para cobertura do músculo, desde que o resultado histológico final não difere daquele do músculo sem forro, deixado cicatrizar por segunda intenção ã custa da retração dos bordos.

No grupo l, diferentes graus de severidade da estenose cicatricial da laringe representaram um problema significativo nos primeiros pacientes. Desde aquele tempo, o uso de molde maciço de silastic, em lugar da placa delgada, melhorou os resultados anatômicos ao manter afastadas as superfícies correspondentes, evitando a aderência entre elas, diminuir a formação de tecido de granulação na linha de sutura, modelar e manter a configuração anatômica da endolaringe, principalmente da comissura anterior, durante o período de cicatrização. O silastic como material de confecção do molde não provocou grande reação inflamatória nos tecidos e as secreções traqueobrônquicas não ficaram a ele aderidas. A modificação do formato do molde durante a cirurgia foi sempre evitada para não tornar sua superfície áspera, com conseqüente trauma adicional à mucosa, maior resposta inflamatória e formação de tecido de granulação. A fixação transtraqueal permitiu o movimento conjunto do molde e da laringe durante a respiração, a deglutição e a tosse, evitando maior atrito sobre a mucosa. Além disso, esse modo de fixar o molde foi bem tolerado pelo paciente e permitiu a troca da cânula traqueal sem qualquer perigo de deslocamento do molde, possibilitando melhor limpeza da traqueotomia.

Parece-nos que os resultados obtidos com a técnica cirúrgica adotada podem ser considerados positivos. No grupo 1, o retalho muscular reparou a anatomia, com fechamento glótico adequado em 88% dos pacientes e qualidade vocal que permitiu o retorno às atividades profissionais e ao convívio social. No grupo 2, o retalho miocutâneo mostrou-se vantajoso, porque o reparo do suporte e forro laringotraqueal foi feito em um único tempo cirúrgico.

CONCLUSÕES

O uso do músculo esterno-hióideo como retalho tem se mostrado um procedimento bastante seguro, de fácil acessibilidade, versátil e com resultados consistentes na cirurgia reparadora da laringe. A rica circulação segmentar do músculo permite a confecção de retalho bipediculado e de pedículo superior ou inferior, de acordo com a extensão da ressecção cirúrgica. Preservar os pedículos vasculares segmentares do músculo, confeccionar o retalho muscular maior do que o déficit cirúrgico existente, proporcionar estabilidade do retalho sem qualquer tensão na posição anatômica correta, não deixar superfície cruenta e uso de moldagem endolaríngea - estes são fatores da técnica cirúrgica que influenciam no resultado final e no grau de morbidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Pós-graduandos da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Cirurgião Plástico do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz.

Trabalho realizado na clínica privada de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço dos autores.
Trabalho apresentado no I World Congress on Head and Neck Surgery, em Madri, Espanha, de 29 de novembro a 3 de dezembro de 1998; e no CIII Annual Meeting of the American Academy of Otolaryngology - Head and Neck Surgery Foundation, de 26 a 29 de setembro de 1999, em New Orleans, Estados Unidos.

Endereço para correspondência: Robert Thomé - Alameda Ttú 483 - 01421-000 São Paulo/ SP. Telefone: (0xx11) 288-9988 / 570-3260 - Fax: (0xx11) 284-3049 - E-mail: rthome@dialdata.com.br
Artigo recebido em 10 de abril de 2000. Artigo aceito em 16 de abril de 2000.

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