Ano: 2000 Vol. 66 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (2º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 434 a 437
ESTUDO DA FASE FARÍNGEA DA DEGLUTIÇÃO EM VOLUNTÁRIOS SADIOS ATRAVÉS DA FIBRONASOSCOPIA.
Study of Faringeal Fase of Deglutition in Healthy Volunteers by Fibronasoscopy.
Autor(es):
Ari de Paula*,
Jairo D. Fernandes**,
Marcelo B. Fortinguerra**.
Palavras-chave: fibronasoscopia, deglutição, fase faríngea
Keywords: fibronasoscopy, deglutition, pharingeal fase
Resumo:
Método: Foi realizado um estudo da fase faríngea da deglutição em voluntários sadios através da fibronasoscopia, com a finalidade de observar os parâmetros de normalidade para este exame. Resultados: Os resultados estão de acordo com a literatura. Conclusão: O exame mostrou ser de fácil realização, rápido e eficaz em mostrar a anatomia e a função dos músculos envolvidos nesta fase da deglutição, bem como a presença de aspiração ou penetração do bolo alimentar na laringe.
Abstract:
Method: This study was made of the pharingeal fase of deglutition in healthy volunteers by fibronasoscopy with the intention of seen the normality pattern of this exam. Liquid iogurt was used like contrast. Results: The results were agreed with the literatura. Conclusion: The exam was showed to be of easy execution, fast and great for seen the action and anatomy of the muscles involved in this fase of deglutition, as well as to show the aspiration or penetration of the contrast into the larynx.
INTRODUÇÃO
A deglutição é um dos processos neuromusculares mais complexos do corpo humano. Possui um componente voluntário e um involuntário, mobiliza mais de uma dezena de músculos e dura apenas alguns segundos.
Tem quatro fases distintas: preparatória oral, oral, faríngea e esofágica (Mckee e colaboradores).
Sabemos que o reflexo da deglutição acontece quando áreas do tronco cerebral, especificamente ponte e medula, são estimulados. Na ponte, regiões dorsais e ventrais ao núcleo trigêmeo, quando estimuladas, produzem a deglutição, mas estas regiões são mais relacionadas às seqüências dos processos de deglutição do que ao seu controle. As áreas responsáveis pelo controle da deglutição são: o núcleo do trato solitário, localizado na medula dorsal, e o núcleo ambíguo, situado na porção ventral da medula e responsável pela fase esofágica da deglutição.
O córtex cerebral é o maior responsável pela fase voluntária oral e faríngea da deglutição. Outras regiões cerebrais relacionadas à deglutição são: córtex paracentral, córtex silviano, giro pré-central e porção posterior do giro frontal inferior, relacionados com a duração e intensidade da deglutição.
As vias aferentes têm função primordial de estimular e modificara deglutição. São representadas pelo nervo laríngeo superior, glossofaríngeo, trigêmeo e lingual. O nervo trigêmeo é relativamente ineficiente em produzir deglutição. O nervo lingual tem como função inibir a deglutição.
Células sensitivas estão distribuídas por toda a cavidade oral e faríngea, e estudos demonstraram que os pilares amigdalianos são as regiões mais sensíveis á estímulos pressóricos leves, enquanto que a região posterior da faringe é mais sensível a estímulos pressóricos mais fortes, para desencadear a deglutição.
O processo de deglutição sofre alterações com a idade, e a alteração mais freqüente é a mudança de direção do bolo alimentar no segmento supraglótico durante a deglutição (Plant). Ocorre também diminuição da força muscular, o que acarreta a necessidade de maior número de movimentos deglutitórios para que a cavidade oral seja limpa. Há também um aumento do tempo de deglutição (Plant, Mckee e colaboradores). O idoso tem risco de aspiração três vezes maior. Na fase esofágica ocorre menor número de contrações peristálticas e diminuição da pressão no esfíncter superior do esôfago (Mckee e colaboradores).
Nas crianças, o processo de deglutição está completamente desenvolvido aos nove meses de idade (Darrow e colaboradores). Crianças com história materna de infeção, abuso de drogas, poliidramnio, anóxia peri-parto, Apgar baixo e ressuscitação prolongada têm alto risco de desenvolver patologias da deglutição.
Não há diferenças significativas na deglutição quanto ao sexo (Mckee e colaboradores).
A deglutição sofre influências quanto às características do alimento a ser deglutido, se líquidos ou pastosos (Dantas e colaboradores). A duração da deglutição foi maior para alimentos pastosos do que para líquidos (Dantas e colaboradores; Ertekin e colaboradores). O volume não alterou o tempo de deglutição (Dantas e colaboradores).
Os alimentos semi-sólidos necessitam de menor esforço muscular da laringe e faringe para serem deglutidos do que os alimentos líquidos (Dantas e colaboradores).
A deglutição pode ser estudada de várias formas, tais como história e exame físico, ideal para se estudar alterações da fase oral, ultra-sonografia, utilizada para estudar a fase oral e os movimentos da língua durante esta fase em lactentes, porque os dentes atrapalham a captação dos ultra-sons; cine-radiografia e fluoroscopia são estudos radiográficos utilizados para se estudar as fases oral, faríngea e esofágica da deglutição, onde se utiliza um meio de contraste radiopaco; mais recentemente, temos o fibroscópio, com o qual podemos estudar a fase faríngea da deglutição.
O objetivo deste trabalho é estudar a fase faríngea da deglutição de pessoas sem queixas de disfagia, ou outra alteração da deglutição, através da nasofibroscopia flexível, com a finalidade de estabelecer parâmetros de normalidade para este exame.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizada nasofibroscopia flexível em 10 voluntários, (seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino), com idade entre 23 e 32 anos, sem queixas de disfagia.
Todos os pacientes responderam a um questionário com 15 perguntas sobre sua deglutição, e apenas foram incluídos no estudo aqueles que tiveram todas as respostas negativas. O questionário constava das seguintes questões:
- Houve alteração no tempo de duração de sua refeição nos últimos tempos?
- Houve modificação na dieta e quais comidas estão sendo bem e mal toleradas?
- Existem dificuldades de começar a deglutir?
- Há necessidade de deglutir duas ou três vezes?
- Sobra comida na língua e nos vestíbulos após deglutir?
- Há refluxo nasal?
- Há sensação de parada de alimento?
- Houve perda de peso recentemente?
- Está evitando algum tipo de alimento?
- Há pigarro após comer ou beber?
- Há tosse ou falta de ar quando está comendo ou bebendo?
- Fica rouco enquanto come ou depois de comer?
- Apresenta infecções respiratórias com freqüência?
- Está usando algum medicamento? Qual?
- Apresenta alguma doença?
Os pacientes foram submetidos a exame físico da cavidade oral.
Foi realizada nasofibroscopia com o paciente em posição sentada, com o monitor à sua frente, a fim de proporcionar um biofeedbacke aumentar a cooperação do paciente durante o exame. Não foi utilizado anestésico local no nariz ou na faringe.
O endoscópio foi posicionado inicialmente no cavum, para se visualizar a função do palato mole durante a deglutição. Posteriormente, o endoscópio foi posicionado no nível da úvula, para se obter boa visão da base da língua, parede faríngea posterior, lateral e endolaringe. No final do exame, o fibroscópio foi posicionado no nível do pólo superior da epiglote, para melhor visualização dos seios piriformes, endolaringe e padrão de fechamento das vias aéreas durante a deglutição.
Todos os exames foram gravados em fita de vídeo, para que pudessem ser reavaliados quantas vezes fossem necessárias.
O alimento apresentado ao paciente foi iogurte natural liquido não diet, de coloração branca, colocado em um copo plástico e sugado por canudo plástico. A quantidade não foi medida, apenas sugerimos que o paciente sugasse grande quantidade ou apenas sugasse.
Primeiramente, o paciente era solicitado a deglutir sem o iogurte para se observar a ação muscular e a limpeza da saliva da região faríngea. A seguir, pedíamos que o paciente sugasse o iogurte e o mantivesse na boca. Após, solicitávamos que deglutisse normalmente o iogurte. Solicitamos, então, que o paciente sugasse grande quantidade de iogurte e deglutisse de uma só vez; e depois, com a mesma quantidade, deglutisse em três goles consecutivos.
Estudamos, então, o comportamento do acúmulo de iogurte durante certas etapas, assim como a eliminação de resíduos.
RESULTADOS
Todos os pacientes considerados como normais, analisados, não apresentavam queixas de disfagia e deram resposta negativa às perguntas do questionário acima, que tinha por finalidade detectar qualquer alteração no mecanismo de deglutição.
O exame da cavidade oral foi considerado normal em todos os pacientes.
Os pacientes foram estudados quanto à anatomia da região faringolaríngea, a presença de secreção acumulada na hipofaringe, o número de deglutições necessário para a limpeza da faringe, sensação de limpeza da faringe e eficácia da tosse em limpar a laringe de partículas alimentares que porventura viessem a penetrar ou ser aspiradas. Para tanto, foram definidas como:
- Penetração, a passagem de alimentos para a laringe sem contudo ultrapassaras verdadeiras cordas vocais; e,
- Aspiração, a passagem de alimentos para a laringe ultrapassando as verdadeiras cordas vocais.
Todos os pacientes estudados apresentaram anatomia faringolaríngea normal, ausência de secreção acumulada na valécula, parede lateral e posterior da faringe e seios piriformes. - Todos referiram sensação de limpeza da faringe após a deglutição sem iogurte.
Todos os pacientes apresentaram cordas vocais normais. Todos os pacientes conseguiram manter o iogurte na boca sem apresentar escape do alimento para a faringe antes de iniciar a deglutição.
Quando o iogurte foi deglutido, as seguintes regiões apareceram coradas em todos os pacientes: valécula, paredes laterais e posteriores da faringe e seios piriformes.
Todos apresentaram boa função do véu palatino durante a deglutição, havendo fechamento completo do cavum, sem ocorrência de refluxo de alimento para a nasofaringe.
Quando solicitado a deglutir três vezes, o caminho observado feito pelo alimento seguia a seqüência: valéculaparede lateral - seios piriformes (Chih-hsies e colaboradores; Dua e colaboradores; Aviv e colaboradores). Quando grande quantidade era deglutida, uma parte fazia o caminho lateral e outra passava por sobre a epiglote (Dua e colaboradores).
Apenas um paciente apresentou penetração do alimento na laringe e este foi limpo satisfatoriamente com um movimento de tosse.
Três pacientes necessitaram de apenas uma deglutição, e sete necessitaram de duas deglutições para limpeza da faringe. Todos referiram sensação de limpeza da faringe após estas deglutições. Foi considerada limpeza da faringe a ausência de resíduos alimentares na valécula, parede lateral e posterior da faringe e seios piriformes.
Foram encontrados quatro pacientes com sinais de refluxo gastroesofágico - três homens e uma mulher. Foi considerada como sinal de refluxo gastro-esofágico a presença de eritema, edema e granulações nas aritenóides e região interaritenoídea.
DISCUSSÃO
A deglutição é um processo de grande importância para o organismo, pois é através dela que a água e os nutrientes chegam ao sistema gastrointestinal e são absorvidos; alterações neste mecanismo podem levar o indivíduo a certo grau de desnutrição, com séria repercussões no organismo.
A fase faríngea da deglutição tem uma grande importância na dinâmica da deglutição, pois compreende o caminho comum entre o sistema respiratório e o sistema digestivo, e problemas nesta fase agravam o risco de aspiração e aumentam a morbimortalidade destes pacientes.
A nasofibroscopia é um método excelente para se estudar a fase faríngea da deglutição, pois permite visão direta da região durante o ato deglutitório. É um método de fácil realização, rápido, indolor, pode ser feito ao lado do leito do paciente e não há exposição a radiação. Alguns inconvenientes são representados pelo alto custo do aparelho, além da necessidade de ser realizado por profissional treinado.
Os resultados deste estudo estão de acordo com os encontrados por Wu e colaboradores, Costa e colaboradores, Aviv e colaboradores, Dua e colaboradores.
Foi encontrado um número considerável de pacientes com sinais de refluxo gastroesofágico neste estudo, o que não foi citado por nenhum outro autor. Porém, este achado não interferiu no mecanismo da deglutição.
CONCLUSÃO
Portanto, podemos concluir que o estudo da fase faríngea da deglutição com o uso da nasofibroscopia é um método factível e de fácil realização. Não traz grandes incômodos ao paciente e proporciona uma ótima visão da anatomia e função dos grupos musculares locais, assim como melhor visualização da presença de aspiração ou penetração.
Este tipo de avaliação realizado com alimento líquido em pessoas adultas com idade entre 23 e 32 anos, de ambos os sexos, consideradas normais, apresentou o seguinte padrão:
- Manutenção do alimento na boca sem escape deste para a faringe enquanto não se iniciava a deglutição.
- Passagem do alimento líquido, quando deglutido em pequena quantidade, pela valécula, parede lateral, parede posterior e seios piriformes. E quando deglutida grande quantidade de uma só vez, uma parte passa por sobre a epiglote e outra segue o caminho anterior.
- Necessidade de até dois movimentos de deglutição, para que a faringe estivesse livre de alimento.
- Ausência de aspiração ou penetração do alimento na laringe após o término da deglutição.
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* Professor e Preceptor da Residência Médica da Santa Casa e Hospital Irmãos Penteados, de Campinas.
** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa e Hospital Irmãos Penteado, de Campinas.
Endereço para correspondência: Santa Casa e Hospital Irmãos Penteado, de Campinas - Departamento de Otorrinolaringologia - Av. Júlio de Mesquita - Cambuí - 13025-061 Campinas/ SP - Telefone: (0xx19) 232-4478.
Artigo recebido em 17 de março de 2000. Artigo aceito em 1° de junho de 2000.