INTRODUÇÃO
A deglutição é um dos processos neuromusculares mais complexos do corpo humano. Possui um componente voluntário e um involuntário, mobiliza mais de uma dezena de músculos e dura apenas alguns segundos.
Tem quatro fases distintas: preparatória oral, oral, faríngea e esofágica (Mckee e colaboradores).
Sabemos que o reflexo da deglutição acontece quando áreas do tronco cerebral, especificamente ponte e medula, são estimulados. Na ponte, regiões dorsais e ventrais ao núcleo trigêmeo, quando estimuladas, produzem a deglutição, mas estas regiões são mais relacionadas às seqüências dos processos de deglutição do que ao seu controle. As áreas responsáveis pelo controle da deglutição são: o núcleo do trato solitário, localizado na medula dorsal, e o núcleo ambíguo, situado na porção ventral da medula e responsável pela fase esofágica da deglutição.
O córtex cerebral é o maior responsável pela fase voluntária oral e faríngea da deglutição. Outras regiões cerebrais relacionadas à deglutição são: córtex paracentral, córtex silviano, giro pré-central e porção posterior do giro frontal inferior, relacionados com a duração e intensidade da deglutição.
As vias aferentes têm função primordial de estimular e modificara deglutição. São representadas pelo nervo laríngeo superior, glossofaríngeo, trigêmeo e lingual. O nervo trigêmeo é relativamente ineficiente em produzir deglutição. O nervo lingual tem como função inibir a deglutição.
Células sensitivas estão distribuídas por toda a cavidade oral e faríngea, e estudos demonstraram que os pilares amigdalianos são as regiões mais sensíveis á estímulos pressóricos leves, enquanto que a região posterior da faringe é mais sensível a estímulos pressóricos mais fortes, para desencadear a deglutição.
O processo de deglutição sofre alterações com a idade, e a alteração mais freqüente é a mudança de direção do bolo alimentar no segmento supraglótico durante a deglutição (Plant). Ocorre também diminuição da força muscular, o que acarreta a necessidade de maior número de movimentos deglutitórios para que a cavidade oral seja limpa. Há também um aumento do tempo de deglutição (Plant, Mckee e colaboradores). O idoso tem risco de aspiração três vezes maior. Na fase esofágica ocorre menor número de contrações peristálticas e diminuição da pressão no esfíncter superior do esôfago (Mckee e colaboradores).
Nas crianças, o processo de deglutição está completamente desenvolvido aos nove meses de idade (Darrow e colaboradores). Crianças com história materna de infeção, abuso de drogas, poliidramnio, anóxia peri-parto, Apgar baixo e ressuscitação prolongada têm alto risco de desenvolver patologias da deglutição.
Não há diferenças significativas na deglutição quanto ao sexo (Mckee e colaboradores).
A deglutição sofre influências quanto às características do alimento a ser deglutido, se líquidos ou pastosos (Dantas e colaboradores). A duração da deglutição foi maior para alimentos pastosos do que para líquidos (Dantas e colaboradores; Ertekin e colaboradores). O volume não alterou o tempo de deglutição (Dantas e colaboradores).
Os alimentos semi-sólidos necessitam de menor esforço muscular da laringe e faringe para serem deglutidos do que os alimentos líquidos (Dantas e colaboradores).
A deglutição pode ser estudada de várias formas, tais como história e exame físico, ideal para se estudar alterações da fase oral, ultra-sonografia, utilizada para estudar a fase oral e os movimentos da língua durante esta fase em lactentes, porque os dentes atrapalham a captação dos ultra-sons; cine-radiografia e fluoroscopia são estudos radiográficos utilizados para se estudar as fases oral, faríngea e esofágica da deglutição, onde se utiliza um meio de contraste radiopaco; mais recentemente, temos o fibroscópio, com o qual podemos estudar a fase faríngea da deglutição.
O objetivo deste trabalho é estudar a fase faríngea da deglutição de pessoas sem queixas de disfagia, ou outra alteração da deglutição, através da nasofibroscopia flexível, com a finalidade de estabelecer parâmetros de normalidade para este exame.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizada nasofibroscopia flexível em 10 voluntários, (seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino), com idade entre 23 e 32 anos, sem queixas de disfagia.
Todos os pacientes responderam a um questionário com 15 perguntas sobre sua deglutição, e apenas foram incluídos no estudo aqueles que tiveram todas as respostas negativas. O questionário constava das seguintes questões:
- Houve alteração no tempo de duração de sua refeição nos últimos tempos? - Houve modificação na dieta e quais comidas estão sendo bem e mal toleradas? - Existem dificuldades de começar a deglutir? - Há necessidade de deglutir duas ou três vezes? - Sobra comida na língua e nos vestíbulos após deglutir? - Há refluxo nasal? - Há sensação de parada de alimento? - Houve perda de peso recentemente? - Está evitando algum tipo de alimento? - Há pigarro após comer ou beber? - Há tosse ou falta de ar quando está comendo ou bebendo? - Fica rouco enquanto come ou depois de comer? - Apresenta infecções respiratórias com freqüência? - Está usando algum medicamento? Qual? - Apresenta alguma doença?
Os pacientes foram submetidos a exame físico da cavidade oral.
Foi realizada nasofibroscopia com o paciente em posição sentada, com o monitor à sua frente, a fim de proporcionar um biofeedbacke aumentar a cooperação do paciente durante o exame. Não foi utilizado anestésico local no nariz ou na faringe.
O endoscópio foi posicionado inicialmente no cavum, para se visualizar a função do palato mole durante a deglutição. Posteriormente, o endoscópio foi posicionado no nível da úvula, para se obter boa visão da base da língua, parede faríngea posterior, lateral e endolaringe. No final do exame, o fibroscópio foi posicionado no nível do pólo superior da epiglote, para melhor visualização dos seios piriformes, endolaringe e padrão de fechamento das vias aéreas durante a deglutição.
Todos os exames foram gravados em fita de vídeo, para que pudessem ser reavaliados quantas vezes fossem necessárias.
O alimento apresentado ao paciente foi iogurte natural liquido não diet, de coloração branca, colocado em um copo plástico e sugado por canudo plástico. A quantidade não foi medida, apenas sugerimos que o paciente sugasse grande quantidade ou apenas sugasse.
Primeiramente, o paciente era solicitado a deglutir sem o iogurte para se observar a ação muscular e a limpeza da saliva da região faríngea. A seguir, pedíamos que o paciente sugasse o iogurte e o mantivesse na boca. Após, solicitávamos que deglutisse normalmente o iogurte. Solicitamos, então, que o paciente sugasse grande quantidade de iogurte e deglutisse de uma só vez; e depois, com a mesma quantidade, deglutisse em três goles consecutivos.
Estudamos, então, o comportamento do acúmulo de iogurte durante certas etapas, assim como a eliminação de resíduos.
RESULTADOS
Todos os pacientes considerados como normais, analisados, não apresentavam queixas de disfagia e deram resposta negativa às perguntas do questionário acima, que tinha por finalidade detectar qualquer alteração no mecanismo de deglutição.
O exame da cavidade oral foi considerado normal em todos os pacientes.
Os pacientes foram estudados quanto à anatomia da região faringolaríngea, a presença de secreção acumulada na hipofaringe, o número de deglutições necessário para a limpeza da faringe, sensação de limpeza da faringe e eficácia da tosse em limpar a laringe de partículas alimentares que porventura viessem a penetrar ou ser aspiradas. Para tanto, foram definidas como:
- Penetração, a passagem de alimentos para a laringe sem contudo ultrapassaras verdadeiras cordas vocais; e,
- Aspiração, a passagem de alimentos para a laringe ultrapassando as verdadeiras cordas vocais.
Todos os pacientes estudados apresentaram anatomia faringolaríngea normal, ausência de secreção acumulada na valécula, parede lateral e posterior da faringe e seios piriformes. - Todos referiram sensação de limpeza da faringe após a deglutição sem iogurte.
Todos os pacientes apresentaram cordas vocais normais. Todos os pacientes conseguiram manter o iogurte na boca sem apresentar escape do alimento para a faringe antes de iniciar a deglutição.
Quando o iogurte foi deglutido, as seguintes regiões apareceram coradas em todos os pacientes: valécula, paredes laterais e posteriores da faringe e seios piriformes.
Todos apresentaram boa função do véu palatino durante a deglutição, havendo fechamento completo do cavum, sem ocorrência de refluxo de alimento para a nasofaringe.
Quando solicitado a deglutir três vezes, o caminho observado feito pelo alimento seguia a seqüência: valéculaparede lateral - seios piriformes (Chih-hsies e colaboradores; Dua e colaboradores; Aviv e colaboradores). Quando grande quantidade era deglutida, uma parte fazia o caminho lateral e outra passava por sobre a epiglote (Dua e colaboradores).
Apenas um paciente apresentou penetração do alimento na laringe e este foi limpo satisfatoriamente com um movimento de tosse.
Três pacientes necessitaram de apenas uma deglutição, e sete necessitaram de duas deglutições para limpeza da faringe. Todos referiram sensação de limpeza da faringe após estas deglutições. Foi considerada limpeza da faringe a ausência de resíduos alimentares na valécula, parede lateral e posterior da faringe e seios piriformes.
Foram encontrados quatro pacientes com sinais de refluxo gastroesofágico - três homens e uma mulher. Foi considerada como sinal de refluxo gastro-esofágico a presença de eritema, edema e granulações nas aritenóides e região interaritenoídea.
DISCUSSÃO
A deglutição é um processo de grande importância para o organismo, pois é através dela que a água e os nutrientes chegam ao sistema gastrointestinal e são absorvidos; alterações neste mecanismo podem levar o indivíduo a certo grau de desnutrição, com séria repercussões no organismo.
A fase faríngea da deglutição tem uma grande importância na dinâmica da deglutição, pois compreende o caminho comum entre o sistema respiratório e o sistema digestivo, e problemas nesta fase agravam o risco de aspiração e aumentam a morbimortalidade destes pacientes.
A nasofibroscopia é um método excelente para se estudar a fase faríngea da deglutição, pois permite visão direta da região durante o ato deglutitório. É um método de fácil realização, rápido, indolor, pode ser feito ao lado do leito do paciente e não há exposição a radiação. Alguns inconvenientes são representados pelo alto custo do aparelho, além da necessidade de ser realizado por profissional treinado.
Os resultados deste estudo estão de acordo com os encontrados por Wu e colaboradores, Costa e colaboradores, Aviv e colaboradores, Dua e colaboradores.
Foi encontrado um número considerável de pacientes com sinais de refluxo gastroesofágico neste estudo, o que não foi citado por nenhum outro autor. Porém, este achado não interferiu no mecanismo da deglutição.
CONCLUSÃO
Portanto, podemos concluir que o estudo da fase faríngea da deglutição com o uso da nasofibroscopia é um método factível e de fácil realização. Não traz grandes incômodos ao paciente e proporciona uma ótima visão da anatomia e função dos grupos musculares locais, assim como melhor visualização da presença de aspiração ou penetração.
Este tipo de avaliação realizado com alimento líquido em pessoas adultas com idade entre 23 e 32 anos, de ambos os sexos, consideradas normais, apresentou o seguinte padrão:
- Manutenção do alimento na boca sem escape deste para a faringe enquanto não se iniciava a deglutição.
- Passagem do alimento líquido, quando deglutido em pequena quantidade, pela valécula, parede lateral, parede posterior e seios piriformes. E quando deglutida grande quantidade de uma só vez, uma parte passa por sobre a epiglote e outra segue o caminho anterior.
- Necessidade de até dois movimentos de deglutição, para que a faringe estivesse livre de alimento.
- Ausência de aspiração ou penetração do alimento na laringe após o término da deglutição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Professor e Preceptor da Residência Médica da Santa Casa e Hospital Irmãos Penteados, de Campinas. ** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa e Hospital Irmãos Penteado, de Campinas.
Endereço para correspondência: Santa Casa e Hospital Irmãos Penteado, de Campinas - Departamento de Otorrinolaringologia - Av. Júlio de Mesquita - Cambuí - 13025-061 Campinas/ SP - Telefone: (0xx19) 232-4478. Artigo recebido em 17 de março de 2000. Artigo aceito em 1° de junho de 2000.
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