Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 233 a 240

 

AUDIOMETRIA DE TRONCO ENCEFÁLICO COM TONE PIP: UMA ESTIMATIVA DO LIMIAR AUDITIVO ELETROFISIOLÓGICO EM 1.000 HZ.

Auditory Brainstem response Using Tone Pip: A Estimation of the auditory Threshold at 1.000 Hz.

Autor(es): Cláudia M. Valete*,
Marco A. M. T. Lima**

Palavras-chave: potenciais evocados auditivos de tronco cerebral, limiar auditivo, estimulação acústica, audiometria ele tons puros

Keywords: auditory brainstem response, auditory threshold, acoustic stimulation, pure tome audiometry

Resumo:
Introdução: A audiometria de tronco encefálico (ABR) permite a avaliação da função auditiva em populações de difícil estudo. Uma das suas maiores limitações é a falta de seletividade de freqüência do estímulo sonoro comumente usado, o clique. Material e método: O presente trabalho estudou a audiometria de tronco encefálico com tone pip de 1.000 Hz em 30 indivíduos com audição normal, visando determinara confiabilidade da resposta e a média da diferença entre o limiar auditivo eletrofisiológico ele 1.000 Hz e o limiar tonal puro de 1.000 Hz. Resultados: Foi observada a presença apenas da onda V, nítida e bem definida. Na medida em que a intensidade do estímulo foi diminuída, verificou-se o aumento da latência da onda V. A onda V foi detectada em 100% dos exames até 40 dBNA, 86,7% em 30 dBNA e 41,7% em 20 dBNA. O limiar auditivo eletrofisiológico foi obtido com valor médio de 27 dBNA, com uma média de diferença de 21 dB em relação ao limiar psicoacústico para tom puro de 1.000 Hz. Conclusão: Os resultados obtidos coincidiram com os de outros estudos realizados com parâmetros de estímulos tonais breves semelhantes, sendo possível, portanto, concluir que o tone pip de 1.000 Hz foi capaz de gerar respostas confiáveis na ABR. Novos estudos são necessários, com pessoas com perda auditiva, para determinar a seletividade da freqüência do tone pip de 1.000 Hz e para a determinação de fator de correção ideal entre limiar auditivo eletrofisiológico em 1.000 Hz e limiar psicoacústico com tom puro de 1.000 Hz.

Abstract:
Introduction: The Auditory Brainstem Response (ABR) allows the evaluation of the auditory function in hard-to-test population. One of its major limitations is the lack of frequency specific of the most commonly used stimulus, the click. Material and methods: The present work have studied-ABR to 1000 Hz tone pip in 30 normal-hearing subjects, to determine the riliability of the responses and the difference between ABR threshold and the subjective pure-tone threshold at 1000 Hz. Results: Only wave V was identified and as intensity decreased, the latency of wave V increased. The wave V has been identified in 100% of cases at 40 dBHL, 86.7% at 30 dBHL and 41.7% at 20 dBHL. The ABR threshold average to 27 dBHL and the difference between ABR threshold and the subjective pure-tone threshold - at 1000 Hz amounted to 21 dB. Conclusion: These data agreed with other studies with similar stimulus parameters. We concluded that 1000 Hz tone pip was able to evocate ABR. New studies are needed, in subjects with hearing loss, to determine the ideal correction factor between the ABR threshold and the subjective pure-tone threshold.

INTRODUÇÃO

A audiometria de tronco encefálico (auditory brainstem response - ABR) é um potencial evocado de curta latência, que reflete a ativação progressiva da cóclea, nervo auditivo e tronco encefálico e que é caracterizada por uma série de ondas (1 a VII) que ocorrem nos primeiros dez ms após o estímulo auditivo21. O uso clínico mais importante da ABR é na avaliação do mecanismo auditivo periférico de crianças muito pequenas, hiperativas, com distúrbios emocionais Ou que, por qualquer outra razão, sejam incapazes de serem submetidas a uma audiometria comportamental convencional10, assim como na população de pseudo-hipoacúsicos26. No entanto, uma das maiores limitações da ABR é a falta de seletividade de freqüência do estímulo sonoro mais comumente usado, o dique. Um clique provoca uma vibração global da membrana basilar e, devido ao seu tempo mínimo de disparo, permite uma estimulação sincrônica das fibras auditivas neurais, seguida por potenciais evocados claramente identificáveis. Isto permite a estimativa da função auditiva nas freqüências de 2.000a 4.000 Hz e, mais especificamente, na freqüência de 3.000 Hz9, 29. Portanto, a ABR com cliques pode superestimar uma perda auditiva nas freqüências baixas, já que, na maioria dos casos, a perda auditiva coclear inicia-se, e é mais grave, em freqüências mais altas. Além disto, a ABR pode não detectar uma perda auditiva restrita às freqüências baixas6. A perda auditiva em freqüências mais baixas pode, entretanto, comprometer seriamente o desenvolvimento da fala em crianças. Além do quê, a adaptação de uma prótese auditiva pode ser melhor realizada se existir informação a respeito da função auditiva em freqüências mais baixas8. Portanto, como o conhecimento do limiar auditivo nas freqüências de 500 e 1.000 Hz é muito importante na clínica audiológica2, a ABR específica para estas freqüências é de extrema utilidade.

Existem duas abordagens principais, utilizadas para se obter ABR com seletividade de freqüência: 1) uso de mascaramento para isolar áreas na cóclea, com respostas a freqüências específicas; 2) uso de estímulos com freqüência específica, ou seja, estímulos tonais breves. O uso de mascara mento oferece várias desvantagens; entre elas, a dificuldade de identificação de respostas supraliminares e O tempo gasto no ajuste da intensidade apropriada de mascaramento8. Em contrapartida, a maioria dos equipamentos de ABR tem incorporados estímulos tonais breves, que são de uso tecnicamente mais simples6.

Os estímulos tonais breves são, usualmente, denominados de várias formas: cliques filtrados, tone pips ou tone bursts breves10. A utilização de tone pip de 1.000 Hz permite obter um estímulo tonal com espectro de freqüência estreito, obtendo assim informação específica da freqüência de 1.000 Hz. Estudos mostram que, para a freqüência de 1.00() Hz, o tempo de subida/descida ideal para o tone pip é de 2 ms, com platô ele 1 ms e duração total do estímulo de 5 ms e formato 2-1-211, 28 (Figuras 1 e 2).



Figura 1. Representação da forma da onda acústica de um tone pip de 1.000 Hz.



Figura 2. Representação do espectro acústico de um tone pip de 1.000 Hz.



Portanto, a utilização da ABR com tone pip (te 1.000 Hz, juntamente com a ABR com cliques, permite a avaliação mais ampla da função auditiva em populações de difícil estudo, corno os recém-natos, lactentes, pessoas cota múltiplas deficiências e outras que sejam incapazes, ou que não desejam responder adequadamente aos testes audiométricos convencionais, permitindo assim a avaliação do método terapêutico adequado a ser empregado em cada paciente.

O presente estudo visa obter informações do limiar auditivo eletrofisiológico da ABR, com tone pip de 1.000 Hz, em pessoas com audição normal.

Os objetivos específicos são:

- Determinação da reprodutibilidade e índice de detecção da onda V.
- Avaliação da latência da onda V em relação à intensidade do estímulo.
- Determinação do limiar auditivo eletrofisiológico em 1.000 Hz.

o Determinação da média da diferença entre o limiar auditivo eletrofisiológico com tone pip de 1.000 Hz e o limiar psicoacústico com tom puro de 1.000 Hz.

MATERIAL E MÉTODO

Este estudo foi realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia, do Departamento de Otorrino e Oftalmologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Setor de Métodos Especiais do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), no período de julho a outubro de 1998.

Foram analisados, prospectivamente, 30 indivíduos voluntários, selecionados entre alunos de graduação de Medicina e de Fonoaudiologia e funcionários do HUCFF. Quanto à distribuição por sexo, 15 eram do sexo masculino, com idade entre 20 e 38 anos (média de 24,67 anos ± 4,42 DP) e 15 eram do sexo feminino, com idade entre 20 e 36 anos (média de 25 anos ± 3,91 DP).

Foram considerados critérios de inclusão: idade entre 20 e 40 anos, exame otoscópico normal e audiometria tonal limiar dentro da normalidade16.

Foram considerados critérios de exclusão: história clínica ou antecedentes de doenças otológicas, doenças neurológicas, sífilis, diabetes mellitus, uso de drogas, alcoolismo, insuficiência renal, traumatismo crânio-encefálico e pacientes em tratamento medicamentoso.

O protocolo de pesquisa foi previamente analisado e aprovado pela Comissão de Ética Médica do HUCFF. Todos os indivíduos participantes foram devidamente informados do objetivo e dos procedimentos envolvidos no presente estudo e assinaram termo de consentimento.

Foram analisados os limiares psicoacústicos do tom puro de 1.000 Hz e os limiares eletrofisiológicos obtidos através de estimulação com tone pip na freqüência de 1.000 Hz.

Inicialmente, foram determinados os limiares psicoacústicos de tons puros, com audiômetro da marca Beltone modelo 112, em sala com isolamento acústico. Foram anotados, no protocolo da pesquisa, os valores dos limiares psicoacústicos do tom puro de 1.000 Hz.

A seguir, a ABR foi realizada no aparelho da marca Amplaid, modelo MK-15, em sala com isolamento acústico e com temperatura ambiente em torno de 25°C. Os voluntários foram acomodados em decúbito dorsal, em posição confortável na maca, com a cabeça e o pescoço bem apoiados e da forma mais relaxada possível, com a finalidade de diminuir ao máximo a atividade muscular. Os locais de fixação dos eletrodos foram limpos com solução de éter-álcool a 50%, seguindo-se o uso de pasta abrasiva nestes locais. Foi aplicada pasta de betonita nos eletrodos de superfície e os mesmos foram fixados na pele limpa com fita adesiva. O eletrodo positivo foi colocado no alto da linha média da fronte, junto à linha de implantação dos cabelos (Fz)10, os eletrodos negativos foram colocados na face anterior de ambos os lóbulos dos pavilhões auriculares (Al = Orelha Esquerda e A2 = Orelha Direita)27; e o eletrodo terra, no mento. Foi considerada adequada a impedância individual dos eletrodos menor que 5 kOhms, e a impedância diferencial intereletrodos, abaixo de 3 kOhms. Foram utilizados os fones de ouvido TDH 49.

O estímulo utilizado foi o tone pip de 1.000 Hz, com duração de 5 ms e formato 2-1-211, 28, com polaridade negativa12 e um ritmo de apresentação de 31 estímulos/s12. Foi realizada estimulação monoaural, sem mascaramento contra-lateral. Foi utilizado filtro passa-faixa de 50 a 1.500Hz12. Utilizou-se apenas a derivação ipsilateral do registro, com tempo de análise de 15 ms12, com sensibilidade de entrada de 5 microvolts/divisão e, de saída de 100 nanovolts/divisão.

Através da aferição do estímulo com decibelímetro Quest Electronic (modelo 8207), multímetro digital Minipa (modelo ET 2700), osciloscópio Tektronix (modelo T 912), e Artificial Ear 6CC, shield TDH 49, Brüel & Kjaer modelos, 2010, 2609 e 2203, foi determinado que 40 dB pe NPS do tone pip de 1.000 Hz equivale a 0 dB NA2, 5, 6.

A pesquisa do limiar foi realizada, inicialmente, na orelha direita e, a seguir, na orelha esquerda. Iniciou-se com uma intensidade de 60 dB NA, que foi diminuída em degraus de 10 em 10 dB, até o desaparecimento da onda V. Foi considerada como limiar eletrofisiológico para tone pip em 1.000 Hz a última intensidade onde foi possível identificar e duplicar a onda V. Para cada registro foram apresentados 2.000 estímulos, que foram, a seguir, repetidos para verificação da reprodutibilidade das ondas. Após obtenção final dos resultados, os dados foram devidamente impressos.

Os resultados foram submetidos a análise estatística pela Comissão de Investigação Científica do HUCFF. Foi realizada a análise descritiva, com média, desvio-padrão (DP) e mediana, dos valores de latência da onda V, dos limiares psicoacústicos com tom puro de 1.000 Hz e limiares auditivos eletrofisiológicos com tone pip de 1.000 Hz e da diferença entre essas duas variáveis de limiar.

RESULTADOS

Foi encontrada uma única onda vértex-positiva, que foi denominada de onda V (Figura 3).



Figura 3. ABR com tone pip de 1.000 Hz em intensidades decrescentes até o limiar auditivo eletrofisiológico. Observar presença de microfonismo coclear antecedendo a onda V.



Na medida em que a intensidade do estímulo foi diminuída, observou-se aumento da latência da onda V. Foi realizada a análise descritiva, com média e desvio-padrão, da latência da onda V em relação à intensidade do estímulo (Tabela 1).

Onda V foi identificada em 100% dos exames de 60 a 40 dB NA; em 86,7%, em 30 dB NA; e em 41,7%, em 20 dB NA. A média do limiar psicoacústico com tom puro de 1.000 Hz foi de 6.08 dB NA, com desvio-padrão de 4,13 e mediana de 5.0 dB NA.

A média do limiar eletrofisiológico obtido com tone pip de 1.000 Hz, com formato 2-1-2, foi de 27,17 dB NA, com desvio-padrão de 6,91; e mediana, de 30 dB NA.

A média da diferença entre os limiares auditivos eletrofisiológicos com tone pip de 1.000 Hz, e os limiares psicoacústicos com tom puro de 1.000 Hz, foi de 21,08 dB, com desvio-padrão de 8,49; e mediana, de 20 dB.

DISCUSSÃO

Configuração da ABR gerada por tone pip de 1.000 Hz A configuração da resposta obtida no presente estudo está de acordo com a literatura, tendo sido possível observar a presença de uma única onda vértex-positiva, larga13, 22, 1, 15, 2, precedendo a maior negatividade vista no traçado18, 23. A latência média da onda V variou de 7,08 a 9,68 ms, após o início do estímulo23, de acordo com a diminuição da intensidade de 60 dB NA para 20 dB NA. Foi observado que, na medida em que a intensidade diminuía, a onda V alargava, tornando-se mais arredondada, dificultando assim a definição de seu pico18, 25. As respostas encontradas foram reprodutíveis e comparáveis entre os indivíduos testados18 (Figura 3).

Latência da onda V

Os valores de latência foram reprodutíveis, sem muita variação entre os indivíduos, com desvio padrão não ultrapassando 10% da média desses valores18. Na medida em que a intensidade do estímulo foi diminuída, verificou-se o aumento da latência da onda V, conforme pode ser visto na Tabela 1. As latências obtidas neste e em outros estudos estão representadas na Tabela 2.

Uma comparação da latência da onda V com dados de outros estudos é perigosa, devido aos parâmetros distintos dos estímulos`, sendo que a diferença entre as latências podem estar refletindo diferenças espectrais elos vários estímulos utilizados18. Comparando as latências de onda V obtidas com os valores dos outros estudos, verificamos dados semelhantes aos obtidos por Hawes & Greenberg19, que também utilizaram o tone pip de 1.000 Hz com formato 2-1-2. Entretanto, verificamos diferenças em relação aos demais estudos. Davis e colaboradores12, apesar de usarem estímulo tonal semelhante ao do presente estudo, tinham uma população de observação bem diversa, já que examinaram crianças com faixa etária não especificada, mas que incluía neonatos e lactentes, o que justifica os valores aumentados de latência encontrados por estes autores30. Maurizi e colaboradores22 e Folsom e Wynne14 utilizaram estímulos tonais diferentes do tone pip de 1.000 Hz com formato 2-1-2; portanto, com provável variação no espectro de freqüência do estímulo, o que provocou a diversidade dos resultados obtidos.

Percentual de detecção da onda V

Observamos a presença de onda V em tocos os indivíduos testados, em ambas as orelhas. O percentual de detecção da onda V diminuiu na medida em que a intensidade do estímulo foi reduzida, com detecção ele 100% até 40 dB NA, de 86,7% em 30 dB NA e de 41,7% em 20 dB NA. A redução do percentual de detecção da onda V na medida em que ocorre a diminuição da intensidade dos estímulos de freqüência reais baixa é decorrente da redução da influência na resposta de faixa de alta freqüência do espectro acústico desses estímulos, provocando alargamento de onda V, assim como redução de sua amplitude e aumento de sua latência, tornando mais difícil sua identificação27.

Comparando os resultados obtidos com os de outros estudos, podemos verificar valores próximos de percentual de detecção da onda V deste estudo em relação aos valores de Maurizi e colaboradores22, que obtiveram percentual de detecção da onda V de 100% em 30 dB NA e de 52,6% em 20 dB NA, e Barajas e Zeinker, que obtiveram detecção da onda V de 100% em 45 dB NA.



TABELA 1 - Valores em ms da média, desvio-padrão (DP), mediana e valores mínimos e máximos da latência da onda V, em relação à intensidade do estímulo. N = número de orelhas.



TABELA 2 - Valores de latência e desvio-padrão da onda V, de acordo com a intensidade, obtidos por diversos autores, com estímulos concentrados na freqüência de 1.000 Hz.



A diferença notada em relação ao estudo de Hawes e Greenberg19, que obtiveram percentual de detecção da onda V de 57,5% em 60 dB NA, 47,5% em 40 dB NA e 22,5% em 20 dB NA, poderia ser explicada pela utilização de filtro passa-faixa com freqüência de corte inferior em 30 Hz, com o objetivo de melhorar a detecção de SN10 em detrimento da detecção da onda V. No presente estudo, foi utilizado o filtro passa-faixa com freqüência de corte inferior de 50 Hz, melhorando assim a obtenção de onda e V justificando os bons resultados obtidos.

Limiar auditivo eletrofisiológico com tone pip de 1.000 Hz

A média do limiar eletrofisiológico obtido com tone pip ele 1.000 Hz, com formato 2-1-2, foi de 27,17 dB NA, com desvio-padrão de 6,91. Os resultados obtidos neste e em outros estudos estão na Tabela 3.

As razões mais prováveis para a variação entre os estudos incluem o tipo de filtro usado e o estado de consciência dos indivíduos testados, sendo melhores as respostas obtidas durante o sono3. Os resultados deste estudo assemelham-se com os obtidos por Maurizi e colaboradores22, Conijin, Brocaar, Van Zanten5 e Barajas e Zenker2. Em contrapartida, Frattali e colaboradores15 obtiveram valores absolutos de limiar auditivo eletrofisiológico maiores em relação ao de 21 dB acima do limiar psicoacústico para tom puro ele 1.000 Hz aqui relatado. Este resultado pode, no entanto, ser justificado pela utilização, por Frattali e colaboradores15, de filtro passa-faixa com freqüência de corte inferior de 100 Hz, o que provoca uma diminuição da qualidade da resposta obtida e, conseqüentemente, um aumento do valor absoluto do limiar obtido12. Em relação a Brama e Sohmer4 e a Purdye colaboradores25, o resultado do presente estudo mostrou-se muito discordante, apresentando valor absoluto da média do limiar auditivo eletrofisiológico bem superior ao por eles encontrados.



TABELA 3 - Limiares auditivos eletrofisiológicos obtidos por diversos autores, com estímulos concentrados na freqüência de 1.000 Hz.




Supomos que a discordância dos dados seja decorrente de diferenças no procedimento, na aferição do estímulo ou nos indivíduos testados, como ressaltado por Purdy e colaboradores25. Convém lembrar que os indivíduos utilizados por Purdy e colaboradores25 apresentavam limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz em 0 dB NA, diferentemente do que ocorreu neste estudo, que apresentou limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz com média de 6 dB NA, enquanto que a população estudada por Brama e Sohmer4 foi de 16 indivíduos com audição normal, com faixa etária variando entre 4 e 30 anos, bem diferente da nossa, que variou de 20 a 38 anos.

Média da diferença entre limiar auditivo eletrofisiológico de 1. 000 Hz e limiar psicoacústico tonal puro de 1. 000 Hz

Neste estudo, foi obtida uma média da diferença entre os limiares auditivos eletrofisiológicos com tone pip de 1.000 Hz e os limiares psicoacústicos com tom puro de 1.000 Hz de 21,08 dB, com desvio padrão de 8,49.

Os limiares eletrofisiológicos e psicoacústicos são diferentemente afetados pela duração do estímulo e ritmo de apresentação17, 20. Os valores absolutos de limiar psicoacústico diminuem com o aumento da duração Ou do ritmo de apresentação do estímulo utilizado, enquanto que o limiar auditivo eletrofisiológico da ABR, que depende mais do início do estímulo, é menos afetado. Este fato justifica a existência de diferença entre o limiar psicoacústico tonal puro e o limiar auditivo eletrofisiológico encontrado na ABR.

Pratt, Ben-Yitzhak e Attias21 obtiveram limiares auditivos eletrofisiológicos com clique mascarado por ruído com filtro rejeita-faixa com FC de 1.000 Hz, 40 a 45 dB acima do limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz.

Gorga e colaboradores18 observaram limiar auditivo eletrofisiológico aumentado em relação ao limiar psicoacústico tonal puro nas freqüências correspondentes, em especial nas mais graves. A diferença média entre o limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz e o limiar auditivo eletrofisiológico com tone burst breve de 1.000 Hz, com formato 2-1-2, foi de 21 dB, com desvio padrão de 8.

Purdy e colaboradores25, através da estimulação com tone pip de 1.000 Hz, com formato 2-1-2, obtiveram limiar auditivo eletrofisiológico 10 dB acima do limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz.

Conijin, Brocaar e Van Zanten5, através da estimulação com clique mascarado por ruído com filtro passa-alta de 1.590 Hz, obtiveram 20 dB de diferença entre limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz e limiar auditivo eletrofisiológico de 1.000 Hz.
Conijin, Brocaar e Van Zanten5, através da estimulação com clique filtrado de 1.000 Hz, cole subida/descida de 3,5 ms e sem platô, obtiveram 19 dB de diferença entre limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz e limiar auditivo eletrofisiológico de 1.000 Hz.

Frattali e colaboradores15 encontraram limiar auditivo eletrofisiológico de 40 a 45 dB NS, em relação ao limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz, sugerindo que a utilização de fator de correção de 40 dB seria capaz de predizer o limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz, com aproximação de 10 dB.

Os resultados obtidos por Gorga e colaboradores18 e Conijin, Brocaar e Van Zanten5, 6 estão de acordo com os resultados obtidos no presente estudo. No entanto, verificamos um maior valor absoluto da diferença entre os limiares tonal puro de 1.000 Hz e eletrofisiológico obtidos por Pratt, Ben-Yitzhak e Attias15 e Frattali e colaboradores", o que é justificável pelo uso, por estes autores, de filtro passa-faixa com freqüência de corte inferior de 100 Hz, que dificulta a identificação da onda V, prejudicando assim a obtenção do limiar auditivo eletrofisiológico. Em relação ao menor valor da diferença entre os limiares auditivos eletrofïsiológicos de 1.000 Hz e psicoacústicos com tom puro de 1.000 Hz encontrado por Purdy e colaboradores25, devemos lembrar os valores absolutos baixos de limiar auditivo eletrofisiológico por eles encontrados, com a utilização apenas de pessoas com limiar psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz em 0 dB NA, ficando justificados, portanto, os valores também reduzidos da diferença entre os dois limiares.

Considerando os dados anteriormente descritos, onde a média da diferença entre os limiares psicoacústico tonal puro de 1.000 Hz e eletrofisiológico de 1.000 Hz está em torno de 20 dB, julgamos adequada a utilização de fator de correção de 20 dB entre estes dois limiares em pessoas normais12.

No entanto, vale ressaltar que outros estudos mostraram que a média da diferença entre os limiares psicoacústico tonal puro e eletrofisiológico de 1.000 Hz em pacientes com perda auditiva é menor que a obtida em pessoas normais, provavelmente devido à presença de recrutamento6, 7, 8.

Portanto, julgamos que são necessários novos estudos, avaliando pacientes com perdas auditivas diversas para determinação cia correlação significativa ou não entre o limiar tonal puro de 1.000 Hz e o limiar eletrofisiológico obtido com tone pip de 1.000 Hz. Isto tornaria possível obter fator de correção entre os dois limiares, que possa ser usado na predição do limiar auditivo tonal de 1.000 Hz, independentemente da presença de audição normal ou de comprometimento auditivo, de diferentes tipos e graus.

CONCLUSÕES

1 - A onda V foi a única identificada na ABR com tone pip de 1.000 Hz. As respostas encontradas foram reprodutíveis e comparáveis entre os indivíduos testados.

2 - A latência da onda V aumentou com a diminuição da intensidade do estímulo.

3 - Foi possível obter onda V com tone pip de 1.000 Hz, em pessoas com audição normal, em: 100% nas intensidades de 60 a 40 dB NA; 86,7% em 30 dB NA; e em 41,7% em 20 dB NA.

4 - O limiar auditivo eletrofisiológico, utilizando tone pip de 1.000 Hz, foi obtido com valor médio de 27 dB NA.

5 - A média das diferenças entre o limiar auditivo eletrofisiológico de 1.000 Hz e o limiar psicoacústico-tonal puro de 1.000 Hz foi de 21 dB.

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* Professora Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestre em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
** Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Doutor em Otorrinolaringologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Resumo da Tese apresentada a Pós-graduação de ORL da Faculdade de Medicina da UFRJ, em setembro de 1999, para obtenção do Título de Mestre em Medicina. Autor: Cláudia Maria Valete. Orientador: Marco Antonio de Melro Tavares de Lima. Apresentado como tema livre no I Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, de 13 a 18 de novembro de 1999, em São Paulo/ SP.
Endereço para contato: Dra. Claudia Maria Valete-Rua Dr. Oscar Pimentel 95, Apt° 202 - Tijuca - 20260-290 Rio de Janeiro/ RJ
Telefone: (0xx21) 567-1342 - E-mail: anvalete@ccard.com.br
Artigo recebido em 2 de março de 2000. Artigo aceito em 6 de abril de 2000.

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