Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 144 a 148

 

POTENCIAIS EVOCADOS AUDITIVOS DE LONGA LATÊNCIA (P300) EM ADULTOS JOVENS SAUDÁVEIS: UM ESTUDO NORMATIVO.

Auditory evoked long-latency potentials (P300) in healthy young adults: a normative study.

Autor(es): José F. Colafêmina*,
Ana C. N. de Fellipe**,
Cinthia A. O. Junqueira***,
Ana C. Frizzo****.

Palavras-chave: potenciais auditivos tardios, potencial cognitivo, potencial relacionado a eventos, P300 auditivo

Keywords: late auditory potentials, event-related auditory potential, cognitive potential, P300 auditory

Resumo:
Introdução: Os potenciais evocados auditivos de longa latência (P300) têm sido enfatizados, nas pesquisas atuais, como um instrumento de investigação clínica do processamento auditivo central, relacionado principalmente com os processos cognitivos. Objetivo: O presente estudo teve como objetivo pesquisar estes potenciais numa população de adultos jovens saudáveis, estudando a latência e amplitude dos componentes para ambos os sexos, a fim de estabelecer um padrão normativo para futuros estudos. Material e método: Os sujeitos avaliados (10 do sexo feminino e 10 do sexo masculino) eram otologicamente normais, sem história neurológica, de aprendizagem e stress (no momento do exame). Resultados: Os valores médios de latência e amplitude encontrados foram condizentes com a literatura consultada. Os sujeitos do sexo feminino apresentaram, significantemente, latências de N1, P2 e N2 menores e amplitude de N1 maior em relação aos do sexo masculino.

Abstract:
Introduction: The long latency auditory evoked potentials (P300) it has been emphasized, in the current researches, as an instrument of investigation of the central auditory processing, related mainly with the cognitive processes. Purpose: The present study has as objective to research these potentials in a population of healthy young adults, studying the latency and amplitude of the components for both females and males, in order to establish a normative data for future studies including pathologies. Material and methods: Twenty individuals (10 females and 10 males) with normal hearing, without neurological history, of learning and stress (in the present moment) participed of this study. Results: The mean values obtained of latency and amplitude were agreeable with to consulted literature. The females presented latency of N1, P2 and N2 smaller than males and larger amplitude of N1 larger.

INTRODUÇÃO

Os potenciais evocados auditivos de longa latência (PEALL) têm sido enfatizados, nas pesquisas atuais, como um instrumento de investigação do processamento da informação (codificação, seleção, memória e tomada de decisão). Estes potenciais permitem avaliar a atividade cortical envolvida nas habilidades de discriminação, integração e atenção do cérebro (Kraus e McGee, 1994).

O P300 (P3), em especial, é chamado de potencial cognitivo (endógeno) por refletir o uso funcional que o sujeito faz do estímulo, não dependendo diretamente de suas características físicas.

Também chamado de potencial relacionado a eventos, o P300 pode ser eliciado pela discriminação entre dois estímulos sonoros diferentes entre si, um apresentado de forma freqüente e outro ocorrendo apenas raramente.

O sujeito é instruído a responder (contar mentalmente), dirigindo sua atenção somente ao estímulo raro. Como conseqüência, observa-se a formação de uma onda positiva ocorrendo aproximadamente em 300 ms (pós-estímulo), com amplitude variando entre 10 e 20 microvolts (Sutton, 1965; Polich, 1986). O P300 tem sido empregado no estudo dos distúrbios cognitivos e neurológicos, como os que ocorrem na demência, depressão, esquizofrenia e Alzheimer (Pfefferbaum e colaboradores, 1984; Patterson e colaboradores, 1988).

Com relação aos possíveis geradores deste potencial cognitivo, é sugerido que o local crítico venha a ser o neocortex lateral do lobo parietal inferior, correspondendo às habilidades de orientação e atenção para as tarefas de eventos relevantes. Essas atividades também ocorrem simultaneamente no hipocampo e lobo frontal. Assim, o lobo parietal inferior interage com áreas pré-frontais medial e lateral nos processos de atenção, e estas áreas paralímbicas heteromodais interagem cola o hipocampo nos processos de memória (Smith e colaboradores, 1990).

Alguns autores relatam uma variação nos valores do P300, como aumento da latência (Goodin e colaboradores, 1978; Polich, 1991) e diminuição da amplitude (Verleger e colaboradores, 1991) com o avanço da idade.

Segundo César e Munhoz (1999), a variabilidade pode ocorrer também dependendo do tipo de tarefa utilizada. Diferentes ordens, como resposta ao estímulo raro, como por exemplo contar mentalmente ou levantar a mão, podem resultar em diferentes valores de latência e amplitude.

Em Polich (1991), fatores como sexo, hora do dia, labilidade cognitiva, temperatura do corpo, estação do ano, ingestão de alimentos pouco tempo antes do exame e o tipo lê personalidade podem contribuir para a variação de latência amplitude do P300.

Os PEALL ocorrem aproximadamente entre 80 e 700 ms após a apresentação do estímulo (Mc Plterson,1996). São eles: N1 (N100) - onda negativa com latência aproximada de 100 ms, podendo variar de 80 a 250 ms (Kraus e McGee, 1994) ou 80 a 150 ms (Mc Pherson, 1996); P2 (P200) - onda positiva com latência aproximada de 200 ms (Kraus e McGee, 1994), podendo variar de 145 a 180 ms (Mc Pherson, 1996); N2 (N200) - onda negativa seguida de P2 com latência variando de 200 a 400 ms (Kraus e McGee, 1994) ou 180 a 250 ms (Mc Pherson, 1996); P3 (P300) - onda positiva com latência aproximada de 300 ms, podendo variar de 250 a 350 ms (Kraus e McGee, 1994) ou 220 a 380 ms (Mc Pherson, 1996). A amplitude destes potenciais pode variar de 5 a 10 mv para NI, 3 a 6 mv para P-2, 3 a 6 mv para N2 e 8 a 15 mv para P3 (Mc Pherson,1996).

O objetivo deste trabalho é pesquisar esses potenciais numa população de adultos jovens saudáveis, verificando a latência e amplitude dos componentes para sujeitos de ambos os sexos, a fim de estabelecer um padrão normativo para futuros estudos incluindo sujeitos com alterações de processamento auditivo central e/ou cognitivas.

MATERIAL E MÉTODO

Participaram deste estudo 20 indivíduos entre 21 e 35 anos de idade (média 28 anos), sendo 10 do sexo feminino (média de 26,9 anos/ desvio padrão de 4,9 anos) e 10 do sexo masculino (média de 27 anos/ desvio padrão de 4,7 anos).

Como critérios de seleção da população, foram considerados indivíduos saudáveis aqueles que não apresentaram história pregressa de problemas auditivos, neurológicos, de aprendizagem e stress (no momento do exame). Foram aplicadas, previamente, anamnese clínica, otoscopia, audiometria tonal/vocal e imitanciometria.

A pesquisa dos potenciais evocados de longa latência foi realizada por meio do Programa Ati- Nautilus PE (versão 4,19 c-LERMED S.RI-Argentina, 1992), no estudo dos potenciais cognitivos (P300).

Os parâmetros utilizados no estudo foram: estímulos binaurais (tons burstcom plateau de 20 ms e rise/fali de 5ms) de 1.000 Hz para o freqüente e 2.000 i-Iz para o raro (probabilidade de 20%); intensidade de ambos os estímulos de 70 dBNA; tempo de análise de 800 ms; filtro de 0,5 a 30 Hz; sensibilidade de 160 microvolts; polaridade alternada.

Os sujeitos receberam os estímulos por meio de fones de ouvido TDH-39, sentados em poltrona levemente reclinada, com instrução de permanecerem relaxados porém em alerta, para a tarefa de contar mentalmente apenas os sons raros, da série de sons freqüentes que iriam ouvir.

O exame foi realizado em sala semi-escura, tratada acusticamente e faradizada.

As derivações Cz/A1 e Cz/A2 foram obtidas por meio de três eletrodos de ouro colocados no vértex (Cz) e nos lóbulos das orelhas esquerda (A1) e direita (A2), e o terra na orelha contra-lateral, segundo posição padrão do sistema internacional 10-20 (Jasper, 1958).



TABELA I - Potenciais evocados auditivos de longa latência m 20 sujeitos adultos saudáveis.



A limpeza da pele foi feita de forma delicada, com esponja de aço bombril, e uma pasta eletrolítica foi utilizada para melhorar a condutividade elétrica nos eletrodos. Estes foram fixados com esparadrapo do tipo micropore. A impedância dos eletrodos não ultrapassava 4 kohms.

Foram apresentados 150 estímulos promediados, sendo que o próprio programa excluia todas as gravações que excediam a 160 microvolts.

A duração total do exame era de aproximadamente 30 minutos, sendo: 20 minutos para coleta dos dados da anamnese, avaliação auditiva, colocação dos eletrodos no indivíduo; e 10 minutos para a pesquisa dos potenciais evocados.

Os componentes N1, P2, N2 e P3 foram registrados, com os respectivos valores de latência e amplitude das ondas, na memória do computador; e, impressos posteriormente, para análise. Na presença de dois picos no P300, foi considerado o reais próximo de 300 ms.

Foi realizado estudo estatístico One-Way ANOVA (p < 0,05*), para comparar os valores de latência e amplitude dos componentes do P300 em relação a diferenças entre as orelhas, e os indivíduos de um e de outro o sexo.

RESULTADOS

Os resultados obtidos foram apresentados em uma tabela, para facilitar a visualização (Tabela 1). Foram considerados os valores médios das derivações Cz/A1 e Cz/A2, dos sujeitos avaliados, já que não houve diferenças significantes, entre as orelhas (p>0,05).

A apresentação dos dados foi feita em separado por sexo, a -fim de demonstrar a ocorrência das diferenças no valores médios dos potenciais (Gráficos 1 e 2).

Os valores médios das latências de N1, P2, N2 e P, encontrados em indivíduos de um e de outro sexo foram colocados num gráfico de dispersão, á fim de se obter uma análise de regressão linear (Figuras 1 e 2). A regressão linea representa a média estatística de dispersão em função da idade e o erro padrão de estimação de +/- 2 indica a variação desta dispersão.



Gráfico 1. Latências (ms) dos potenciais evocados segundo o sexo.



Gráfico 2. Amplitude (ntv) cios potenciais evocados auditivos



Figura 1. Latências de N1 ( 4 ), P2 ( 3 ), N2 ( 2 ), P3 ( 1 ), em função idade para indivíduos do sexo masculino. A linha pontilhada representa a regressão linear e A e B representam +/- 2 erros dia ao de estimação.



Segundo Polich (1991), é mais apropriado o uso desta análise para definir a extensão da variação normal, do que Os valores de desvio padrão individuais.

De acordo com resultados obtidos, verificamos que as latências médias dos potenciais pesquisados foram semelhantes aos encontrados na literatura (Kraus e Mc Gee, 1994; Mc Pherson, 1996). Com exceção de P3, as amplitudes também foram próximas aos valores citados na literatura (Mc Pherson, 1996).

O estudo estatístico realizado (One Way ANOVA) mostrou diferenças significantes entre os sexos nas latências de N 1 (p=0,03*), P2 (p=0,02*) e N2 (p=0,02*). Não foi encontrada diferença significante para P3 (p=0,31), provavelmente em decorrência do tamanho da amostra. Isso indica que as latências dos componentes N1, P2 e N2 foram menores em indivíduos do sexo feminino em relação aos do sexo masculino; embora tenha sido referido na literatura não existir diferenças entre as pessoas de um e de outro sexo (Polich, 1991).

Apenas a amplitude de N1 foi significantemente maior em indivíduos do sexo feminino (p=0,02*) em relação aos cio sexo masculino. Polich (1991) encontrou amplitude maior em indivíduos do sexo feminino para P3 e sugeriu que diferenças no tamanho da cabeça e espessura do couro cabeludo entre as pessoas de um e de outro sexo teriam influenciado este achado.

A aplicação clínica dos PEALL pode ser considerada como um instrumento a mais no auxilio diagnóstico das diversas patologias que envolvem funções corticais superiores. É um método de avaliação objetivo e, quando possível, deveria ser acrescentando ao protocolo de testes, associados aos comportamentais (subjetivos).



Figura 2. Latêncas de N1 ( 4 ), P2 ( 3 ), N2 ( 2 ), P3 ( 1 ), em função da idade para os indivíduos do sexo feminino. A linha pontilhada representa a regressão linear e A e B representam +/- 2 erros padrão de estimação.



A grande variação encontrada neste estudo, para os valores de latência e amplitude destes potenciais (Figuras 1 e 2), entre os sujeitos, indica a importância de especificar e controlar muito bem os parâmetros adotados nos testes (idade, sexo, características do estímulo e tipos de tarefa, entre outros), para não haver, interferência nos resultados esperados para cada população avaliada: como sugere Polich (1991).

CONCLUSÃO

Diante dos resultados obtidos neste estudo, podemos concluir que: os valores de latência e amplitude cios PEALL variaram consideravelmente na população avaliada; foram encontradas diferenças significantes nas latências (Nl, P2 e N2) e amplitude (NI), entre os indivíduos de um e de outro sexo. Este estudo normativo pretende contribuir para futuras pesquisas comparativas, incluindo diversas patologias envolvendo funções corticais superiores. Chamamos a atenção para a variável sexo na formação e utilização de grupos controle para estas pesquisas, nesta faixa etária. Porém, lembramos a necessidade de mais estudos nessa área, com amostras maiores, a fim de obtermos parâmetros de comparação mais confiáveis entre as diferentes populações avaliadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Doutor do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - HCFMRP.
** Fonoaudióloga Especialista em Voz, Mestranda pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP.
*** Fonoaudióloga Especialista em Audiologia, Mestranda pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP.
**** Fonoaudióloga Especializanda em Audiologia pela Universidade de Franca -UNIFRAN.

Trabalho realizado no Departamento de Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP.
Trabalho apresentado no I Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, em novembro de 1999 - São Paulo/ SP. Endereço para correspondência: Cinthia Junqueira - Rua Manoel Achê, 814/22 -Jardim Irajá - 14020-590 Ribeirão Preto/ SP.
Telefone: (0xx16) 623 5319-E-mail: cinthiajunqueira@uol.com.br
Artigo recebido em 14 de dezembro de 1999. Artigo aceito em 19 de janeiro de 2000.

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