Ano: 1993 Vol. 59 Ed. 4 - Outubro - Dezembro - (4º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 257 a 259
EFEITOS NÃO AUDITIVOS E ASPECTOS PSICOSSOCIAIS NO INDIVÍDUO SUBMETIDO A RUÍDO INTENSO.
Non auditory effects and psycho-social aspects on the individual exposed to intense noise.
Autor(es): José Seligman*
Palavras-chave: perda auditiva provocada por ruído, psicologia industrial
Keywords: noise-induced hearing loss, industrial psychology
Resumo:
Embora não seja fácil relacionar sintomas não auditivos com ruído, muitos autores informam que as PAIR (Perda Auditiva Induzida pelo Ruído), além das alterações produzidas no ouvido interno, causam também sintomatologia não auditiva de intensidade e aspectos dispares. Estas alterações também interferem nos aspectos piscossociais da vida do indivíduo.
Um melhor conhecimento e uma co-relação mais profunda faz-se necessário para demarcar, com maior exatidão a presença destas alterações em indivíduos submetidos a ruído intenso.
O Autor faz um levantamento bibliográfico da sintomatologia, propõe um ordenamento didático e apresenta uma contribuição pessoal relacionando 68 casos de pacientes com PAIR e demostrando presença constante de sintomas não auditivos.
Abstract:
Although it may not be easy to relate non auditory symptoms to noise, many authors say that the NIHL (Noise Induced Hearing Loss), besides producing alterations in the inner ear, cause non auditory symptomatology as well, and these are of various degrees of intensity and of different features. The alterations also interfere in the psycho-social aspects of the individual's life.
A better knowledge and a deeper correlation is needed to demarcate with more accuracy the presence of these alterations in individuals exposed to intense noise. The Author presents a bibliographical reserch on symptomatology, propose a didatic ordering and presents a personal contribuition mentioning sixty-eight cases of patients with NIHL, using them to demonstrate the constant presence of non auditory symptoms.
INTRODUÇÃO
Às conseqüências diretas da exposição ao ruido são razoavelmente conhecidas por grande parte da população. Eventuais campanhas de esclarecimento, trabalho de médicos e fonoaudiólogas e mesmo informações obtidas através da imprensa leiga têm salientado os perigos que envolvem o aparelho da audição quando submetido a intensidade sonoras importantes.
Moléstia severa, progressiva, incurável, com um quadro audiológico característico, tem sua projeção aumentada consideravelmente quando relacionada com atividade profissional. Além de uma análise puramente clínica, deve-se fazer a leitura de facetas não propriamente da área médica, envolvendo sindicatos, classe dirigente, previdência, governo, etc.
Nestas condições, o otorrinolaringologista convive com pobreza de informações, com presença constante de grupos de pressão, com dificuldades no relacionamento direto entro causa e efeito e em emaranhados legais que dificultam maiores esclarecimentos sobre o estado da moléstia e principalmente sua evolução.
Além disso, a literatura audiológica tem dado apenas pequena atenção aos transtornos não auditivos que acompanham a doença, bem como suas conseqüências nas interações familiares, nas atividades de lazer e na vida social e profissional dos pacientes submetidos à exposição de ruído.
Leve-se em consideração ainda a ausência total de importância que a legislação brasileira oferece a toda e qualquer alteração clínica que não possa ser medida audiometricamentel.
Uma revisão bibliográfica permitiu-nos identificar uma série de transtornos causados pela deficiência auditiva ocupacional. A seguir, comparamos com resultados obtidos em nossa cidade e tecemos algumas considerações a respeito dessa comparação.
EFEITOS NÃO AUDITIVOS
Vários autores têm se referido aos efeitos não auditivos que o organismo pode sofrer sob a ação de ruído intenso.
No entanto não é tarefa fácil isolar o ruído como único responsável por tais efeitos. Em geral outros agentes ambientais concorrem no mesmo sentido e existe quase uma impossibilidade de caracterizar o quadro clínico como conseqüência de exposição a sons intensos2.
Na revisão bibliográfica pesquisada, estes efeitos têm sido apresentados invariavelmente de forma desordenada e poucos autores têm relatado percentuais de ocorrência.
Ruiz, M.O.10 encontrou 33% de casos de alterações do apetite, 37% com alterações do sono e 14% com hipertensão arterial.
Quick e Lapertosa8, num trabalho mais cuidadoso, assinalam 60,5% de cefaléias, 55,3% de distúrbios gástricos, 21,2% de otalgias e 15,1% de nervosismo além de outras queixas com menor percentagem e comparam com um grupo de controle e com um reestudo após 18 meses em que foram tomadas medidas de proteção, ambos com valores significativamente menores.
Resolvemos, ao rever a bibliografia, organizar estas manifestações de forma didática, salientando que nem todos os autores relatam os mesmos sintomas.
Assim, além dos transtornos específicos da audição, incluindo-se entre estes o zumbido, podemos relatar as seguintes alterações:
1- DA COMUNICAÇÃO: a deficiência auditiva associada ao ruído proporciona o isolamento social do indivíduo durante o trabalho com graves conseqüências em sua natureza interativa5.
2- NEUROLÓGICAS: comprovadamente, estudos eletroencefalográficos demonstraram que ruídos, mesmo de fraca intensidade, provocam, ou um complexo "K" ou a passagem temporária de um estado de sono profundo para outro mais leve. Estes episódios duram entre 5 e 15", podendo não ser lembrados pelo paciente ao acordar. Um número significativo de interrupções desta natureza seguramente pode trazer efeitos desastrosos no dia-a-dia do indivíduo9.
3- CARDIOVASCULARES: constrição dos pequenos vasos sanguíneos, com conseqüente redução do volume de sangue e alterações do fluxo, bem como variações na pressão arterial e taquicardia, são relatadas por vários autores6, 8.
4- DA QUÍMICA SANGÜÍNEA: temos encontrado relatos de modificações dos índices do colesterol, dos triglicerídios e do cortizol plasmático4.
5- VESTIBULARES: dificuldades no equilíbrio e na marcha, vertigens, nistagxnos, desmaios e dilatações de pupilas6.
6- DIGESTIVAS: diminuição do peristaltismo, enjôos, vômitos, perda do apetite, dores epigástricas, gastrites, úlceras6, 8.
7- COMPORTAMENTAIS: mudanças da conduta e do humor, cansaço, falta de atenção e concentração, insônia e inapetência, cefaléia, redução da potência sexual, ansiedade depressão e stress6.
ASPECTOS PSICOSSOCIAIS
Ao correlacionarmos fatores de poluição e desordens psiquiátricas esbarramos em dificuldade metodológicas mesmo que, em laboratório, tenha sido demonstrada a importância de características psicológicas na produção das perturbações11.
Trabalhadores com deteriorização auditiva têm, sabidamente, problemas de comunicação.
Seguramente, esta circunstância interfere, de maneira marcante, nas interações familiares, nas atividade de lazer, na vida social e, obviamente, no ambiente de trabalho.
O Groupe d' Acoustique de l'Université de Montreal (Canadá) realizou uma série de estudos baseados em informações obtidas junto a trabalhadores de uma indústria metalúrgica, na presença de suas esposas7.
As conclusões são de que estas deficiências resultam em sérias desvantagens à pessoa surda.
A necessidade de grande concentração e esforço para seguir um grupo de conversação torna-se opressiva, o doente participa menos em grupo, torna-se menos comunicativo e afasta-se das atividades sociais, podendo mesmo mudar seu estilo de vida.
Estas condições geram stress e ansiedade e não raras vezes o isolamento, a solidão, depressão e perda da autonomia.
O paciente assume uma auto-imagem negativa e este conjunto de fatores termina por reduzir drasticamente sua qualidade de vidas.
CONTRIBUIÇÃO PESSOAL
Baseado nestes estudos, que recomendam claramente uma revisão sobre os efeitos não auditivos que o ruído causa em trabalhadores expostos a ambientes inadequados, resolvemos fazer uma avaliação de um trabalho executado pelo CIAST (Centro Integrado de Atenção a Saúde do Trabalhador), em Porto Alegre revisando as audiometrias realizadas durante o ano de 1991.
Muitas dessas audiometrias foram feitas por nós no Gabinete de Otorrinolaringologia da Secretaria Municipal de Saúde e Serviço Social.
Os pacientes com suspeita de Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) eram encaminhados ao ambulatório do CIAST e submetidos a uma anamnese preconizada pelo Programa de Saúde dos Trabalhadores da Zona Norte3, além de um exame clínico.
Posteriormente - por não haver gabinete audiológico no PAM 3 onde é a sede do CIAST - estes trabalhadores eram enviados para exame otorrinolaringológico e audiometria.
A ficha audiométrica referida e levada com o paciente é composta por 24 itens de anamnese. Com relação a efeitos não relacionados diretamente com a audição existe uma questão induzida, a de número 23 (Insônia? { } Sim { } Não) e outra para informações espontâneas, a de número 24 (Outros?).
Aproveitamos, igualmente, o item 19 (Zumbido) que também é questionado de forma induzida, até mesmo com sub-itens do tipo Nunca, Raramente, Freqüentemente e Sempre, que foram por nós desprezados para que pudéssemos correlacionar, estatisticamente, coxa os demais sintomas.
No levantamento realizado revisamos as fichas do ano de 1991 separando todas aquelas com queixas relacionadas a PAIR.
Desprezados os prontuários que tinham diagnóstico inconclusivo, os que seguramente não tinham relação com ruído e aqueles cujos testes ficaram incompletos, sobraram 68 casos atendidos entre 22.01.91 e 30.12.91 e cujos registros no CIAST são do número 206 a 745. Todos eles mantém entre si a direta de relação de serem portadores de doença auditiva por efeito de ruído.
São 66 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com idades entre 25 e 66 anos e com história pregressa de 01 a 39 anos de trabalho em ambiente ruidoso.
Os resultados obtidos nas pesquisas induzidas apresentam, claramente, um índice elevado. O item Zumbido aparece em 47 casos perfazendo 69,11 % do total, e Insônia é relatada em 30 casos, num percentual de 44,11%.
Com relação à pesquisa espontânea cabe antes uma ressalva realizada por vários colegas em ocasiões diversas, pode não configurar exatamente a espontaneidade da resposta, mas - seguramente - não corresponde à clara indução das perguntas anteriores.
O item mais frequente neste estudo é o da irritabilidade com 12 casos, perfazendo 17,64%. Seguem-se queixas de hipertensão arterial, com 7 casos (10,29%); dificuldades na comunicação e otalgia, com 5 (7,35 %); cefaléia, com 3 (4,41 %); tonturas, dispnéia e algiacusia, com 2 (2,94%) e finalmente cansaço, taquicardia, enjôos, dores no estômago, sono interrompido, dores nas costas, dor de garganta e outras alterações cardíacas com 1 (1,47%).
Chamou a atenção dos colegas do CIAST a explícita manifestação de perturbações de interação familiar com relatos de brigas frequentes em casa com esposa ou filhos relatadas por 5 pacientes (7,35% dos casos).
CONCLUSÕES
Existe uma forte diferença entre os itens da anamnese realizados com pesquisa induzida ou espontânea.
Mesmo assim o Autor ressalta que é expressivo o número de queixas não auditivas em pacientes submetidos a ruído intenso.
Nestas condições, com base no levantamento bibliográfico e no trabalho pessoal, recomenda-se que, ao examinar suspeitos de PAIR, tenhamos o cuidado de:
1. Revisar com cuidadosa anamnese os itens relacionados com sintomas não auditivos;
2. Pesquisar com exames clínicos e laboratoriais toda e qualquer alteração pertinente;
3. Informar-se sobre as questões interativas no trabalho, no lazer, nas atividades sociais e familiares, na tentativa de buscar intervir nestas áreas através de adequados Programas de Conservação da Audição;
4. Contribuir para que se faça um relacionamento mais completo e confiável entre a PAIR e as alterações não auditivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BRASIL: Leis, Decretos e Portarias - Portaria SSMT número 12, d 06.06.83 altera as Normas Regulamentadoras NR-7, NR-8, NR-9, NR-10, NR-12, NR-13, NR-14 e o Anexo VIII da NR-15. DO da União, 14.01.83.
2. CAMARGO, L.O.S.: Surdez: Fim do Silêncio, in PIMENTA, A.L. e CAPISTRANO FILHO, D.: Saúde do Trabalhador, SP, Ed. Hucitec, 1988: 84-107.
3. COSTA, D.F.; CARMO, J.C.; SETIMMI, M.M. e SANTOS, O.P.: Programa de Saúde dos Trabalhadores, SP, Ed. Hucitec, 1989: 152-155.
4. FERRARI, B.T: O ensurdecedor ruído urbano. Rev. Bras. Clin. Terap. - Vol XII/XIII- (12/01):912-926,198211983.
5. GETTY, L. e HÉTU, R.: Psychosocial Aspects of Ocupational Hearing Loss. Audiology in Practice, V11/1: 5-7, 1990.
6. GÓMES, J.G.: Sordera por ruido. El trauma acustico y los accidentes auditivos en la industria. Bol. Of. Sanit. Panam., 95(1): 14-20,1983.
7. LALANDE, N.M.; LAMBERT, J. e RIVERIN, L.: Quantification of the psychosocial disad vantagens experienced by workers in a noiseindustry an their nearest relatives: perspectives for rehabilitation. Audiology, 27: 196-206, 1988.
8. QUICK, T.C, e LAPERTOSA, LB.. Contribuição ao estudo das alterações auditivas e de ordem neuro-vegetativa atribuíveis ao ruído. Rev. Bras. de Saúde Ocup., 9(36): 50-56, 1983.
9. RICHTER, Hs. R: Le sommeil morcelé. Revue Neurologique, 115(1):592-595,1966.
10. RUIZ. M.O.D.; RUIZ, G.L.F. e PUERTA, S.J.: Prevalência de patologia auditiva em trabajadores de una empresa textil. Rev. F.NS.P. (Medellin), 7(1-2), Enero-Diciembre: 49-65,1981.
11. VERSIANI, M.; DIAS, H.A.A. e PINTO, M.C.B.: J. Bras. Psiq. 27(1-4): 37-40,1978
* Médico Otorrinolaringologista, Membro da Comissão Especial para-t Estudo do Ruído.
Trabalho apresentado no Curso Ruído e Surdez Pré-Congresso - XXXI Congresso Brasileiro de ORL - São Pauto - 1992.
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