Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 249 a 252

 

Resultado funcional auditivo em mastoidectomia radical.

Functional audiological results in open mastoids cavities.

Autor(es): Ricardo Ferreira Bento *
Rosa Maria Assunção de Souza **
Emi Zuiki Murano ***
Aroldo Mitini ****

Palavras-chave: perda auditiva, otite média supurativa, mastoidite

Keywords: hearing loss, suppurative otitis media, mastoiditis

Resumo:
Os autores estudaram 100 pacientes seqüenciais submetidos a mastoidectomia radical na Divisão Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O objetivo do trabalho foi comparar os audiogramas pré e pós operatório, correlacionando os dados obtidos com a idade e o sexo dos pacientes. Foi observado que em 75% dos casos a audição manteve-se inalterada ou houve ganho funcional. Ficou claro, também, que quanto mais jovem o paciente submetido à cirurgia, melhores chances de bons resultados, e quanto ao sexo, observou-se não haver influência significativa.

Abstract:
The authors studied 100 sucessive patients, who had been undergone a Radical Mastoidectomy. This study was undertaken to compare the audiograms before and after the surgery, correlating the data with the age and sex from the patients. It was observed that 75% of the cases had no change, or had improvement of the hearing, and in younger patients, the results are better. About the sex, no important influence was observed.

INTRODUÇÃO

O cirurgião otológico tem atualmente duas metas básicas no que se refere à cirurgia do colesteatoma. A principal é a erradicação da patologia, evitando portanto as complicações da doença, a infecção crônica e a recidiva. Secundariamente, e se possível, procura-se a melhora dos níveis de audição.
Vem-se tentando encontrar métodos cirúrgicos os mais seguros possíveis, no sentido do controle definitivo da doença, e que ao mesmo tempo possibilitem um ganho auditivo, sem prejuízo da meta principal.

As várias técnicas cirúrgicas para realização da mastoidectomia, são derivadas de um princípio básico, que é a derrubada ou não da parede posterior do conduto auditivo externo, promovendo ou não a comunicação da cavidade mastóidea com o exterior, através de meatoplastia. É o que é chamado entre nós cavidade aberta ou fechada ("carnal up" ou "carnal down" dos autores americanos). Existem técnicas mais conservadoras, que procuram melhores resultados audiométrieos, mas que em contraposição, correm o risco de piores resultados, no que se refere à remoção definitiva da patologia e da infecção. No sentido de contornar este problema, muitos assumem a necessidade de posterior revisão de rotina ou "second look". Esta revisão nem sempre é possível, principalmente em países como o nosso, onde por restrições de ordem econômica e social, torna-se muito difícil a realização de uma segunda cirurgia de rotina.

Atualmente, em nosso serviço, salvo em alguns raros casos especiais, praticamos a chamada cavidade aberta em todos os casos de colesteatorna. Tal conduta amplamente discutida em trabalho anterior1 mostra grandes benefícios na erradicação da doença, supressão de suas recidivas e complicações, permitindo uma cavidade seca e observável no pós operatório.

O presente trabalho tem como objetivo estudar os resultados audiométricos na mastoidectomia com cavidade aberta, avaliando as seqüelas auditivas no pós operatório tardio. É também estudada a influência da faixa etária e sexo no resultado funcional.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Foi feito levantamento retrospectivo, dos 100 últimos pacientes submetidos à mastoidectomia radical, a cirurgia chamada de cavidade aberta, por otite média crônica colesteatomatosa (OMCC), na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.



GRÁFICO 1 - Porcentagem de casos por década.




Casuística

A idade do grupo variou de 6 a 69 anos, com média de 24,8 anos. A divisão dos grupos etários se encontra demonstrada no Gráfico 1. Quanta ao sexo, 41% dos pacientes eram do sexo feminino, enquanto 59% era do sexo masculino. Foram realizados exames audiométricos pré e pós operatórios, este última num período de 3 a 4 meses após a cirurgia.

Baseamo-nos na audiometria tonal limiar pré e pós operatória, levando-se em consideração as freqüências de 500, 1000 e 2000 Hz, para a tomada dos dados que adiante serão descritos.

Metodologia

PROCEDIMENTO CIRÚRGICO

Os pacientes são submetidos á incisam retroauricular, com ampla exposição da cortical da mastóide e posterior início do broqueamento da área crivosa, próximo à espinha suprameatal. São removidas todas as células mastoideanas laterais corri esqueletização do ângulo sino-dural, seio sigmóide e do canal semicircular lateral. Mantém-se a integridade da parede posterior do conduto auditivo externo, que funciona como reparo para a continuidade da dissecção. O colesteatoma do antro é removido em sua totalidade.

A partir deste tempo cirúrgico, prossegue-se com a derrubada da parede posterior do conduto auditivo externo, até esqueletização do canal de Falópio. Finalmente toda a mucosa é removida do ouvido médio, assim como o martelo e bigorna, caso ainda existam restos de colesteatoma. É observado também o recesso do nervo facial e a região atical, e removendo-se então granulações ou tecido epitelial encontrado. Oblitera-se a tuba auditiva e por fim, coloca-se uma grande fáscia na cavidade, por sobre a janela oval e promontório. Caso a supra estrutura do estribo esteja presente, é interposto resto ossicular entre essa e a fáscia. Concluindo a cirurgia, é realizada ampla meatoplastia na parte lateral do conduto auditivo externo, que possibilita melhor aeração e limpeza da cavidade. Não são usados normalmente artifícios de obliteração da mastóide, salvo naqueles casos de colesteatomas em mastóides bem pneumatizadas que se tornam grandes cavidades após mastoidectomias. Quando este for o caso é usado retalho muscular pediculado.

ESTUDO DOS AUDIOGRAMAS

Os resultados obtidos foram divididos em 4 grupos, de acordo com a alteração principal do audiograma:

Grupo 1 - piora do "Gap" aéro-ósseo.
Grupo 2 - melhora do "Gap" aero-ósseo.
Grupo 3 - piora da Curva óssea.
Grupo 4 - inalterados.

As alterações audiométricas apresentadas pelos doentes foram quantificadas em 3 subgrupos:

a. Modificação até 10 dB.
b. Modificação de 10 a 20 dB.
c. Modificação maior que 20 dB.

Dentro do Grupo 3, ainda foi acrescentado um 4° subgrupo, formado pelos pacientes que evoluíram para anacusia no pós operatório.

Foram também correlacionados os resultados obtidos com a idade e o sexo dos pacientes.

RESULTADOS

Comparação de audiograma pré e pós operatório

Os resultados encontram-se detalhados na tabela 1. Na tabela 1 observou-se:

- 38% dos pacientes mantiveram seus audiogramas pós operatórios inalterados,

- 37% apresentaram melhora (redução) do "Gap",

- 19% apresentaram piora (aumento) do "Gap",

- 6% apresentaram piora (queda) da curva óssea,

- 2% evoluiram para anacusia.

Resultados nas diversas faixas etárias

Na tabela 2, observamos os resultados obtidos na várias faixas etárias. Os pacientes foram divididos por décadas de vida.

Na primeira década:

- 45% dos doentes apresentaram redução do Gap aéreo-ósseo,

- 18% apresentaram aumento do Gap,

- e nenhum paciente apresentou queda da Curva óssea,

- 37% apresentaram audiograma inalterado.

Na segunda década:

- 20% apresentou redução do Gap,

- 29% apresentou aumento do Gap,

- 3% evolui com piora da Curva óssea (sendo que destes, todos ficaram anacúsicos),

- 48% permaneceu inalterado. Na terceira década:

- 48% dos pacientes apresentaram melhora do Gap,

- 12% evoluiu com piora do Gap,

- 8% piorou a Curva óssea,

- 32% manteve-se inalterado.

Na quarta década:

- 57% de redução do Gap,

- 14% de aumento do Gap,

- 29% de exames inalterados,

- nenhum paciente com piora dos níveis de audição óssea.

Pacientes com mais de 41 anos:

- 33% de pacientes com melhora do Gap,

- 14% de piora do Gap,

- 21 % de piorada Curva óssea,

- 7% de anacusia,

- 32% de pacientes com a audição inalterada.

Resultados correlacionados ao sexo

Na Tabela 3, colocamos os resultados obtidos com a correlação entre níveis audiométricos e sexo dos pacientes. Observou-se que 37% das mulheres apresentaram redução do Gap, contra 38% dos homens. Houve piora do Gap em 22% das mulheres e em 16,5% dos homens. A Curva óssea sofreu queda em S% dos pacientes do sexo feminino e em 6% dos pacientes do sexo masculino. Finalmente, 36% das mulheres apresentaram níveis inalterados, contra 39,5% dos homens.

DISCUSSÃO

Em concordância com a literatura, obtivemos melhor controle da OMCC com a cirurgia chamada cavidade aberta1, 2, 3, 12. Segundo SOARES e col.1 e PRATT11, o procedimento cirúrgico na abordagem da OMCC nunca deve ser comprometido na tentativa de restaurar a audição. Porém, não nos agrada a idéia de protelar a cirurgia nos casos onde a audição pré-operatória esteja conservada, como é também proposto por PRATT11, devido ao alto risco de complicações.


TABELAS 1



TABELAS 2



TABELAS 3



Quanto aos resultados audiométricos, encontramos valores que mostram não ser este item ponto a depor contra a indicação desta técnica. Apesar de nossa porcentagem de queda neuro-sensorial parecer elevada quando comparada a de outros autores5, 10, é importante lembrar que nosso grupo consiste na totalidade de patologia colesteatomatosa, o que implica em pior prognóstico audiológico8. Portanto, nossos dados não chegam a constituir surpresa. Observando os casos de anacusia pós-operatória, cumpre lembrar que este acontecimento, juntamente com a paralisia facial, constituem as duas complicações imediatas mais frequentes no pós-operatório da cirurgia do ouvido crônico12. Novamente nossa taxa neste quesito pode parecer elevada, porém nos trabalhos por nós estudados, o grupo de pacientes era formado por um pool de patologias ocasionando ouvido crônico, os quais foram submetidos a cirurgias diversas1, 5, 10, 12. Como já referido anteriormente, nossos pacientes, na totalidade, eram portadores de OMCC. Além disto, como citado por TAUNO PALVA12, as cirurgias realizadas em serviços escola podem apresentar complicações mais freqüentemente, devido a execução desta por residentes em formação, como é o nosso caso. Outro aspecto de relevância, é que os casos por nós operados, geralmente têm história da moléstia longa, não só pelo despreparo do paciente, que retarda a procura por serviço médico especializado, como também pela superlotação dos serviços públicos, onde o doente permanece à espera da cirurgia por grande período de tempo.

Isto acaba ocasionando que já no pré-operatório o paciente apresente níveis auditivos piores, como o que foi observado por outros autores6, 7. Além dista, como é conhecido4, 7, 11 a localização inicial do colesteatoma tem grande importância no resultado funcional. Como nossos casos têm evolução longa, acabam geralmente por acometer o ouvido médio, levando então à destruição da cadeia ossicular.

Na avaliação do Gap aéreo-ósseo, obtivemos dados semelhantes aos de literaturas3, 9, o que mostra que a maioria dos pacientes não obteve prejuízo funcional com a cirurgia. Esta parcela, formada por 75% dos pacientes, era formada por um grupo que obteve ganho auditivo (37%) e outro que manteve-se inalterado (38%). Quando avaliamos os resultados frente aos vários grupos etários, observamos que, em geral, os melhores resultados foram encontrados nas faixas etárias mais jovens, como seria de se esperar, até por que são os casas de menor tempo de evolução da doença. Agora quando dividimos os resultado e cruzados com o sexo, não foram encontradas diferenças significativas.

As técnicas fechadas na cirurgia do colesteatoma, têm como objetivos concomitantes a erradicação da doença e o ganho funcional. Porém o maior índice de recidiva da patologia, o custo das revisões e a melhora funcional, quando ponderados, não justificam, a nosso ver a realização desta cirurgia na grande maioria dos casos no nosso meio e em nosso universo de pacientes.

CONCLUSÕES

1-A maioria dos pacientes melhoraram ou permaneceram com a audição inalterada quando submetidos à mastoidectomia radical.

2 - Quanto menor a faixa etária em que se realiza a cirurgia, melhor o resultado funcional.

3 - O sexo dos pacientes não interfere de forma significativa no resultado funcional obtida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. SOARES, I.P.; REZENDE, V.A.; BENTO, R.F.; MINITI, A.: Mastoidectomia: Estado Atual. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE OTORRINOLARINGOLOGIA, 31. São Paulo-SP, 1992.
2. MILLS M. MEL, R.P.: Management of Chidhood Cholesteatoma. The Jounal of Laryngology and Otology, 105. 343-345, 1991.
3. CRUZ, O.L.M.: Clinical and Surgical Aspects of Cholesteatomas in Children + Ear. Nose and Throat Journal, 69: 530-536,1990.
4. PRATT, L.L.: Complications Associated With the Surgical Treatment of Cholesteatoma. Laryngoscope, 93: 289-291, 1983.
5. LAU, T.: Sensorineural Hearing Loss Following Chronic Ear Surgery. Ann Otol Rhinol Laryngol, 93: 403-409, 1984.
6. HORNUNG, S.: Bone Conduction Evaluation Related To Mastoid Surgery. Laryngoscope, 94: 547-549, 1984.
7. LAU, T.: Treatment of Sinus Cholesteatoma. Arch Otolaryngol Head and Neck Surg, 114: 1428-1434,1988.
8. SAKAI, M.: Assessment of Postoperative Hearin in 528 MiddIe Ear and Mastoid Surgery Cases in Tokai University Hospital. Tokai J Exp Clin Med, 7:251-264, 1982.
9. WEISS, M.H.: Surgery for Recurrent and Residual Cholesteatoma. Laryngoscope, 102: 145-156,1992.
10.PALVA, T.: High-Tone Sensoneural Losses Following Chronic Ear Surgery. Arch Ototaryngol, 98: 176-178, 1973.
11. PRATT, L.L.: Functional Evaluation of The Patient With Cholesteatoma. Laryngoscope, 83: 871-876, 1973,
12. PALVA, T.: Immediate and Short-Terra Complications o? Chronic Ear Surgery. Arch Otolaryngol, 102: 137-139, 1976.




* Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Residente de 3° ano da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Residente de 2° ano da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor -Titular da Disciplina de Clinica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (LIM-32).

Endereço dos Autores: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 -sala 6004 - CEP 05403-000 - São Paulo - Brasil.

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