Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 164 a 165

 

Cuidados domiciliares de pacientes pediátricos traqueotomizados.

Home care of pediatric patients with a tracheotomy.

Autor(es): Deise M. L, da Costa *
Rosângela Bottega **

Palavras-chave: traqueotomia; traqueotomia; complicações; traqueotomia, manejo

Keywords: traqueotomy; traqueotomy; complications; traqueotomy, management

Resumo:
Crianças com traqueotomias de longa duração podem apresentar problemas de difícil manejo. O manejo destas crianças requer a coordenação de vários membros da equipe de saúde, incluindo otorrinolaringologistas, pediatras, serviços de enfermagem e assistentes sociais. Com uma instrução adequada, monitoramento e um equipamento de umidificação e sucção, o cuidado domiciliar de crianças traqueotomizadas pode ser bem sucedido.

Abstract:
Children with long-term tracheotomy may present dif cult management problems. The management of these infants and children requires the coordination of, a number of health providers including otorhinolaringologists, pediatricians, nursing services and social workers. With intensive instruction, monitoring and humidification and suctioning equipment, home care of children with tracheotomy can be successful.

INTRODUÇÃO

O cuidado de recém-nascidos e crianças com traqueotomias constitui um problema especial para a família e os profissionais de saúde que os acompanha. Existe um grande número de crianças que são submetidas a traqueotomia e que devem mantê-las por um determinado tempo, sem, no entanto, necessitarem de continuarem hospitalizadas.

O manejo destas crianças envolve otorrinolaringologistas, pediatras, clínicos gerais, assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros. O relacionamento destes profissionais com as famílias destas crianças é apontado . como o fator mais importante no sucesso prestado a estes pacientes.

O objetivo deste estudo é de ressaltar os principais cuidados que se fazem necessários em crianças traqueotomizadas que recebem alta hospitalar.

INDICAÇÕES DE TRAQUEOTOMIAS EM CRIANÇAS

As indicações são divididas em três categorias: (1) obstrução da via aérea, (2) ventilação assistida e (3) higiene pulmonar. Uma revisão das indicações de traqueotomias no Hospital da Criança de Pittsburgh, entre 1965 e 1977, revelou que 605 procedimentos foram realizados, sendo que em 195 (32%) pacientes a indicação foi por obstrução e em 410 (68%) para ventilação assistida e higiene pulmonar1. De forma semelhante, de 420 traqueotomias realizadas entre 1971 e 1980 no Hospital da Criança da Philadelphia, 39% das indicações foram devido à obstrução da via aérea, 53% devido à entubação prolongada e em 4% para higiene pulmonar2.

Numa outra série de 165 traqueotomias realizadas no "Royal Alexandra Hospital for Children", em Sydney, Austrália, entre 1972 e 1981, 40% dos procedimentos foram realizados devido a causas obstrutivas inflamatórias, 38% por anormalidades laríngeas (tumores, granulomas, estenoses, etc.), 18% por entubação prolongada e 4% como adjunto de cirurgias craniofaciais3.

De 106.298 admissões pediátricas ocorridas no Hospital da Criança da Philadelphia, entre 1971 a 1980, a incidência média de traqueotomias foi de 3,9 para cada 1000 admissões. Neste grupo, a duração da manutenção da traqueotomia variou de um dia até mais de 10 anos, sendo a média de 180 dias

Em uma série de circunstâncias, a criança, algum tempo após a traqueotomia, apresenta um bom estado geral que a coloca em condições de alta hospitalar, ainda que seja necessária a manutenção de traqueotomia até que possa ser resolvida sua patologia básica. São exemplos destas patologias: estenose subglótica adquirida ou congênita, hemangioma, papilomatose, traqueomalácia, paralisia de corda vocal, etc.

COMPLICAÇÕES

A incidência de complicações no pós-operatório imediato e tardio varia de 19 a 49% na literatura. Wetmore2 relata 49%, Tucker3 46,5% Hawkins6 36%, Gaudet7 33% e Palva8 19%.

Entre as complicações tardias, e portanto, as que podem ocorrer quando o paciente encontra-se fora do ambiente hospitalar, as mais comuns são fístula traqueocutânea, decanulação acidental, granuloma traqueal, obstrução do tubo, hemorragia e infecção do estoma.

A taxa de mortalidade varia de 0,13 a 8,5 %2, 4. Na experiência do Hospital da Criança da Philadelphia, de 8 óbitos (2%) atribuídos à traqueotomia, 4 ocorreram por obstrução da cânula, 2 devido à decanulação, 1 por hemorragia traqueal maciça e 1 por sepsis associada à erosão provocada pela cânula. Quatro destas mortes ocorreram em casa, duas no hospital e duas em outras instituições.

A morbidade e a mortalidade da traqueotomia estão diretamente relacionados com os cuidados tomados no transoperatório e pós-operatório imediato e tardio. Por isso a importância da boa integração da equipe médica com os familiares das crianças traqueotomizadas assistidas foram do ambiente hospitalar.

A CRIANÇA TRAQUEOTOMIZADA EM CASA

A equipe médica deve ajudar os pais a aceitar a traqueotomia, suas responsabilidades em relação à criança traqueotomizada. A aparência de uma criança recém-traqueotomizada pode chocar e causar medo aos pais. A perda da função vocal é uma das maiores causas de ansiedade para os pais e para a própria criança, dependendo da idade da mesma, e deve ser lembrado que isto não é permanente. Uma adequada explanação de toda a situação e suas perspectivas, e o apoio prestado pela equipe médica diminui consideravelmente os anseios dos pais. É importante, igualmente, enfatizar que, o cuidado da criança deve ser compartilhado por todos os membros da família.

O ajuste social da criança deve ser feito o mais breve possível, e a criança e a família devem estar preparados para lidarem com as reações dos demais participantes do grupo social.

CUIDADOS GERAIS

o Banho: a criança não deve mergulhar e deve-se cuidar para não entrar na água na cânula;

o Vestuário: roupas apertadas no pescoço devem ser evitadas, assim como tecidos que apresentem fibras que possam soltar-se e penetrarem no traqueotoma;

o Alimentação: deve ter-se cuidado quando a criança tiver certo grau de aspiração.

DETECÇÃO DE COMPLICAÇÕES

Antes da criança receber alta hospitalar os pais devem ser treinados para o uso do equipamento, detecção de complicações precocemente e técnicas de emergência.

Deve-se iniciar o treinamento com explicações sobre a anatomia de traquéia e do esôfago, que são dois tubos distintos com funções também distintas.

É importante que os pais, no hospital, participem do manejo da cânula, pois terão supervisão da enfermagem, o que lhes dará segurança para fazê-lo em casa. O contato com outros pais de crianças traqueotamizadas é útil para mostrar que existem outros pais na mesma situação e capazes de fazerem os cuidados no lar.

A complicação mais comum é a obstrução parcial ou total da cânula de traqueotomia. Os pais devem ser orientados para, nessas ocasiões, aspirar e remover a cânula interna.

Deslocamento da cânula também pode ocorrer, e os pais devem estar atentos e em condições de recolocá-la.

As crianças traqueotornizadas são mais propensas a infecções respiratórias. Dificuldade respiratória com dispnéia, ortopnéia, cianose, taquipnéia se acompanhada de febre deve fazer pensar em infecção respiratória. Outro fator relacionado a isto seria a coloração e o odor da secreção pelo traqueotoma.

Outro problema freqüente e ansiogênico é o sangramento pela cânula. Quando róseo e misturado com secreção provavelmente é devido a uma sucção vigorosa. Se o sangue for vivo e prolongado deve-se procurar orientação médica.

EQUIPAMENTO

Os materiais necessários para a criança traqueotomizada devem estar sempre junto à cama da mesma. Deve constar de:

- Sistema de nebulização/aspiração, que deve ser o mais simples possível, leve e de fácil manejo;
- Cateteres, que podem ser plásticos descartáveis ou re aproveitáveis;
- Cânula de traqueotomia, é aconselhável que a família tenha no mínimo mais uma cânula de mesmo número que a criança estiver usando e uma de número imediatamente inferior;
- Soro fisiológico;
- Gazes;
- Cadarço.

TÉCNICAS DE ENFERMAGEM

A nebulização deverá ser feita a intervalos adaptados ao paciente; quando muito pequeno o reflexo de tosse é menor e deverá ser mais freqüente. Estabelecer no início de 3/3 ou 4/4h até encontrar o intervalo adequado à criança.

A criança deve ser estimulada a tossir, mas quando a tosse não é eficiente para limpar a via aérea deve-se lançar mão da aspiração. O cateter deve ser inserido até ultrapassar o final da cânula. Cada sucção não deve ultrapassar 30 segundos, para evitar a hipóxia. Aspirar solução salina após cada sessão. Se a secreção for muito intensa, deve-se fazer uma tapotagem.

A troca de cânula é a etapa mais difícil do cuidado em casa. Deve-se trocá-la de preferência durante o sono, longe das refeições e numa freqüência semanal. Deve-se trocá-la num local com boa luminosidade, hiperextender o pescoço, cortar o cadarço, retirar a cânula e recolocar outra imediatamente. Isto deve ser feito pelo pai e mãe em conjunto.

Deve-se tomar cuidados com a pele. Quando houver irritação local pode ser necessária limpeza com água oxigenada; ocasionalmente pomadas contendo antibióticos são necessárias. Se houver tecido de granulação, pomadas com corticóides são benéficas. O uso de gaze sob a cânula é importante para evitar o atrito constante com a pele e as lesões subseqüentes.

CONCLUSÃO

A redução da morbidade e mortalidade de crianças traqueotomizadas mantidas no domicilio depende de um programa de cuidados bem orientados por uma equipe multidisciplinar que envolve otorrinolaringologistas, pediatras, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. STOOL, S.E.; EAVEY, R.D.: Tracheotomy. In Bluestone C.D., Stool S.E. Pediatric Otoryngology 2nd. Ed. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1990:1226-43.
2. MORE, R.F.; HANDLER, S.D.; POTSIC, W.P.: Pediatric Tracheostomy: Experience during the past decade. Ann Otol Rhinol laryngol 1982; 91: 628-32.
3. CARTER, P.; BENJAMIN, B.: Ten-year review of pediatric tracheotomy. Ann Otol Rhinol Laryngol 1983; 92: 398-402.
4. RUBEN, R.J. et al.: Home core of the pediatric patient with a tracheotomy. Ann Otol Rhinol Laryngol 1982; 91: 633-40.
5. TUCKER, J.A.; SILBERMAN, H.D.: Tracheotomy in Pediatrics. Ann Otol Rhinol Laryngol 1972; 81: 818-24.
6. HAWKINS, D.B.; WILLIANS, E.H.: Tracheotomy in infants and young children. Laryngoscope 1976; 86: 331-40.
7. GAUDET, P.T.; PEERLESS, A.; SASAKI, C.T.; KIRCHNER, J.A.: Pediatric Tracheotomy and associated complications. Laryngoscope 1978; 88: 1633-41
8. PALVA A.; JOKINEN K.; NIEMELA T.: Tracheotomy in children. Arch Otolaryngol 1975;101: 536-9.




* Médica Otorrinolaringologista do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clinicas de Porto Alegre.
** Médica Otorrinolaringologista.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas de Porto Alegre
Endereço para correspondência: Dr. Deise Casta - R. São Francisca, 9941201 - 90620-070 - Porto Alegre (R.S.)

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