INTRODUÇÃO
O cuidado de recém-nascidos e crianças com traqueotomias constitui um problema especial para a família e os profissionais de saúde que os acompanha. Existe um grande número de crianças que são submetidas a traqueotomia e que devem mantê-las por um determinado tempo, sem, no entanto, necessitarem de continuarem hospitalizadas.
O manejo destas crianças envolve otorrinolaringologistas, pediatras, clínicos gerais, assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros. O relacionamento destes profissionais com as famílias destas crianças é apontado . como o fator mais importante no sucesso prestado a estes pacientes.
O objetivo deste estudo é de ressaltar os principais cuidados que se fazem necessários em crianças traqueotomizadas que recebem alta hospitalar.
INDICAÇÕES DE TRAQUEOTOMIAS EM CRIANÇAS
As indicações são divididas em três categorias: (1) obstrução da via aérea, (2) ventilação assistida e (3) higiene pulmonar. Uma revisão das indicações de traqueotomias no Hospital da Criança de Pittsburgh, entre 1965 e 1977, revelou que 605 procedimentos foram realizados, sendo que em 195 (32%) pacientes a indicação foi por obstrução e em 410 (68%) para ventilação assistida e higiene pulmonar1. De forma semelhante, de 420 traqueotomias realizadas entre 1971 e 1980 no Hospital da Criança da Philadelphia, 39% das indicações foram devido à obstrução da via aérea, 53% devido à entubação prolongada e em 4% para higiene pulmonar2.
Numa outra série de 165 traqueotomias realizadas no "Royal Alexandra Hospital for Children", em Sydney, Austrália, entre 1972 e 1981, 40% dos procedimentos foram realizados devido a causas obstrutivas inflamatórias, 38% por anormalidades laríngeas (tumores, granulomas, estenoses, etc.), 18% por entubação prolongada e 4% como adjunto de cirurgias craniofaciais3.
De 106.298 admissões pediátricas ocorridas no Hospital da Criança da Philadelphia, entre 1971 a 1980, a incidência média de traqueotomias foi de 3,9 para cada 1000 admissões. Neste grupo, a duração da manutenção da traqueotomia variou de um dia até mais de 10 anos, sendo a média de 180 dias
Em uma série de circunstâncias, a criança, algum tempo após a traqueotomia, apresenta um bom estado geral que a coloca em condições de alta hospitalar, ainda que seja necessária a manutenção de traqueotomia até que possa ser resolvida sua patologia básica. São exemplos destas patologias: estenose subglótica adquirida ou congênita, hemangioma, papilomatose, traqueomalácia, paralisia de corda vocal, etc.
COMPLICAÇÕES
A incidência de complicações no pós-operatório imediato e tardio varia de 19 a 49% na literatura. Wetmore2 relata 49%, Tucker3 46,5% Hawkins6 36%, Gaudet7 33% e Palva8 19%.
Entre as complicações tardias, e portanto, as que podem ocorrer quando o paciente encontra-se fora do ambiente hospitalar, as mais comuns são fístula traqueocutânea, decanulação acidental, granuloma traqueal, obstrução do tubo, hemorragia e infecção do estoma.
A taxa de mortalidade varia de 0,13 a 8,5 %2, 4. Na experiência do Hospital da Criança da Philadelphia, de 8 óbitos (2%) atribuídos à traqueotomia, 4 ocorreram por obstrução da cânula, 2 devido à decanulação, 1 por hemorragia traqueal maciça e 1 por sepsis associada à erosão provocada pela cânula. Quatro destas mortes ocorreram em casa, duas no hospital e duas em outras instituições.
A morbidade e a mortalidade da traqueotomia estão diretamente relacionados com os cuidados tomados no transoperatório e pós-operatório imediato e tardio. Por isso a importância da boa integração da equipe médica com os familiares das crianças traqueotomizadas assistidas foram do ambiente hospitalar.
A CRIANÇA TRAQUEOTOMIZADA EM CASA
A equipe médica deve ajudar os pais a aceitar a traqueotomia, suas responsabilidades em relação à criança traqueotomizada. A aparência de uma criança recém-traqueotomizada pode chocar e causar medo aos pais. A perda da função vocal é uma das maiores causas de ansiedade para os pais e para a própria criança, dependendo da idade da mesma, e deve ser lembrado que isto não é permanente. Uma adequada explanação de toda a situação e suas perspectivas, e o apoio prestado pela equipe médica diminui consideravelmente os anseios dos pais. É importante, igualmente, enfatizar que, o cuidado da criança deve ser compartilhado por todos os membros da família.
O ajuste social da criança deve ser feito o mais breve possível, e a criança e a família devem estar preparados para lidarem com as reações dos demais participantes do grupo social.
CUIDADOS GERAIS
o Banho: a criança não deve mergulhar e deve-se cuidar para não entrar na água na cânula;
o Vestuário: roupas apertadas no pescoço devem ser evitadas, assim como tecidos que apresentem fibras que possam soltar-se e penetrarem no traqueotoma;
o Alimentação: deve ter-se cuidado quando a criança tiver certo grau de aspiração.
DETECÇÃO DE COMPLICAÇÕES
Antes da criança receber alta hospitalar os pais devem ser treinados para o uso do equipamento, detecção de complicações precocemente e técnicas de emergência.
Deve-se iniciar o treinamento com explicações sobre a anatomia de traquéia e do esôfago, que são dois tubos distintos com funções também distintas.
É importante que os pais, no hospital, participem do manejo da cânula, pois terão supervisão da enfermagem, o que lhes dará segurança para fazê-lo em casa. O contato com outros pais de crianças traqueotamizadas é útil para mostrar que existem outros pais na mesma situação e capazes de fazerem os cuidados no lar.
A complicação mais comum é a obstrução parcial ou total da cânula de traqueotomia. Os pais devem ser orientados para, nessas ocasiões, aspirar e remover a cânula interna.
Deslocamento da cânula também pode ocorrer, e os pais devem estar atentos e em condições de recolocá-la.
As crianças traqueotornizadas são mais propensas a infecções respiratórias. Dificuldade respiratória com dispnéia, ortopnéia, cianose, taquipnéia se acompanhada de febre deve fazer pensar em infecção respiratória. Outro fator relacionado a isto seria a coloração e o odor da secreção pelo traqueotoma.
Outro problema freqüente e ansiogênico é o sangramento pela cânula. Quando róseo e misturado com secreção provavelmente é devido a uma sucção vigorosa. Se o sangue for vivo e prolongado deve-se procurar orientação médica.
EQUIPAMENTO
Os materiais necessários para a criança traqueotomizada devem estar sempre junto à cama da mesma. Deve constar de:
- Sistema de nebulização/aspiração, que deve ser o mais simples possível, leve e de fácil manejo; - Cateteres, que podem ser plásticos descartáveis ou re aproveitáveis; - Cânula de traqueotomia, é aconselhável que a família tenha no mínimo mais uma cânula de mesmo número que a criança estiver usando e uma de número imediatamente inferior; - Soro fisiológico; - Gazes; - Cadarço.
TÉCNICAS DE ENFERMAGEM
A nebulização deverá ser feita a intervalos adaptados ao paciente; quando muito pequeno o reflexo de tosse é menor e deverá ser mais freqüente. Estabelecer no início de 3/3 ou 4/4h até encontrar o intervalo adequado à criança.
A criança deve ser estimulada a tossir, mas quando a tosse não é eficiente para limpar a via aérea deve-se lançar mão da aspiração. O cateter deve ser inserido até ultrapassar o final da cânula. Cada sucção não deve ultrapassar 30 segundos, para evitar a hipóxia. Aspirar solução salina após cada sessão. Se a secreção for muito intensa, deve-se fazer uma tapotagem.
A troca de cânula é a etapa mais difícil do cuidado em casa. Deve-se trocá-la de preferência durante o sono, longe das refeições e numa freqüência semanal. Deve-se trocá-la num local com boa luminosidade, hiperextender o pescoço, cortar o cadarço, retirar a cânula e recolocar outra imediatamente. Isto deve ser feito pelo pai e mãe em conjunto.
Deve-se tomar cuidados com a pele. Quando houver irritação local pode ser necessária limpeza com água oxigenada; ocasionalmente pomadas contendo antibióticos são necessárias. Se houver tecido de granulação, pomadas com corticóides são benéficas. O uso de gaze sob a cânula é importante para evitar o atrito constante com a pele e as lesões subseqüentes.
CONCLUSÃO
A redução da morbidade e mortalidade de crianças traqueotomizadas mantidas no domicilio depende de um programa de cuidados bem orientados por uma equipe multidisciplinar que envolve otorrinolaringologistas, pediatras, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. STOOL, S.E.; EAVEY, R.D.: Tracheotomy. In Bluestone C.D., Stool S.E. Pediatric Otoryngology 2nd. Ed. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 1990:1226-43. 2. MORE, R.F.; HANDLER, S.D.; POTSIC, W.P.: Pediatric Tracheostomy: Experience during the past decade. Ann Otol Rhinol laryngol 1982; 91: 628-32. 3. CARTER, P.; BENJAMIN, B.: Ten-year review of pediatric tracheotomy. Ann Otol Rhinol Laryngol 1983; 92: 398-402. 4. RUBEN, R.J. et al.: Home core of the pediatric patient with a tracheotomy. Ann Otol Rhinol Laryngol 1982; 91: 633-40. 5. TUCKER, J.A.; SILBERMAN, H.D.: Tracheotomy in Pediatrics. Ann Otol Rhinol Laryngol 1972; 81: 818-24. 6. HAWKINS, D.B.; WILLIANS, E.H.: Tracheotomy in infants and young children. Laryngoscope 1976; 86: 331-40. 7. GAUDET, P.T.; PEERLESS, A.; SASAKI, C.T.; KIRCHNER, J.A.: Pediatric Tracheotomy and associated complications. Laryngoscope 1978; 88: 1633-41 8. PALVA A.; JOKINEN K.; NIEMELA T.: Tracheotomy in children. Arch Otolaryngol 1975;101: 536-9.
* Médica Otorrinolaringologista do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clinicas de Porto Alegre. ** Médica Otorrinolaringologista.
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas de Porto Alegre Endereço para correspondência: Dr. Deise Casta - R. São Francisca, 9941201 - 90620-070 - Porto Alegre (R.S.)
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