Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 109 a 111

 

Reabilitação vocal após laringectomia "near total".

Speech reabilitation after near total laryngectomy.

Autor(es): Mauro Becker Martins Vieira*,
Amelio Ferreira Maia**,
Jaime Carlos Ribeiro*

Palavras-chave: laringectomia "pear total", reabilitação vocal, tumor de laringe

Keywords: near total laryngectomy, Speech rehabilitation, larynx tumor

Resumo:
No período de abril de 1990 a abril de 1991, nove pacientes do sexo masculino, leucodermas, idades variando entre 53 e 78 anos com média de 61 anos, portadores de carcinoma espinocelular de laringe em 5 casos e de seio piriforme em 4 casos foram submetidos a laringectomia "Near Total" com esvaziamento cervical unilateral. Em dois casos foi usado retalho de hipofaringe para auxiliar a construção do "shutti" traqueofaringeo. Radioterapia pós-operatória complementar foi indicada e realizada em 4 pacientes. No pós-operatório tivemos 3 casos de infecção cervical e 3 casos de fístula que responderam bem ao tratamento conservador. Todos os pacientes a exceção de um iniciaram entre o 14° e 90° dia de pós-operatório aquisição de voz de qualidade superior à obtida pela voz esofágica ou pela laringe eletrônica. Aspiração discreta, sem repercussão foi observada em 2 pacientes. Dois pacientes faleceram de recidiva a distância com 5 e 8 meses. Os outros 7 pacientes não apresentaram sinais de recidiva com um seguimento entre 2 e 14 meses. Concluímos que a laringectomia "Near Total" proporciona uma reabilitação vocal de boa qualidade com elevado índice de sucesso, irão contra-indicando a radioterapia pós-operatória, nem prejudicando a alimentação por via oral.

Abstract:
Between April 1990 and April 1991 nine patients, all mate, ages from 53 to 78 years old average of 61 years, with the diagnoses of squamous cell carcinoma of the larynx in 5 cases and of the pyriform signs in 4 cases, were submitted to a near total laryngectomy with simultaneous unilateral neck dissection. A mucosa flap from the hypopharynx were used in two cases to make the trachealesophageal shunt. Post-operative radiation was indicated and done in 4 patients. We had 3 cases of cervical infection and 3 cases of fistula after the surgery but all cases had a good response with conservative care only. All patients but one acquired between the 1401 and 901h post-operative day Speech whose quality was superior than the esophageal Speech and the eletronic larynx. Slight aspiration was observed in two patients. Two patients died of distant recurrence 5 and 8 months after the surgery. The other seven patients have not shown signs of recurrence with a follow-up between 2 and 14 months. We conclude that the near total laryngectomy provide a good quality of vocal rehabilitation with incidence of sucess, it is compatible with post-operative radiation and retains the patient's capacity of oral nutrition.

INTRODUÇÃO

É crescente a preocupação na reabilitação vocal dos pacientes submetidos ao tratamento de neoplasia malignas de laringe, visto as várias técnicas descritas8. Nas lesões iniciais podemos utilizar a radioterapia externa ou as laringectomias parciais tradicionais (laringectomia vertical e laringectomia horizontal supraglótica) obtendo índices de cura elevados cota preservação da voz5. Nas lesões mais avançadas o tratamento freqüentemente envolve uma laringectomia total associada ou não a esvaziamento cervical e radioterapia pós-operatória complementar, para que possamos obter índices de sobrevida satisfatórios. Na maioria destes casos a reabilitação é realizada pelo aprendizado da voz esofágica ou pela utilização de aparelhos produtores de vibrações denominados laringes eletrônicas. Estes métodos entretanto apresentam certas desvantagens como qualidade de voz insatisfatória, índice de sucesso variável, necesásidade de treinamento e dependência de aparelho externo8.

Procurando melhorar a qualidade de reabilitação do paciente laringectomizado, vários pesquisadores desenvolveram diferentes e engenhosas técnicas cirúrgicas. Basicamente estas técnicas estabelecem uma comunicação entre o trato respiratório e o trato digestivo de tal maneira que o paciente possa utilizar seu pulmão como fonte de vibração para a produção da voz. Podem ser dividias em três grupos8. No primeiro é confeccionado um shunt traqueoesofágico sem o uso de prótese valvular. Os principais exemplos são as técnicas de Briani8, Conley8, Asai8 e Amatsu1. O segundo grupo utiliza prótese valvular no shunt traqueoesofágico e é defendido por Bloom-Singer8 e Paje3. No terceiro grupo estão aqueles procedimentos que modificam a técnica da laringectomia total, conservando unia parte da laringe de tal modo a preservar a voz do paciente. Citamos a Cricohiodeoipigloteopexia2, as técnicas de Staffieiri8, Iwai8, Rush8, Kambic8, Mozolewske8, e a Laringectomia "Near Total" proposta por Pearson em 19806.

Estudos histológicos em peças de laringectomias7 tem demonstrado elevada porcentagem de casos em que significativa parte da laringe não apresenta acometimento neoplásico sendo estes tumores ressecáveis por procedimentos mais conservadores. Pearson propoenn um método que sem sacrificar a radicalidade cirúrgica, preserva unia faixa de mucosa laríngea com musculatura e inervação (nervo laringeo inferior) para a confecção de "shunt" traqueofaringeo. Preserva-se a voz embora persista a necessidade do traqueostoma definitivo.

O objetivo deste trabalho é avaliar a experiência de nosso serviço com a técnica de laringectomia near total, em especial suas indicações, limitações, complicações e resultados na reabilitação vocal.

MATERIAL E MÉTODOS

O procedimento foi indicado naqueles pacientes portadores de carcinoma espinocelular de endofaringe ou seio piriforme com paralisia de corda vocal ou naqueles casos sem a paralisia da corda vocal mas em que estivesse contraindicado por outro motivo procedimentos mais conservadores. Foram considerados contrai ndicações radioterapia prévia, acometimento de comissura posterior, acometimento de mais de um de corda vocal oposta, acometimento do ventrículo contralateral, acometimento retrocricoide e lesões subglótieas anulares.

Sob anestesia local o paciente é traqueostomizado e induzida a anestesia geral. Antes do início do procedimento é feita laringoscopia direta e a lesão reexaminada quanto a sua extensão. A incisão cervical cm "U" tem o braço do lado a ser esvaziado alongado até o processo tratoideo. Eleva-se os retalhos por sob o platisma e faz-se o esvaziamento cervical. No lado do tumor, o procedimento para a laringectomia "NearTotal" é idêntico ao da laringectomia total. O pedículo constituído pelo nervo laríngeo superior e os vasos tireoideanos superiores é dividido. O corno maior do osso hioide é esqueletonizado com liberação dos músculos suprahioideos. Os músculos pretireoideanos são seccionados inferiormente expondo a tireóide. O lobo é elevado e são identificados e seccionados o pedículo vascular inferior e o nervo laríngeo inferior. A laringe é rodada e esqueletonizada ao longo da borda posterior das cartilagens tireóide e cricoide do lado tumoral, desde a traquéia até o hióide. Os passos distintos da laringectomia "near total" são realizados no lado não tumoral. O músculo esternohioide e a metade medial do músculo tirohioide são secionadas do hioide. A glândula tireóide é secionada de tal modo a que o lobo do lado não tumoral permaneça no paciente e o istmo com o outro lobo saiam com a peça. O músculo cricotireóideo do lado são é elevado da cricoide. Um segmento do hioide e da cartilagem tireóide são removidos no lado não tumoral permitindo a abertura do ventrículo na borda superior do músculo tireoaritenoideo. Sob visão direta a abertura é prolongada em sentido superior identificando a epiglote. A incisão continua pela valécula incluindo o corpo de osso hióide e todo o espaço pré-epiglótico com a peça. A corda vocal do lado são é secionada sob visão e os limites inferiores da recessão são determinados pela extensão tumoral. A cricoide é secionada posteriormente com auxílio do bisturi e a peça é removida após a liberação final no seio piriforme. A flacidade suficiente para o remanescente de laringe ser tubulizado é obtida pela ressecção subinucosa de parte da cricoide. Pode-se também rodar um retalho de mucosa de hipofaringe para se obterem tubo de calibre adequado, capaz de acomodar um cateter de número 12 a 14. A tunealização inicia-se na porção traqueal e após seu término o cateter usado para calibrar o lúmem é removido. A faringe é fechada pela maneira usual e os músculos pré-tireoideanos remanecentes são suturados à musculatura suprahioidea. Após colocação de dreno em sucção sutura-se pele e subcutâneo. A pele em torno da traqueostomia é suturada a parede traqueal.

Entre abril de 1990 e abril de 1991 foram selecionados e submetidos ao procedimento nove pacientes, todos do sexo masculino, leucoderinas, de idades variando entre 53 e 78 anos com média de 61 anos. Cinco lesões eram endolaríngeas e quatro eram de seio piriforme. Segundo a classificação da "AJC" de 1983 uma lesão era estádio II, seis lesões eram estádio III e duas lesões eram estádio IV. Duas lesões foram classificadas como T2 e as outras sete como T3. Cinco pacientes tinham pescoço clinicamente positivos. Faringectomia parcial foi associada a laringectomia em quatro casos. Todos os nove casos foram submetidos a esvaziamento cervical unilateral simultâneo. Em dois casos foi usado retalho de mucosa de hipofaringe para auxiliar na confecção do shunt traqueofaríngeo. A luz do shunt foi calibrada com sonda número 12.

A indicação de radioterapia pós-operatória baseou-se na presença de três ou atais linfonodos cervicais comprometidos ou na presença de ruptura capsular linfonodal, sendo realizada em quatro pacientes.

RESULTADOS

Três pacientes apresentaram no pós-operatório fístula faringocutânea e outros três apresentaram infecção na ferida cirúrgica cervical sem a presença de fístula, totalizando seis pacientes com complicações locais pós-operatórias. Todos os casos responderam bem ao tratamento conservador. Não houve complicações sistêmicas.

Em relação a reabilitação vocal, apenas um acidente não obteve sucesso. Os outros oito adquiriram voz de boa qualidade entre o décimo quarto e nonagésimo dia de pós-operatório, com média de cinqüenta dias. Dois pacientes apresentaram aspiração discreta de líquidos, sem repercusão pulmonar ou alteração no hábito alimentar.

Com seguimento entre dois e quinze meses, média de oito meses, sete pacientes estão vivos, sem sinal de doença. Dois pacientes faleceram da doença. Um com oito meses de pós-operatório devido a metástase mediastinal e o outro com cinco meses de pós-operatório devido a metástase óssea.

DISCUSSÃO

Não temos ainda um método ideal de reabilitação vocal para o paciente portador de neoplasia laríngea. Se o tivéssemos, seria um método que proporcionasse uma voz de boa qualidade em urna elevada proporção de pacientes, não prejudicasse a terapêutica oncológica, evitasse aspiração de tal maneira que o paciente pudesse ser mantido exclusivamente por alimentação oral, tivesse indicação ampla, desnecessário o uso das mãos para a vocalização, reabilitação o mais precoce possível com necessidade mínima de cuidados e treinamento pós-operatório, baixo custo e compatibilidade com radioterapia pós-operatória quando esta fosse indicada.

A voz esofágica apresenta corno principais desvantagens a necessidade de aprendizado e treinamento, e índice de sucesso variável com qualidade da voz muitas vezes insatisfatória. O uso da laringe eletrônica torna o paciente dependente do aparelho e a voz produzida é monótona conto a de um robô. Os "shunts" sem prótese apresentam o risco de refluxo salivar com aspiração pulmonar. O uso das próteses diminuem este risco mas acrescentam a necessidade de cuidados freqüentes e troca periódica da prótese com aumento do custo.

A laringectomia "Near Total" apresenta-se corno uni método atraente, pois propõe-se a criar uni shunt traqueofaríngeo com uni mecanismo valvular natural devido a preservação de parte da corda vocal oposta com sua musculatura e intervenção. Estudos de cortes seriados de peças de laringectonuas tem demonstrado que a técnica não prejudica a radicalidade do tratamento oncológica naqueles casos em que ela é bem indicada.

O procedimento pode ser usado tanto para lesões endolaríngeas como para lesões de seio piriforme . Está contra-indicado nos casos de radioterapia prévia devido a limites imprecisos do tumor revalido a insegurança das margens de recessão. Também não deve ser realizado naqueles casos em que a preservação da faixa de mucosa comprometeria a resecção tumoral, como acometimento de comissura posterior, de mais de um terço de corda vocal oposta, de ventrículo oposto, de região retrocricoide ou de subglote bilateral.

A seleção dos pacientes submetidos a laringectomia "Near Total" está demonstrada na distribuição dos pacientes pelo estadia A maioria, seis pacientes, eram estádio III, um estádio intermediário. Lesões menos avançadas são freqüentemente candidatas a tratamentos mais conservadores e lesões mais avançadas tem mais chances de apresentarem contra indicações ao método.

Faringectomia parcial foi necessária nos casos de lesões de seio piriforme. A realização de esvaziamento cervical unilateral em todos os casos demonstrarei a presença já de linfonodos suspeitos ou alto risco de acometimento lififonodal oculto devido a extensão da lesão primária. O diâmetro do "shunt" é de suma importância para o sucesso da cirurgia e usamos sonda de calibre 12 durante sua confecção. Um "shunt" muito estreito leva a estenose e o não funcionamento. Uni shunt muito largo leva a refluxo salivar com aspiração pulmonar importante. Em dois casos de lesão endolaringea foi necessária o uso de retalho de mucosa de hipofaringe para que o " shunt" obtivesse o diâmetro adequado.

Tivemos uni índice significativo de complicações locais pós-operatórias, que relacionamos com uni aumento na tensão da sutura do faringe devido a fixação da mesma pelo shunt. Talvez em alguns casos, principalmente de seio piriforme, devessemos diminuir esta tensão com o uso de retalhos a distância no fechamento da faringe. Apesar disto todas estas complicações foram sem maiores conseqüências e regrediram apenas com tratamento conservador.

Oito pacientes obtiveram voz incluindo os quatros que foram submetidos a radioterapia pós-operatória, demonstrando a compatibilidade da técnica com o tratamento combinado. A qualidade da voz obtida foi superior a da voz esofágica e se deu serre a necessidade de treinamento prolongado. O início da fala foi em média com cinqüenta dias de operado sendo urre pouco mais tardio nos pacientes submetidos a radioterapia. A aquisição muito precoce da fala é um sinal de que o "shunt" está largo e conseqüentemente há mais risco de aspiração. Dois pacientes apresentaram aspiração discreta, apenas durante a ingestão de líquidos em grandes quantidades, sem repercussão pulmonar ou alimentar. Ambos obtiveram melhora como passar do tempo.

Nosso seguimento é curto e não podemos tirar maiores conclusões em relação a sobrevida. Apenas dois pacientes faleceram da doença e devido a metástase a distância.

Ao nosso ver as principais vantagens da laringectomia "Near Total" são: a boa qualidade da voz obtida, a elevada incidência de sucesso, o não uso de próteses, treinamento mínimo pós-operatório, baixa incidência de aspiração e compatibilidade com a radioterapia complementar.

As principais desvantagens são: As indicações limitadas a casos selecionados, necessidade do uso de unia das mãos para a oclusão do traqueostomia durante a vocalização, cuidados com a traqueostomia ligeiramente mais freqüentes do que após laringectomia total e aumento da tensão na sutura do faringe devido a fixação pelo shunt.

CONCLUSÃO

A laringectomia "Near Total" proporciona em casos selecionados um elevado índice de reabilitação vocal de boa qualidade, é compatível com radioterapia pós-operatória e mantém a capacidade do paciente de alimentação por via oral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Médico Assistente.
** Chefe do Serviço.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Felício Racho, Belo Horizonte, Minas Gerais:

Endereço: Rua Corinto 430 - Serra - Belo Horizonte - MG. - CEP: 30210 -Tel (031) 221-6523.

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