Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 102 a 105

 

Avaliação otológica do mergulhador.

Otologic evaluation in diver.

Autor(es): Rosirene Gessinger *,
Arnaldo Linden **

Palavras-chave: barotrauma, ouvido, mergulho

Keywords: barotrauma, ear, diving

Resumo:
Barotrauma de ouvido médio é o problema mais freqüente em mergulhadores. O objetivo deste trabalho é revisar e atualizar a fisiologia e patofisiologia otológica do mergulho.

Abstract:
Barotrauma of fite middle ear is the most common disorder occuring in divers. The aim of this paper is to review and update tire otologic physiology and pathophysiology of sport SCUBA diving.

INTRODUÇÃO

O número de mergulhadores tem aumentado de uma forma significativa nos últimos anos. A grande maioria dos problemas médicos associados como mergulho ocorrem na área da cabeça e pescoço, especialmente nos ouvidos1.

Os riscos do mergulho são popularmente associados com grandes profundidades; entretanto o mergulho a pequenas profundidades, sem o devido equilíbrio pressórico, pode levar ao barotrauma. Na superfície o ouvido externo, médio e interno estão em pressões iguais a 760 mmHg; a medida que o mergulhador ganha profundidade, a pressão externa sobre a membrana timpânica aumenta em 1 atmosfera (ATM) a cada 10ni e conforme a lei das pressões (Lei de Boyle Mariotte) ocorre diminuição do volume dos gases contidos no organismo2. Esta variação de pressão e volume é responsável pela maioria dos acidentes causados no mergulho.

No presente artigo, os autores realizam uma revisão dos problemas otológicos no mergulho com ênfase à profilaxia destes acidentes.

ASPECTOS GERAIS

Durante o mergulho a água substitui o ar no conduto auditivo externo. Uma obstrução que impeça a entrada de água no conduto, tais como cera, estenose, exostose ou tampões protetores, poderão levar a um barotrauma de ouvido externo.

Isso ocorre devido a formação de uma câmara de baixa pressão entre a membrana timpânica e esta barreira. A pressão negativa dentro do conduto pode causar abaulamento timpânico, hiperenua, hemorragia e até mesmo ruptura do tímpano por sucção . (Figura 1 e 2).

O barotrauma de ouvido médio é o acidente mais freqüente entre os mergulhadores4. É causado pela impossibilidade de equalizar a pressão entre o ouvido médio e o meio ambiente. Esta equalização ocorre através da tuba auditiva e denomina-se Compensação5 que pode ser obtida realizando-se manobras como as de Valsalva, Frenzel e Toynbes5, 7.

A tuba auditiva sofre alterações hemodinâmicas diretas causadas pela própria imersão, e indiretas devido a congestão venosa ocasionada pela posição da cabeça na hora de realizar a manobra compensatória10. Por isso é sempre aconselhável realizar a compensação na posição vertical. Obstruções tubárias, inflamação ou edema da mucosa11, 12 e desvio do terço médio de septo ósseo nasal13 também são responsáveis por dificuldade de compensação.

Sabe-se que o ouvido médio tem um volume de ar de aproximadamente 5 ml e, a uma profundidade de 5 metros, o meio externo (água salgada) exerce uma pressão de 1,5 bar comprimindo este ar para 3,3ml. Para equilibrar este gradiente é necessário enviar ativamente 1,7 ml de ar através da tuba; já a uma profundidade de 10ni a pressão exercida duplica (2bar) e o volume reduz-se à metade (2,5m1) sendo necessário 2,5ml para compensação14, 15.

Na etapa de compressão (descida) é necessário a abertura ativa da tuba para equilíbrio pressórico16, 20; já na subida, momento em que o ar se expande; a compensação ocorre passivamente17.



FIGURA 1 - Na superfície: Equilíbrio pressórico entre meio externo, conduto auditivo externo e ouvido médio.



FIGURA 2 - Na imersão: Câmara de baixa pressão entre a membrana timpânica e barreira no ouvido externo.



Em uma profundidade de 0,78m cora pressões não equilibradas, ocorre um gradiente entre o ouvido médio e o meio externo da ordem de 60mmHg. Com isto já ocorre retração do tímpano e ossículos podendo ser referida dor e sensação de "ouvido cheio". Ao nível de 1,18m o gradiente é de 90mmHg e equilibrar esta diferença é muito difícil. Considera-se que a partir desta profundidade, se não ocorrer equilíbrio prévio, a tuba encontra-se bloqueada devido ao gradiente pressórico. Com gradientes entre 100 e 500 mmHg, profundidade entre 1,30m e 5,27m sem equilíbrio pressórico, pode ocorrer ruptura da membrana timpânica18; Ernonds classifica o barotrauma em ordem crescente de gravidade e intensidade. O barotrauma, quando bilateral, apresenta-se geralmente com intensidade diferente se comparados, devido é capacidade independente de compensação de cada ouvido. A vertigem é muito comum em mergulhadores com gradiente de pressão diferentes entre os dois ouvidos (vertigem altemobárica)19.

Embora com menor freqüência, o gradiente de pressão pode causar lesões também no ouvido interno20; podem ocorrer fístulas de janela redonda e/ou oval31, 22 acompanhadas das alterações fisiopatológicas do ouvido interno 24 sejam elas, hipoacusia, vertigem ou cofose23, 24.

Pacientes com Síndrome de Ménière e outras condições vertiginosas devem ser avaliados rigorosamente. Se a patologia estiver em atividade, o mergulho deve ser contra-indicado. Uma crise vertiginosa subaquática pode resultar em perda completa do senso de orientação, aumentando o risco de vômitos, aspiração e afogamento19.

A surdez neurossensorial, por si só, não exclui um candidato visto que, toda comunicação subaquática é realizada através de sinais internacionalmente padronizados27. Pacientes "com ouvido único" também merecem atenção especial, pois devem ser orientados sobre o risco de uma fístula perilinfática causar cofose em seu "ouvido bom"28.

INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES

Estenoses, exostose, cerúmen ou qualquer alteração que dificulte a entrada de água no conduto auditivo externo criando uma câmara de pressão negativa são contra-indicações para a prática do mergulho até que sejam solucionadas. Devem ser evitados o uso de toucas apertadas e tampões protetores em mergulhos com mais de 1,5 metros de profundidade pela mesmas razões3. A otite externa em atividade é uma contra-indicação ao mergulho devido a infecção e edema do conduto auditivo externo3. A otite média crônica, aguda ou colesteatomatosa; assim como a presença de tubos de ventilação; excluem o candidato até resolução do problema15.

A avaliação da função tubária é fundamental para o mergulhador25. Devemos realizar sempre exame otorrinolaringológico completo, audiometria e impedanciometria. Deve-se atentar para o fato de que uma curva timpanométrica normal diminui significativa mente a morbidade otológica do mergulhador26 não exclui um barotrauma16.

Devido as bruscas variações de pressão no mergulha, deve ser contra-indicado o mergulho em pacientes que realizaram estapedectomia, pois os riscos de deslocamento da Prótese e formação de fístulas tornam-se muito elevados18; igualmente desaconselhável é o mergulho para pacientes que se submeteram a timpanomastoídectomia com técnica aberta, pois nestes casos o seio , nervo facial e canais semi-circulares ficam mais suscetíveis à água fria ou contaminações3.

CONCLUSÃO

Mesmo excluindo-se as patologias e condições que contra indiquem o mergulho através de um exame normal, não eliminamos o risco de um barotrauma otológico. Acreditamos ser de fundamental importância na profilaxia do barotrauma otológico a presença do otorrinolaringologista para avaliações freqüentes do mergulhador e para a orientação sobre as manobras de compensação do ouvido já que o treinamento e o aperfeiçoamento da técnica de equalização da pressão entre o ouvido médio e o meio ambiente, adquiridos com a prática do mergulho, diminuem significativamente a incidência de barotrauma de ouvido médio em mergulhadores29.

Consideramos que se tomados esses cuidados ocorrerá uma diminuição significativa na morbidade do mergulho.

BIBLIOGRAFIA

1. FARMER J.C.; THOMAS W.G.: Otologic and paranasal sinus problems in diving. In: Bennet P.B., Elliott D.H., eds. The physiology and medicine of diving. San Pedro, Calif: Best Publishing Co, 1982: 507-36.
2. EDMONDS, C.; LOWRY, C.; PENNEFATHER, J.: Diving and subquatic medicine. And ed Mosman. New South Wales: Australia Diving Medical Center 1981: 99.
3. NEBLETT, L.M.: Otolaryngology and sport SCUBA diving. Update and guidelines. Ann Otol Rhinol Laryngol 1985; 94 (suppl 115):2-12.
4. MATOS, A.: Barotrauma do ouvido médio entre mergulhadores. 1975 Tese para ingresso na Academia Brasileira de Medicina Militar.
5. HERGILLIS, L.; MAGNUSON, B.: Regulation of negative middle ear pressure without tubal opening. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1988; 114: 1442-44.
6. DELONCA, G.: Discussion on the manovres to equalize pressure in the ear of the unterwater swimmer. Bull Fr. Soc Subaqua and Flyperbar Med 1970; 11: 10-4.
7. FILKELSTEIN, Y. ET AL.: Study of Toynbee phenomenom by combined intranasopharyngeal and tympanometric measurements. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988; 97: 199-206.
8. ARBORELIUS, M. JR.; BALLUDIN, U,L; LUA, B.; Lundgren C.E.G.: Hemodynamic changes in man during immersion with the head above water. Aerospace Med 1972; 42:592-8.
9. IVARSSON, A.; LUNDGREN, C.E.G.; TJERNSTROM, O., UDDMAN, R.; ORNHAGEN, H.: Eustachian tubal function during immersion. Undersea Biomed Res 1977; 4: 9-18.
10. JONSON, B.; RUNDCRANZ, H.: Postule and pressure whithin internal jugular vein. Acta Otolaryngol (Stockh) 1969; 68: 271-5.
11. MCBRIDE ET AL.: Alteration of the Eustachian Tube, midle ear and nose ip Rh inovirus Infectio n. Arch Otolaryngol 11 ead Neck Surg 1989; 115: 1054-59.
12. ROYDHOUSE, N,: 1001 disorders of ear, nose and sinus in SCUBA divers. Can J Appl Spt Sci 1985; 2.- 99-103.
13. MCNICOLL, W.: Eustachian Tube dysfunction in submariners and divers. Arch Otolaryngol 1982; 108: 279-83.
14. GRONTVENT A. ET AL.: Monitoring midle ear pressure by tympanometry. Acta Otolaryngol (Stockh) 1989; 108: 101-06.
15. STRUTZ, J,: Otologische asprkte beim Tauchen. HNO 1988; 36: 198-205.
16. SHUPAK, A., OSTFELD, E.; SHARONI, Z.; DOWECK, L: Pressure chamber tympanometry in diving candidates. Ann Otol Rhinol Laryngol 1991; 100: 658-60.
17. ORNHAGEN, H.C.; TALLBERG, P.: Pressure equilibration of the middle ear during ascent. Undersea Biomed Res 1981; 8: 219-27.
18. BENSON, A.J.; KING, P.F.: Pathophysiology of the ears and nasal sinues in flying and diving. In: Scott-Brown's Otolaryngology Butter-worth ck Co. vol l; 1987: 183-207.
19. KGICOVA, H,; KREICI, L.; JIROUT, J,; STRACAROVA, B.; REZEK, P.: Vestibular and neurological disorders in diving competitors. Ann Ny Acad Sci 1981; 374: 839-45.
20. FAREMER, J.C.: Diving injuries to inner ear. Ann Otol Rhinol Laryngol 1977; 86 (supl 36)
21. SIMMONS, F.B.: Theory of membrane breaks in the sudden hearing loss. Arch Otolaryngo11968; 88: 41-48.
22. IIARKER, L.; NORANTE, J.D.; RYU, J.H.: Experimental rupture of the round window membrane. Trans Am Acad Ophthalmol 1974; 78: 448-52.
23. PAPARELLA, M.M.; SCRACHERN, P.A.; CHOO, Y.B.: The roun window membrane: Otological observations. Ann Otol Rhinol Laryrtgol1983; 92: 629-34.
24. EICI IEL, B.S.; LANDES, B.S.: Sensorineural hearing loss caused by skin diving. Arch Otolaryngol 1970; 92: 128-31.
25. HARRINGTON, R.: Otic barotrauma in general practice. Australian Fam Physician 1986; 15: 727-30.
26. FARMER, J.C.: Eustachian lube function and otologic barotrauma. Ann Otol Rhinol Laryngol 1985; 94 (suppl 120): 45-7.
27. EMPLETON, B.E.; HILL, R.W.; LAMPHIER, E.H.: Planning a SCUBA DIVE underwater. Communications System. In: Concil for National Cooperation in Aquatics. The New Science of Skin an SCUBA Diving; Association Press Follet Publishing Company. Chicago 5° ed., 1980: 179-198.
28. PULLEN, F.W.; ROSENBERG, G.J.; CARBEZA, C.IL: Sudden hearing loss in divers and filiers. Laryngoscope 1979; 89: 1373-1377.
29. GESSINGER, R.P.; LINDEN, A.: Barotrauma de ouvido médio em mergulhadores: Estudo analítico. Rev, Bras, de Otolaringologia vol 57. n° 3; 1991: 111-114.




* Residente do 3° ano de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
** Professor de Otorrinolaringologia Universidade Federal da Rio Grande do Sul - MSc em Otologia.

Endereço para correspondência: Rua Augusto Severo, 483 - CEP 90240 - Porto Alegre - RS.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial