INTRODUÇÃOO número de mergulhadores tem aumentado de uma forma significativa nos últimos anos. A grande maioria dos problemas médicos associados como mergulho ocorrem na área da cabeça e pescoço, especialmente nos ouvidos1.
Os riscos do mergulho são popularmente associados com grandes profundidades; entretanto o mergulho a pequenas profundidades, sem o devido equilíbrio pressórico, pode levar ao barotrauma. Na superfície o ouvido externo, médio e interno estão em pressões iguais a 760 mmHg; a medida que o mergulhador ganha profundidade, a pressão externa sobre a membrana timpânica aumenta em 1 atmosfera (ATM) a cada 10ni e conforme a lei das pressões (Lei de Boyle Mariotte) ocorre diminuição do volume dos gases contidos no organismo2. Esta variação de pressão e volume é responsável pela maioria dos acidentes causados no mergulho.
No presente artigo, os autores realizam uma revisão dos problemas otológicos no mergulho com ênfase à profilaxia destes acidentes.
ASPECTOS GERAISDurante o mergulho a água substitui o ar no conduto auditivo externo. Uma obstrução que impeça a entrada de água no conduto, tais como cera, estenose, exostose ou tampões protetores, poderão levar a um barotrauma de ouvido externo.
Isso ocorre devido a formação de uma câmara de baixa pressão entre a membrana timpânica e esta barreira. A pressão negativa dentro do conduto pode causar abaulamento timpânico, hiperenua, hemorragia e até mesmo ruptura do tímpano por sucção . (Figura 1 e 2).
O barotrauma de ouvido médio é o acidente mais freqüente entre os mergulhadores4. É causado pela impossibilidade de equalizar a pressão entre o ouvido médio e o meio ambiente. Esta equalização ocorre através da tuba auditiva e denomina-se Compensação5 que pode ser obtida realizando-se manobras como as de Valsalva, Frenzel e Toynbes5, 7.
A tuba auditiva sofre alterações hemodinâmicas diretas causadas pela própria imersão, e indiretas devido a congestão venosa ocasionada pela posição da cabeça na hora de realizar a manobra compensatória10. Por isso é sempre aconselhável realizar a compensação na posição vertical. Obstruções tubárias, inflamação ou edema da mucosa11, 12 e desvio do terço médio de septo ósseo nasal13 também são responsáveis por dificuldade de compensação.
Sabe-se que o ouvido médio tem um volume de ar de aproximadamente 5 ml e, a uma profundidade de 5 metros, o meio externo (água salgada) exerce uma pressão de 1,5 bar comprimindo este ar para 3,3ml. Para equilibrar este gradiente é necessário enviar ativamente 1,7 ml de ar através da tuba; já a uma profundidade de 10ni a pressão exercida duplica (2bar) e o volume reduz-se à metade (2,5m1) sendo necessário 2,5ml para compensação14, 15.
Na etapa de compressão (descida) é necessário a abertura ativa da tuba para equilíbrio pressórico16, 20; já na subida, momento em que o ar se expande; a compensação ocorre passivamente17.
FIGURA 1 - Na superfície: Equilíbrio pressórico entre meio externo, conduto auditivo externo e ouvido médio.
FIGURA 2 - Na imersão: Câmara de baixa pressão entre a membrana timpânica e barreira no ouvido externo.
Em uma profundidade de 0,78m cora pressões não equilibradas, ocorre um gradiente entre o ouvido médio e o meio externo da ordem de 60mmHg. Com isto já ocorre retração do tímpano e ossículos podendo ser referida dor e sensação de "ouvido cheio". Ao nível de 1,18m o gradiente é de 90mmHg e equilibrar esta diferença é muito difícil. Considera-se que a partir desta profundidade, se não ocorrer equilíbrio prévio, a tuba encontra-se bloqueada devido ao gradiente pressórico. Com gradientes entre 100 e 500 mmHg, profundidade entre 1,30m e 5,27m sem equilíbrio pressórico, pode ocorrer ruptura da membrana timpânica18; Ernonds classifica o barotrauma em ordem crescente de gravidade e intensidade. O barotrauma, quando bilateral, apresenta-se geralmente com intensidade diferente se comparados, devido é capacidade independente de compensação de cada ouvido. A vertigem é muito comum em mergulhadores com gradiente de pressão diferentes entre os dois ouvidos (vertigem altemobárica)19.
Embora com menor freqüência, o gradiente de pressão pode causar lesões também no ouvido interno20; podem ocorrer fístulas de janela redonda e/ou oval31, 22 acompanhadas das alterações fisiopatológicas do ouvido interno 24 sejam elas, hipoacusia, vertigem ou cofose23, 24.
Pacientes com Síndrome de Ménière e outras condições vertiginosas devem ser avaliados rigorosamente. Se a patologia estiver em atividade, o mergulho deve ser contra-indicado. Uma crise vertiginosa subaquática pode resultar em perda completa do senso de orientação, aumentando o risco de vômitos, aspiração e afogamento19.
A surdez neurossensorial, por si só, não exclui um candidato visto que, toda comunicação subaquática é realizada através de sinais internacionalmente padronizados27. Pacientes "com ouvido único" também merecem atenção especial, pois devem ser orientados sobre o risco de uma fístula perilinfática causar cofose em seu "ouvido bom"28.
INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES
Estenoses, exostose, cerúmen ou qualquer alteração que dificulte a entrada de água no conduto auditivo externo criando uma câmara de pressão negativa são contra-indicações para a prática do mergulho até que sejam solucionadas. Devem ser evitados o uso de toucas apertadas e tampões protetores em mergulhos com mais de 1,5 metros de profundidade pela mesmas razões3. A otite externa em atividade é uma contra-indicação ao mergulho devido a infecção e edema do conduto auditivo externo3. A otite média crônica, aguda ou colesteatomatosa; assim como a presença de tubos de ventilação; excluem o candidato até resolução do problema15.
A avaliação da função tubária é fundamental para o mergulhador25. Devemos realizar sempre exame otorrinolaringológico completo, audiometria e impedanciometria. Deve-se atentar para o fato de que uma curva timpanométrica normal diminui significativa mente a morbidade otológica do mergulhador26 não exclui um barotrauma16.
Devido as bruscas variações de pressão no mergulha, deve ser contra-indicado o mergulho em pacientes que realizaram estapedectomia, pois os riscos de deslocamento da Prótese e formação de fístulas tornam-se muito elevados18; igualmente desaconselhável é o mergulho para pacientes que se submeteram a timpanomastoídectomia com técnica aberta, pois nestes casos o seio , nervo facial e canais semi-circulares ficam mais suscetíveis à água fria ou contaminações3.
CONCLUSÃOMesmo excluindo-se as patologias e condições que contra indiquem o mergulho através de um exame normal, não eliminamos o risco de um barotrauma otológico. Acreditamos ser de fundamental importância na profilaxia do barotrauma otológico a presença do otorrinolaringologista para avaliações freqüentes do mergulhador e para a orientação sobre as manobras de compensação do ouvido já que o treinamento e o aperfeiçoamento da técnica de equalização da pressão entre o ouvido médio e o meio ambiente, adquiridos com a prática do mergulho, diminuem significativamente a incidência de barotrauma de ouvido médio em mergulhadores29.
Consideramos que se tomados esses cuidados ocorrerá uma diminuição significativa na morbidade do mergulho.
BIBLIOGRAFIA1. FARMER J.C.; THOMAS W.G.: Otologic and paranasal sinus problems in diving. In: Bennet P.B., Elliott D.H., eds. The physiology and medicine of diving. San Pedro, Calif: Best Publishing Co, 1982: 507-36.
2. EDMONDS, C.; LOWRY, C.; PENNEFATHER, J.: Diving and subquatic medicine. And ed Mosman. New South Wales: Australia Diving Medical Center 1981: 99.
3. NEBLETT, L.M.: Otolaryngology and sport SCUBA diving. Update and guidelines. Ann Otol Rhinol Laryngol 1985; 94 (suppl 115):2-12.
4. MATOS, A.: Barotrauma do ouvido médio entre mergulhadores. 1975 Tese para ingresso na Academia Brasileira de Medicina Militar.
5. HERGILLIS, L.; MAGNUSON, B.: Regulation of negative middle ear pressure without tubal opening. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1988; 114: 1442-44.
6. DELONCA, G.: Discussion on the manovres to equalize pressure in the ear of the unterwater swimmer. Bull Fr. Soc Subaqua and Flyperbar Med 1970; 11: 10-4.
7. FILKELSTEIN, Y. ET AL.: Study of Toynbee phenomenom by combined intranasopharyngeal and tympanometric measurements. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988; 97: 199-206.
8. ARBORELIUS, M. JR.; BALLUDIN, U,L; LUA, B.; Lundgren C.E.G.: Hemodynamic changes in man during immersion with the head above water. Aerospace Med 1972; 42:592-8.
9. IVARSSON, A.; LUNDGREN, C.E.G.; TJERNSTROM, O., UDDMAN, R.; ORNHAGEN, H.: Eustachian tubal function during immersion. Undersea Biomed Res 1977; 4: 9-18.
10. JONSON, B.; RUNDCRANZ, H.: Postule and pressure whithin internal jugular vein. Acta Otolaryngol (Stockh) 1969; 68: 271-5.
11. MCBRIDE ET AL.: Alteration of the Eustachian Tube, midle ear and nose ip Rh inovirus Infectio n. Arch Otolaryngol 11 ead Neck Surg 1989; 115: 1054-59.
12. ROYDHOUSE, N,: 1001 disorders of ear, nose and sinus in SCUBA divers. Can J Appl Spt Sci 1985; 2.- 99-103.
13. MCNICOLL, W.: Eustachian Tube dysfunction in submariners and divers. Arch Otolaryngol 1982; 108: 279-83.
14. GRONTVENT A. ET AL.: Monitoring midle ear pressure by tympanometry. Acta Otolaryngol (Stockh) 1989; 108: 101-06.
15. STRUTZ, J,: Otologische asprkte beim Tauchen. HNO 1988; 36: 198-205.
16. SHUPAK, A., OSTFELD, E.; SHARONI, Z.; DOWECK, L: Pressure chamber tympanometry in diving candidates. Ann Otol Rhinol Laryngol 1991; 100: 658-60.
17. ORNHAGEN, H.C.; TALLBERG, P.: Pressure equilibration of the middle ear during ascent. Undersea Biomed Res 1981; 8: 219-27.
18. BENSON, A.J.; KING, P.F.: Pathophysiology of the ears and nasal sinues in flying and diving. In: Scott-Brown's Otolaryngology Butter-worth ck Co. vol l; 1987: 183-207.
19. KGICOVA, H,; KREICI, L.; JIROUT, J,; STRACAROVA, B.; REZEK, P.: Vestibular and neurological disorders in diving competitors. Ann Ny Acad Sci 1981; 374: 839-45.
20. FAREMER, J.C.: Diving injuries to inner ear. Ann Otol Rhinol Laryngol 1977; 86 (supl 36)
21. SIMMONS, F.B.: Theory of membrane breaks in the sudden hearing loss. Arch Otolaryngo11968; 88: 41-48.
22. IIARKER, L.; NORANTE, J.D.; RYU, J.H.: Experimental rupture of the round window membrane. Trans Am Acad Ophthalmol 1974; 78: 448-52.
23. PAPARELLA, M.M.; SCRACHERN, P.A.; CHOO, Y.B.: The roun window membrane: Otological observations. Ann Otol Rhinol Laryrtgol1983; 92: 629-34.
24. EICI IEL, B.S.; LANDES, B.S.: Sensorineural hearing loss caused by skin diving. Arch Otolaryngol 1970; 92: 128-31.
25. HARRINGTON, R.: Otic barotrauma in general practice. Australian Fam Physician 1986; 15: 727-30.
26. FARMER, J.C.: Eustachian lube function and otologic barotrauma. Ann Otol Rhinol Laryngol 1985; 94 (suppl 120): 45-7.
27. EMPLETON, B.E.; HILL, R.W.; LAMPHIER, E.H.: Planning a SCUBA DIVE underwater. Communications System. In: Concil for National Cooperation in Aquatics. The New Science of Skin an SCUBA Diving; Association Press Follet Publishing Company. Chicago 5° ed., 1980: 179-198.
28. PULLEN, F.W.; ROSENBERG, G.J.; CARBEZA, C.IL: Sudden hearing loss in divers and filiers. Laryngoscope 1979; 89: 1373-1377.
29. GESSINGER, R.P.; LINDEN, A.: Barotrauma de ouvido médio em mergulhadores: Estudo analítico. Rev, Bras, de Otolaringologia vol 57. n° 3; 1991: 111-114.
* Residente do 3° ano de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
** Professor de Otorrinolaringologia Universidade Federal da Rio Grande do Sul - MSc em Otologia.
Endereço para correspondência: Rua Augusto Severo, 483 - CEP 90240 - Porto Alegre - RS.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.