Ano: 1993 Vol. 59 Ed. 1 - Janeiro - Março - (11º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 54 a 55
HEMORRAGIA PÓS-OPERATÓRIA NA AMIGDALECTOMIA. A PRÓPOSITO DE UM CASO TRATADO COM LIGADURA ARTERIAL SELETIVA.
Postoperative hemorrhage in tonsillectomy. A case treated with selective arterial ligation.
Autor(es):
Petrônio Stamato Reiff *,
Felipe Dib Neto **,
Luis Roberto Mathias ***,
André B. M. Reiff ****.
Palavras-chave: amídala, amigdalectomia.
Keywords: tonsil, tonsillectomy
Resumo:
No presente artigo, os autores apresentam um caso de sangramento pós-operatório após amidalectomia, o que se mostrou refratário a medidas locais de tamponamento, necessitando procedimentos mais agressivos para o seu controle.
São feitos comentários a respeito desta complicação com base em outros autores; e rum resumo sucinto sobre as bases anatômicas da irrigação arterial da loja amigdaliana, e de corno se obter controle sobre este tipo de sangramento.
Abstract:
The authors present here a case of postoperative bleeding after tonsillectomy refractory to local measures, necessitating a more agressive procedure for controlling the event.
So, they comments aspects concerning this complication based upon other authors, and make a brief summary of the tonsilar arterial irrigation and of how, to obtain a control over such a bleeding.
INTRODUÇÃO
A cirurgia das amídalas e adenóides é um procedimento que continua sendo realizado cota certa freqüência na idade pediátrica e todos otorrinolaringologistas devem estar familiarizados com as complicações pós-operatórias.
Apesar dos avanços tecnológicos, estas complicações, sejam de origem cirúrgica ou anestésica, continuara ocorrendo.
A complicação cirúrgica mais importante é, sem dúvida, a hemorragia; que se for intensa ou inadequadamente tratada poderá obstruir a via respiratória e/ou determinar um colapso cardio-circulatório8.
As complicações pós-operatórias em uma série de adenoamigdalectomias foram classificadas em duas grandes categorias: hemorragia e problemas respiratórios.
Sangramento que necessitou de intervenção cirúrgica no pós-operatório (PO) imediato ocorreu em apenas 1 caso e em 2% dos casos no período compreendido de 7 a 10 dias. Em 1 % dos casos o sangramento foi discreto requerendo apenas observação. Obstrução das vias aéreas que necessitou de reintubação e cuidados intensivos ocorreu em 1,3 % dos casos.
Este relato de caso tem por objetivo enfatizar a possibilidade de sangramento pós adeno-amigdalectomia e mostrar um possível recurso que pode eventualmente ser necessário para coibir uma hemorragia que esteja refratária a medidas de ordem local e que coloque em risco a vida do paciente.
DESCRIÇÃO DO CASO
F.C.A., 5 anos, branco, natural e procedente de Pitangueiras - SP, registro n° 45.539.
Internado na Santa Casa de Bebedouro para cirurgia de amídalas. Apresentava-se eutrófico com exames laboratoriais normais.
Foi submetido a amigdalectomia por amidalite crônica.
Utilizada dissecção sob anestesia geral e hemostasia com catgut cromado. Recebeu alta em boas condições no segundo dia do pós-operatório.
Foi reinternado após 2 dias com hemorragia pós amigdaleetomia com anemia aguda e chocado. Foi realizado reposição volêmica e tomado os cuidados gerais, sendo então submetido a revisão das lojas amigdalianas sob anestesia geral e entubação oco-traqueal. Identificado sangramento abundante do tipo arterial, da loja amigdaliana esquerda, não sendo possível visualizar o pedículo vascular sangrante. Feito fechamento da loja por sutura dos pilares amigdalianos.
Como, após várias tentativas de controle da hemorragia, não se conseguiu hemostasia adequada, optou-se pela ligadura arterial de vasos carotídeos.
Realizado acesso à carótida esquerda por incisão cervical junto ao bordo anterior do músculo esternocleidomastoideo e dissecção da artéria até a sua bifurcação, fazendo-se oclusão temporária do vaso com laço de fita cardíaca. Feita dissecção dos ramos emergentes da artéria carótida externa ligando-se o 2° e 3°- ramos, obtendo-se controle imediato do sangramento da referida loja amigdaliana.
O pós-operatório transcorreu sem acidentes recebendo o paciente alta hospitalar em boas condições dois dias após a cirurgia.
COMENTÁRIOS
De acordo com Manning a utilização do tempo de protombina - TP - e tempo de tromboplastina parcial - TTP - na predição de sangramento cirúrgico e pós cirúrgico, apresenta valor preditivo zero e deveria ser reservado para pacientes com coagulopatias conhecidas ou suspeitas.
Entretanto, outra autora revendo 775 casos consecutivos de amigdalectomias, acha que pacientes com estudos pré-operatório da coagulação alterados, elevação acentuada da pressão arterial média e indicações cirúrgicas não usuais, são candidatos a apresentarem hemorragia pós amigdalectomia. Examinou ainda o uso de anestesia local para a realização da amigdalectomia concluindo ser este, um procedimento eficiente e seguro, não estando associado a sangramentos de importância.
Stage6 realizou um estudo clínico prospectivo e randomizado para avaliar a hemorragia pós ainigdalectomia em 832 pacientes, usando como analgésicos no PO o ácido acetilsalicílico e o paracetamol, concluindo que AAS não é um bom analgésico para amigdalectomizados tendo em vista a menor incidência de sangramento após 24 horas no grupo paracetamol (0,5%) comparado com o grupo AAS (3,1%).
A distribuição da complicação hemorrágica com respeito a idade mostra a existência de dois grupos:
A) de 6 a 8 anos tem uma incidência de 8,1 % e
B) de 13 a 14 anos uma incidência de 0,3%.
A maior incidência no grupo A deve-se provavelmente a um processo de esclerose tonsilar ou peritonsilar, decorrentes das reações flogísticas locais repetidas, com conseqüente hipoelasticidade vascular8.
A infecção como indicação para cirurgia das amídalas esteve associada a urna maior incidência de episódios de sangramento pós tonsilectomia, conforme Richmonds. Isto sugere que ataques repetidos de tonsilite torna a criança mais susceptível a sangramento no PO. Esta observação, embora plausível e notada na literatura1 nunca foi comprovada.
Handler3 estudando 435 casos, não encontrou correlação estatística entre sangramento e idade, sexo, hemoglobina no pré-operatório, status da coagulação ou indicação para o procedimento.
Cabe aqui um breve comentário sobre a irrigação das amídalas.
Da artéria carótida externa saem logo após sua bifurcação, um primeiro ramo que é a artéria tireóidea superior. Logo a seguir, dá origem a artéria lingual e artéria facial.
As artérias das amídalas (artérias tonsilares), quase sempre múltiplas, provêm da artéria lingual através da artéria dorsal da língua, que responde pela irrigação dos pilares anteriores do véu palatino.
A artéria palatina inferior que é um dos ramos da artéria facial é responsável pela irrigação das amígdalas, pilares e véu do palato. Respondem ainda pela irrigação amigdaliana, as artérias faríngea inferior e ramos da artéria palatina superior.
Tudo isto posto, achamos que a hemorragia pós amidalectomia continua sendo uma possível complicação, sendo o seu controle realizado com medidas de ordem local na maioria dos casos.
Entretanto, poderá eventualmente ser necessária a realização de um procedimento pouco mais agressivo como a ligadura da artéria carótida externa2 ou dos ramos que irão suprir a loja amidaliana.
BIBLIOGRAFIA
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* Médico Cirurgião da Santa Casa de Misericórdia de Bebedouro.
** Médico Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
*** Médico Cirurgião da Santa Casa de Misericórdia de Bebedouro.
**** Acadêmico de Medicina da FMUSP.
Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia de Bebedouro, Bebedouro - SP
Endereço do Autor: Rita Antonio Alves de Toledo n° 923, Bebedouro - SP, CEP 14700.