Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (11º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 67 a 70

 

ZUMBIDO POR FÍSTULA CARÓTIDO-CAVERNOSA DE ORIGEM TRAUMÁTICA.

Post-Traumatic Caroticocavernous Fistula as a Cause of Tinnitus.

Autor(es): Oswaldo A. B. Rios*,
Lídio Granato**,
Márcio C. de Freitas***

Palavras-chave: fístula carótido-carvenosa, zumbido

Keywords: caroticocavernous fistula, tinnitus

Resumo:
Fístula carótido-cavernosa é uma conexão arteriovenosa entre a artéria carótida interna e o seio cavernoso. É uma entidade rara, principalmente se a queixa única for zumbido. Pode ser classificada ele acordo com três critérios traumática ou espontânea, ele alto ou baixo fluxo, e diretas ou durais. A sintomatologia é geralmente insidiosa e o diagnóstico por rádio-imagem geralmente é feito ele um a oito meses após o ocorrido, com média de cinco meses. É relatado um caso ele zumbido provocado por uma fístula carótido-cavernosa.

Abstract:
Caroticocavernous fistula an arteriovenous shunt between the internal carotid artery and the cavernous sinus. It is a rare entity. It can be classified according to three criteria: 1) pathogenically into spontaneous or traumatic fistulas; 2) hemodynamically into high-flow or low-flow fistulas; and 3) angiographicully into direct or dural fistulas, the symptoms were usually insidious in onset and the length of time between the onset of the first symptoms and radiographic diagnosis of a caroticocavernous fistula ranged from one to eight months. In this paper, a case of tinnitus caused by caroticocavernous fistula is presented. Pathophysiology, clinical features, treatment and complications are related.

INTRODUÇÃO

A fístula carótido-cavernosa (FCC) é uma conexão espontânea ou adquirida entre os ramos da artéria carótida e o seio cavernoso, e pode ocorrer, principalmente, após trauma de crânio fechado ou penetrante e ruptura de aneurisma. É uma afecção chie teta grande possibilidade de levar a perda visual e óbito.

Raramente lia resolução espontânea, sendo de escolha o tratamento endovascular através de balões.

É relatado um caso de zumbido provocado por fístula carótido-cavernosa, e são discutidos a classificação, sintomatologia, fisiopatologia, tratamento e complicações.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

As fístulas carótido-cavernosas (FCC) são conexões espontâneas ou adquiridas entre a 'artéria carótida e o seio cavernoso (Barrow, 1985).

Embora a causa seja freqüentemente desconhecida, os fatores associados com o desenvolvimento das fístulas são: gravidez, sinusite, hipertensão, trauma, procedimentos cirúrgicos e trombose do seio cavernoso. Poderei ainda ser conseqüência ele aneurisma intracavernoso roto da carótida, dissecção arterial e trauma cirúrgico direto (Leiwis e colaboradores, 1995).

A classificação angiográfica das FCC é importante, pois está relacionada com as indicações cio tratamento. Depende da velocidade elo fluxo sangüíneo através do shunt da origem anatômica elas artérias que a suprem. Pode ser classificar-ia nos tipos A, B, C e D (Ferrem, 1997).

A fístula do tipo A tem fluxo rápido e ruptura única entre a carótida interna e a fístula carótido-cavernosa. É mais freqüente em homens jovens (75% dos casos); sua principal causa é o trauma, mas pode ocorrer também por aneurisma roto de artéria carótida intracavernosa, dissecção arterial e trauma cirúrgico direto.

Os mecanismos envolvidos na gênese cio trauma são fraturas da base do crânio, por lesões penetrantes ou armas de fogo, que provocam lesão direta elas paredes do vaso. Pode ocorrer também lesão indireta nas lesões fechadas elo crânio, nas quais a laceração dos vasos e a ruptura secundária da artéria carótida interna acompanham os movimentos ela massa cerebral (Voigt e colaboradores, 1971).

As fístulas tipo B são malformações artério-venosas durais espontâneas com fluxo lento, geralmente supridas pelos ramos meníngeos cavernosos do sifão carotídeo.

As fístulas do tipo C são também malformações artério-venosas durais de baixo fluxo, mas supridas, exclusivamente, por ramos da artéria carótida externa.

As fístulas elo tipo D são malformações artério-venosas durais supridas pelos ramos da carótida externa e artéria carótida interna. As fístulas dos tipos B, C e D são mais comuns em mulheres ele meia idade. Cerca de 25% das fístulas são espontâneas.

Os sintomas geralmente são insidiosos, principalmente nas fístulas durais, e estão relacionados com tamanho, duração, localização, presença de. colaterais venosas ou arteriais e a drenagem venosa. A grande maioria das FCC, com conexão entre a artéria carótida interna e o seio cavernoso, é unilateral e tem como regra a exoftalmia do mesmo lado. A presença de canais intracavernosos permite que a fístula unilateral possa ser acompanhada de exoftalmia bilateral ou mesmo contralateral. A exoftalmia bilateral pode ser uma fístula bilateral, mas é extremamente rara (Voigt e colaboradores, 1971).

Os sintomas mais freqüentes são: cefaléia unilateral, diplopia, dor ocular, podendo ocorrer ainda exoftalmia, quemose, oftalmoplegia e zumbido vascular3. O shunt que ocorre entre as veias oftálmicas e a artéria carótida interna pode provocar exoftalmia (geralmente pulsante), quemose e hemorragia retiniana. O zumbido de caráter pulsátil é detectado às vezes como urre frêmito na calota craniana ou no olho, e é sincrônica ao pulso cio paciente. A oftalmoplegia é freqüente, pois os nervos cranianos III, IV e VI estão no seio cavernoso (Lewis e colaboradores, 1995).

Os sintomas podem ocorrer até meses após o trauma. A queixa subjetiva de zumbido precede a expressão das características oculares em semanas ou meses. O diagnóstico radiológico geralmente é feito de um a oito meses após o início da sintomatologia1.

O diagnóstico diferencial inclui tumores cio seio cavernoso, trombose elo seio cavernoso, hipertiroidistno, aneurisma intracavernoso e lesão intraorbital. Todas essasafecções provocam dor ocular, exoftalmia e oftalmoplegia, mas o zumbido não está tipicamente presente.

O tratamento depende da velocidade do fluxo através da fístula, cia suplência arterial e das rotas de drenagem venosa. As fístulas de baixo fluxo, freqüentemente, se resolvem sem intervenção cirúrgica ou endovascular. As fístulas, as diretas, necessitara de intervenção cirúrgica.

As fístulas traumáticas podem ter resolução espontânea, através de conduta expectante e apus angiografia cerebral. O fechamento espontâneo é mais comum na FCC indireta, onde a terapia de compressão carotídea tem obtido sucesso em 30% dos casos; mas apenas 17% das fístulas carótido-cavernosas diretas apresentam fechamento expontâneo (Ferrara, 1997). Podem ser tratadas de forma agressiva, através de cirurgia, mas devem ser vistas ele maneira muito estrita e criteriosa, pois apresentam grande risco de vida.

As indicações para o tratamento agressivo incluem perda visual, diplopia, exoftalmia rapidamente progressiva, frêmito persistente ou cefaléia, exposição corneal, evidência de drenagem venosa cortical e varicosidade.



Figura 1. Tomografia computadorizada, em cortes coronais, que mostra área hiperdensa em seio cavernoso, principalmente à direita, e que sugere fístula carótido-cavernosa à direita ou processo inflamatório.



Figura 2. Angiografia digital que evidencia fístula carótido-cavernosa à direita, com redirecionamento do fluxo para veia orbitária superior.



A melhor terapia inicial para a correção das fístulas carótido-cavernosas é o uso de balões separados por via intra-arterial, principalmente para o tipo A (Debrun, 1988; Kim e colaboradores, 1996). Esses balões são colocados no seio cavernoso, inflados e soltos do cateter, de forma a não obstruir a luz da artéria, fechando a fístula mas mantendo o fluxo sangüíneo. Em casos selecionados, outra alternativa é a via endovenosa. Se persistir a falha na terapia, mesmo com o emprego dessas duas técnicas, está indicada a cirurgia convencional, através da ligadura dos vasos (West, 1980).

Na terapia convencional, ou na embolização da artéria carótida interna com fibras musculares, pode haver formação de colaterais, que levam ao insucesso da terapêutica. É rara a recidiva após o procedimento bem sucedido.

As complicações desses vários tipos de tratamento incluem perfuração ou trombose do seio cavernoso, oclusão da artéria carótida interna, isquemia cerebral, pseudoaneurisma e paralisia de nervos cranianos (Lewis, 1995).

A complicação mais séria da fístula carótido-cavernosa é a hemorragia cerebral. Pode ocorrer diminuição da acuidade visual em 31% dos casos; e cegueira, em 5% - que são irreversíveis. Quando ocorre alguma destas complicações ou presença de varizes no seio cavernoso, há um grande aumento da mortalidade, sendo absoluta a indicação de tratamento cirúrgico de urgência (Halbach, 1987).

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

J. P. K., com 54 anos de idade, do sexo feminino, natural da Bahia, foi vítima de acidente automobilístico (atropelamento) há dois meses; e, a partir de então, apresentou zumbido pulsátil na orelha direita, constante, durante todo o dia, sem períodos de melhora ou piora. Não apresenta diminuição da acuidade auditiva, assim como otorréia, otorragia, otalgia, tontura, náuseas ou vômitos. Foi submetida a cirurgia para redução de fratura de mandíbula logo após o atropelamento. Após dois meses, evoluiu em dois dias com edema de pálpebras, quemose bipalpebral e sufusão hemorrágica e conjuntival no olho direito.

A audiometria tonal liminar se mostrou normal, mas apresentava ausência de reflexo estapediano no lado direito, com discriminação vocal normal.

Foi submetida a tomografia computadorizada, que sugeriu fístula carótido-cavernosa ou processo inflamatório (Figura 1). Foi realizada angiografia digital, que evidenciou fístula carótido-cavernosa à direita, com redirecionamento do fluxo para veia orbitária superior (Figura 2).

Foi realizada então microcateterização seletiva do seio cavernoso à direita, efetivando-se colocação de sete molas, e obtendo-se oclusão parcial da fístula carótido-cavernosa.

Após o procedimento, a paciente referiu resolução do zumbido na orelha direita e redução acentuada do edema e da quemose palpebral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode se observar, como no caso aqui apresentado, que o zumbido pulsátil deve ser bem investigado, principalmente nos casos em que a sintomatologia for precedida de trauma craniano, já que os sintomas mais exuberantes ocorrerão apenas de quatro a seis semanas após o aparecimento elo zumbido - às vezes após vários meses. Assim, o tratamento poderá ser instituído o mais precocemente possível, levando a uma menor morbidade e mortalidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BARROW, D. L.; SPECTOR, R. H.; BRAUN, I. F. - Classification and treatment of spontaneous carotid-cavernous sinus fistulas: results of treatment with detachable balloons. J. Neurosurg., 62: 248-56, 1985.
2. DEBRUN, G. M.; VINUELA, F.; FOX, A. J.; DAVIS, K. R.; AHN, H. - Indications for treatment and classification of 132 carotid-cavernous fistulas. Neurosurgery, 22: 285-9, 1988
3. FERRERA, P. C. -Traumatic carotid-cavernous sinus fistula with spontaneous resolution. Am J. Emerg. Med., 15: 386-8, 1997.
4. HALBACH, V. V.; HIESHIMA, G. B.; HIGASHIDA, R. T.; REICHER, M. - Carotid-cavernous fistulas: treatment and classification. AJNR, 8: 627-33, 1987.
5. KIM, J. K.; SEO, J, J.; KIM, J. H.; KANG, H. K.; LEE, J. H. - Traumatic bilateral carotid-cavernous fistulas treated with detachable ballon. Acta Radiol., 37: 46-8, 1996)
6. LEWIS, A. I.; TOMSICK, T. A.; TEW, J. M. Jr. - Management of 100 consecutive direct carotid-cavernous fistulas: results of treatment with detachable balloons. Neurosurgery, 36: 239-45, 1995.
7. VOIGT, K.; SAUER, M.; DICHGANS, J. - Spontaneous occlusion of a bilateral caroticocavernous fistula studied by se angiography. Neuroradiology, 2:207-11, 1971.
8. WEST, C. G. H. - Bilateral carotid-cavernous fistulae. A review. Surg. NeuroL, 13 : 85, 1980.




* Resistente de Departamento de Otorrinolaringologia ela Faculdade ele Ciências Médicas da santa Casa ele São Paulo.
** Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciência Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Cursando de Especialização do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade ele Ciências Médicos da Santa Casa de São Paulo.
Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia - Rua Dr. Cesário Mona Júnior, 112-01277-900 São Paulo/ SP.
Artigo recebido em 3 de maio de 1999. Artigo aceito em 10 de junho de 1999.

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