Ano: 1996 Vol. 62 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (4º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 477 a 482
Manifestações Otológicas da Síndrome da Pachyonychia Congênita.
Otologic Manifestations of Pachyonichya Congenita Syndrome.
Autor(es):
Maria Helena Guatimosin*,
Rogério de Leão Bensadon*,
Tanit Ganz Sanchez**,
Richard Louis Voegels**,
Ricardo Ferreira Bento***.
Palavras-chave: Dermatose, lesões otológicas
Keywords: Dermatosis, otologic lesions
Resumo:
Os autores descrevem um paciente portador da Síndrome da Pachyonichya Congênita, genodermatose rara, de herança autossômica dominante que, além dos clássicos sinais e sintomas da síndrome, também apresentava lesões otológicas,. Vários tratamentos dermatológicos já haviam sido propostos, porém nenhum mostrou resultados aceitáveis a longo prazo. Neste trabalho foi desenvolvido um novo tipo de tratamento, à base de substância queratoblástica (ácido salicílico), intercalada com solução humectante por 90 dias. Os resultados após 3 anos de observação continuam sendo plenamente satisfatórios.
Abstract:
The authors report a case of a patient with Pachyonichya Congenita Syndrome, a rare genodermatosis inherited as an autossomic dominant trait, who also had otologic lesions beyond the other classic signs and symptoms of the syndrome. Many kinds of treatment have already been proposed, but all failed to show satisfactory results. A new, cheap and easy-to-use treatment was developed in this study, using keratoblastics interpolated with humectant lotion for 90 days. The results after3 yean of follow-up are still thoroughly satisfactory.
INTRODUÇÃO
Pachyonichya Congênita é genodermatose rara, de herança autossômica dominante, com expressividade variável e alta penetrância. Afeta ambos os sexos de igual forma.
Os primeiros casos de Pachyonichya Congênita foram descritos em 1904 e 1905, respectivamente por Muller (1) e Wilson (2). Na literatura, até os dias atuais, encontramos relatos de 168 casos desde a primeira descrição (3).
Várias subdivisões da Pachyonichya Congênita já foram sugeridas. Feinstein, em 1988, propôs a seguinte classificação:
TIPO I - hipertrofia das unhas, hiperqueratose palmoplantar, queratose folicular e leucoqueratose oral (56,2%).
TIPO II - achados clínicos do tipo I associados a bolhas palmoplantares, hiperidrose palmoplantar, dentes neonatais e esteatocitoma múltiplo (24,9%).
TIPO III - achados clínicos dos tipos I e II associados a queilite angular, disqueratose córnea e catarata (11,7%).
TIPO IV - achados clínicos dos tipos I, III e III associados a lesões de laringe, rouquidão, retardo mental, anomalias do cabelo e alopécia (7,2%).
Entre as doenças mais comumente associadas à síndrome está o esteatocitoma múltiplo, assim como vitiligo, depressão, esquizofrenia, herpes simples, enxaqueca, diabetes mellitus, epilepsia, polidactilia e microcefalia. Não há nenhum relato na literatura sobre lesões otológicas nesta síndrome.
Neste trabalho, os autores apresentam um caso de Pachyonichya Congênita com lesões otológicas e descrevem nova modalidade terapêutica que rapidamente obteve bons resultados.
RELATO DE CASO
Um paciente de 40 anos, do sexo masculino, apresentou-se ao Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas com história de hipoacusia progressiva há 4 anos. O exame físico geral revelou espessamento e distorção das unhas dos pés e mãos, hiperqueratose palmoplantar, alopécia, hiperidrose, queratose folicular, catarata e diabetes. Ao nascer, o paciente já apresentava dentes. Durante toda a vida, foi submetido a vários tratamentos cirúrgicos nas mãos e pés, evoluindo com deformidades de extremidades.
Ao exame da face, notava-se a presença de lesões no dorso nasal, região perioral, pavilhão e conduto auditivo externo, bilateralmente. As lesões ao redor da boca comprometiam a fala e a mastigação pela limitação da musculatura envolvida com essas funções. As lesões auriculares obliteravam a porção cartilaginosa de ambos os meatos acústicos externos (Figura 1), levando à hipoacusia bilateral. Além disso, essas lesões também resultavam em problemas estéticos e sociais
O estudo histológico das lesões demonstrou a presença de queratose folicular com hiperqueratose bloqueando a abertura dos folículos pilosos. O mesmo padrão foi encontrado nas áreas de pele comprometida deste paciente. As lesões dos condutos auditivos externos, dorso nasal e região perioral eram macro e microscopicamente semelhantes às anteriores.
Durante cerca de 20 anos, o paciente havia sido submetido a várias remoções mecânicas das lesões dos condutos auditivos. Apesar de recuperar a audição, como confirmado pela audiometria, este era um processo doloroso e com recidiva das lesões em prazo aproximado de 7 dias. Em vista dessa rápida recorrência, era imperativa nova modalidade terapêutica.
A terapia instituída consistiu do uso local de ácido salicílico a 0.5% (queratoblástico) diluído em propilenoglicol (solução emoliente) em dias alternados, intercalando-se essa solução com o uso de loção humectante. O tratamento foi efetuado no prazo de 90 dias e, após esse período, o mesmo foi interrompido para avaliação dos resultados.
DISCUSSÃO
A Pachyonichya Congênita é síndrome rara, cujos sinais estão descritos nas Tabelas I e II. Pela classificação de Feinstein, o paciente pode ser incluído no grupo IV, sendo a forma mais rara de apresentação da doença (3). As lesões em foco neste estudo são as faciais, especialmente as do conduto auditivo externo.
Vários tratamentos já foram formulados com o objetivo de resolver as lesões de pele que ocorrem nesta síndrome. As modalidades terapêuticas com RX, aplicação de ultravioleta e mercúrio não trouxeram benefícios. Os relatos com descrição de uso de cremes de corticóides são controversos (4, 5).
Figura 1. Lesões otológicas em paciente com Pachyonichya Congênita. Pré-tratamento.
Figura 2. Aspecto do pavilhão auditivo do mesmo paciente após o término do tratamento de 90 dias (solução de ácido salicílico a 0,5% diluído em propilenoglicol em dias alternados).
Figura 3. Aspecto do pavilhão auditivo do mesmo paciente após o primeiro ano de acompanhamento clínico, mantendo-se sem a recidiva das lesões.
Alguns autores preconizam o uso do etretinato por via oral nesta síndrome (3). Os seus efeitos nas lesões da face e do conduto auditivo externo foram pouco significativos, embora o aspecto histopatológico obtivesse melhora notável. Este tratamento teve seu uso restrito pelo alto custo, efeitos colaterais importantes e rápida recidiva das lesões após interrupção do tratamento.
O tratamento utilizado em nosso paciente consistiu no uso tópico de solução contendo ácido salicílico a 0,5% diluído em propilenoglicol em dias alternados. O ácido salicílico nesta concentração atua no processo de descamação pela solubilização do cimento intercelular presente na camada córnea. A ação do propilenoglicol ocorre por amolecimento da pele, promovendo a formação de um filme oleoso que impede o ressecamento por evaporação de água, dissolvendo-se da superfície para as camadas adjacentes da pele.
O uso dessa solução permitiu remoção química mais fácil das lesões, seguida do restabelecimento do processo de queratinização que estava previamente alterado. Este processo é indolor e com resultados rápidos, observados já na primeira semana de tratamento. Houve a formação de novo epitélio e as lesões não mais reapareceram no prazo de 3 anos (Figuras 2 e 3), que foi o período de acompanhamento do paciente. Na concentração usada, não há nenhum prejuízo para a membrana timpánica.
Os queratoblásticos locais não apresentam efeitos colaterais e alcançam bons e duradouros efeitos. O seu baixo custo e facilidade de uso fazem deles a melhor opção de tratamento atualmente.
CONCLUSÃO
Os autores concluem que o uso de queratoblásticos em solução emoliente intercalada com loção humectante apresentou resultados bons e de longa duração contra a queratose folicular presente na síndrome da Pachyonichya Congênita. Pela ausência de efeitos colaterais e devido a seu baixo custo e facilidade de uso, pode ser considerado como a melhor opção terapêutica disponível atualmente para a hiperqueratose.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. MULLER, C - On the causes of congenital onychogryphosis.Munchen Med Wchnschr. 49: 2180-2182,1904.
2. WILSON, AG - Three cases of hereditary hyperkeratosis on the nail-bed. BR J Dermatol. 17: 13-4,1905.
3.FEINSTEIN, R - Pachyonychia congenita. J. Am Acad Dermatology. 19: 705-11,1988.
4. KUMER, L; LOOS HO - Congenital Pachyonychia (Riehl type). Wien Wochenschr.48: 174-178,1935.
5. FORSLIND, B - Pachyonychia congenita. Acta Dermatovener (Stockh).53:211-216,1973.
* Doutorandos do Curso de Pós-Graduação do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médicos Assistentes e Doutorandos do Curso de Pós-graduação do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Lim 32.
Endereço para correspondência: R. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255- 6.º andar - sala 6002 - CEP 05403-000 São Paulo - SP
Artigo recebido em 14 de fevereiro de 1996.
Artigo aceito em 15 de abril de 1996.