Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 378 a 385

 

Comparação Entre o RX Convencional e a Tomografia Computadorizada Coronal em Adultos com Sinusopatia Crônica Recorrente.

Comparison of Plain Radiographs and Coronal CT Scans in Adults with Recurrent Chronic Sinusitis.

Autor(es): Signe Schuster Grasel *,
Tanit Ganz Sanchez *,
Lucia Giardini **,
Emi Murano**,
Edigar Rezende de Almeida***,
Ossamu Butugan****,
Aroldo Miniti *****.

Palavras-chave: sinusite, tomografia computadorizada por raios X, radiografia

Keywords: sinusitis, X-ray computed tomography, radiography

Resumo:
A sinusite crônica recorrente é patologia clínica comum na prática diária. Os autores realizaram estudo prospectivo em 40 pacientes com sinusopatia crônica recorrente, comparando os achados entre o RX convencional e a tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais, com o objetivo de avaliar se o RX convencional é método seguro para precisar o diagnóstico e a localização de doença sinusal residual antes do tratamento cirúrgico. Ambos os exames foram realizados na ausência de antibioticoterapia e o intervalo máximo entre eles foi de 48 horas. Os achados na TC confirmaram o diagnóstico em 97%. Em 80 % dos pacientes não houve correlação entre o RX e a TC. O RX tanto supervalorizou (25% dos pacientes), como subvalorizou (50% dos pacientes) a patologia sinusal de pelo menos um seio, discordando da imagem deste seio no corte correspondente da TC. Concluimos que o RX convencional não é método confiável para precisar o diagnóstico e a localização da patologia sinusal residual, sendo irrsuficiente para a avaliação pré operatória da sinusite crônica recorrente.

Abstract:
Recurrent chronic sinusitis is a common clinical problem in everyday practice. Forty adults with recurrent sinusitis were included in this prospective study. Standard sinus radiographs were compared with coronal CT scans of the paranasal sinuses to determine the reliability of plain sinus films in diagnosing and assessing the localization of residual sinus disease prior to a surgical approach. Both exams were performed with a maximum time interval of 48 hours, the patients not using antibiotics. CT findings showed abnormalities in 97% of the patients. In 80% of the patients, findings ou standard radiographs did not correlate with those ou CT scans. Plain films both overestimated ( 25% of the cases) and underestimated ( 50% of the cases) sinus disease of at least one sinus in comparison with the cormpondeng CT scan of this sinus. Plain radiographs are not reliable for adequate diagnoses and assessment of residual sinus disease, hence are insuffieient means for the preoperative evaluation of recurrent chronic sinusites.

INTRODUÇÃO

As alterações fisiopatológicas do complexo óstio-meatal são a causa mais comum de sinusopatias. Quando essas alterações levam à obstrução permanente ou recorrente dos óstios, instala-se a sinusopatia crônica com retenção de muco e diminuição do oxigênio dentro dos seios envolvidos. A resposta inflamatória gerada na mucosa não consegue mais dominar o processo e instala-se o círculo vicioso: os mecanismos de defesa local falham, levando a alterações morfológicas e funcionais da mucosa (perda de cílios, diminuição do batimento cíliar, metaplasia do epitélio, aumento das células calciformes, espessamento do muco), perpetuando a obstrução do óstio e a estase da secreção.

O complexo óstio-meatal pode ser avaliado por visão direta com a endoscopia nasossinual (1) ou por estudo radiológico com tomografia computadorizada (TC) de alta resolução, atualmente considerado o exame de maior precisão diagnóstica (2). Para a maioria dos autores existe consenso de que a tomografa computadorizada é o exame de escolha no pré-operatório das cirurgias endoscópicas nasossinusais, permitindo maior segurança em relação ao diagnóstico e extensão da patologia nos vários seios, assim como revelando reparos anatomicos importantes na cirurgia (3).

McAlister mostra que a avaliação da sinusite em crianças com base no RX convencional pode tanto subestimar como supervalorizar a patologia sinusal (4). Entretanto, a radiografia simples nas incidências de Waters e Caldwell continua sendo o exame mais pedido na avaliação das sinusopatias, tanto como "screening" como para controle de tratamento.

Os objetivos desse trabalho são: comparar os achados radiológicos do RX convencional e da tomografia computadorizada em cortes coronais dos seios paranasais em pacientes adultos com sinusopatia crônica recorrente e avaliar a precisão do RX convencional para diagnosticar e localizar a sinusopatia crônica.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Esse estudo de caráter prospectivo constou da avaliação de 40 pacientes, sendo que os critérios de inclusão dos mesmos no estudo foram: história e exame físico compatíveis com sinusopatia crônica recorrente, sem uso de medicação específica nos últimos 15 dias antes da avaliação. Desses, 21 eram do sexo feminino e 19 do sexo masculino. A idade variou entre 23 e 69 anos.

Todos os pacientes foram submetidos ao RX simples de seios da face nas posições de Caldwell e Waters, assim como à tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais em cortes coronais de 5 mm, sendo o intervalo máximo entre os dois exames de 48 horas.

A avaliação radiológica teve ênfase especial, sendo realizada por dois radiologistas, em momentos diferentes, de modo que cada um laudou as radiografias independentemente das tomografias. Os exames com laudos discrepantes entre os dois radiologistas foram reavaliados.

Para padronizar e objetivar essa avaliação, cada exame foi classificado nas seguintes categorias: exame normal, espessamento mucoso, velamento e outros (cistos, pólipos etc). Foi considerado concordância de exames quando o RX e a TC eram classificados na mesma categoria e, discordância, quando eram de categorias diversas.

Nos 40 pacientes foram avaliados 69 seios frontais (pois 9 apresentaram agenesia aos exames e 2 não foram avaliados adequadamente pela TC), 80 seios maxilares e 80 seios etmoidais, perfazendo o total de 229 seios estudados.

A TC foi considerada como gold standard, isto é, nos casos de discordância entre o RX e a TC, esta última foi considerada como a resposta certa.

RESULTADOS

Para melhor compreensão, dividiremos os resultados da seguinte maneira:

Em relação ao número de pacientes: 39 pacientes apresentaram tomografia com pelo menos uma alteração (97%), confirmando a suspeita clínica de sinusopatia. Quanto ao RX, 39 pacientes também apresentaram alguma alteração ao exame.

Em relação aos seios alterados:

- à TC: 17 dos 69 seios frontais avaliados mostravam alterações à TC (24,6%), assim como 66 dos 80 seios maxilares (82,5%) e 45 dos 80 seios etmoidais (56,3%).

- ao RX: 20 dos 69 seios frontais avaliados mostravam alterações no RX (28,9%), assim como 57 dos 80 seios maxilares (71,3%) e 38 dos 80 seios etmoidais (47,5%).





Em relação ao número de pacientes com concordância: apenas 8 pacientes (20%) apresentaram concordância entre os dois exames, enquanto os restantes 32 (80%) apresentaram discordância em pelo menos 1 dos seios afetados.

Em relação aos seios discordantes: 14 dos 69 seios frontais avaliados demonstraram discordância entre o RX e a TC (20,3%), assim como 26 dos 80 seios etmoidais (32,5%) e 25 dos 80 seios maxilares (31,3%), como se pode ver no Gráfico 1.

Em relação à supervalorIzação do RX: consideramos supervalorização do RX quando, na interpretação de determinado seio, o RX mostrava-se alterado e a TC estava normal para esse mesmo seio. Tal fato ocorreu em 10 pacientes (25%), sendo representado por 7 dos 69 seios frontais (10,1%), 7 dos 80 seios etmoidais (8,75%) e 2 dos 80 maxilares (2,5%) (Fig.l).
Em relação à subvalorização do RX: consideramos subvalorização do RX quando, na interpretação de um determinado seio, o RX mostrava-se normal e a TC estava alterada para esse mesmo seio. Tal fato ocorreu em 20 pacientes (50%), sendo representado por 6 dos 69 seios frontais (8,7%), 15 dos 80 seios etmoidais (18,75%) e 11 dos 80 maxilares (13,75%).


Figura 1. Rx na incidência de Waters mostra hipotransparência de seio maxilar direito. TC coronal revela ausência de patologia em ambos os seios maxilares. - PAG. 384



GRÁFICO 1. Prevalência da discordância entre o RX e TC nos vários seios



GRÁFICO 2. Soma da supervalorização e subvalorização do RX nos vários seios



DISCUSSÃO

Vários autores concordam que a recorrência da sinusopatia crônica está geralmente associada à presença de infecção residual nos seios etmoidais anteriores (5, 6). Essa infecção residual poderia espalhar-se e levar à infecção local no meato médio. A infecção do complexo óstio-meatal altera o "clearance" muco-ciliar normal dos seios maxilares, etmoidais anteriores e frontais, levando à sinusite crônica recorrente (3, 7). Por sua vez, se a mucosa alterada da região de drenagem comum é removida por cirurgia endoscópica, permitindo aeração e "clearance" mucociliar normais, os seios maxilares e frontais podem normalizar (6). Daí a necessidade da boa avaliação dos seios paranasais, através de métodos radiológicos, em relação ao diagnóstico e localização da sinusite crônica, para que a cirurgia possa ser realizada do modo mais preciso e efetivo possível, permitindo bons resultados no tratamento da sinusopatia crônica recorrente.

Em nosso estudo, 10 pacientes (25%) apresentaram alteração de pelo menos um seio ao RX, porém com esse seio normal na TC, mostrando que 1/4 dos pacientes estudados tiveram seu RX supervalorizado na interpretação desse seio. Por outro lado, em 20 pacientes (50%) ocorreu o oposto, ou seja, apresentaram seu RX normal em pelo menos um seio, alteração desse seio na TC. Esses pacientes não tiveram o diagnóstico da sinusopatia desse seio pelo RX. Esses dados concordam com a literatura, pois estudo realizado em 70 crianças com sinusite crônica recorrente obteve 74% de discordância entre os dois exames, de modo que 46% dos pacientes tiveram subvalorização do RX simples e 28% apresentaram supervalorização do mesmo (4).

Analisando separadamente cada seio, vemos que a maior prevalência de discordância entre os exames ocorreu na avaliação dos seios etmoidais (Gráfico 1). Do mesmo modo, a soma das alterações relacionadas à super e subvalorização do RX também foi maior nos seios etmoidais (Gráfico 2). Como interpretar esse fatos? Segundo McAlister, a supervalorização do RX geralmente ocorre durante a interpretação de seios de pequena dimensão como sendo alterados, assim como nos mínimos espessamentos mucosos de seios maxilares e etmoidais, ou ainda, nos velamentos parciais das células etmoidais. A incidência de Caldwell pode mostrar velamento etmoidal irreal nos seguintes casos: na sobreposição das próprias células etmoidais normais, rotação alterada da cabeça, presença de secreção nasal na hora do exame, espessamento mucoso do etmóide e com variações na técnica do RX (4).

Segundo Andrew, alguns motivos fazem da TC método mais fidedigno do que o RX na avaliação dos seios da face. O fato de as células etmoidais serem múltiplas, ao contrário do que ocorre nos demais seios, e estarem dispostas umas atrás das outras no plano horizontal, faz com que a opacificação parcial de apenas algumas células não seja suficiente para ser identificada ao RX. Do mesmo modo, cornetos edemaciados podem muitas vezes obscurecer as células etmoidais (e às vezes, até os seios esfenoidais), podendo mascarar o envolvimento desses seios.

Entretanto, na TC todos os seios podem ser claramente demonstrados, tanto nos cortes coronais como nos axiais, minimizando a possibilidade de falsos positivos ou falsos negativos do exame. Assim sendo, o autor preconiza que pacientes com cefaléia que apresentem suspeita clínica de sinusopatia e mostrem RX simples de seios da face normal, deveriam ser submetidos à TC para excluir possível sinusite etmoidal ou esfenoidal não revelada pelo RX simples (8).

Em linhas gerais, as alterações encontradas foram iguais em número, tanto ao RX como à TC. Inicialmente, poderíamos pensar que o RX seria suficiente para diagnosticar sinusopatia
e iniciar seu tratamento. Entretanto, o número de discordância entre os exames (80%) não deixa dúvidas de que o RX não é método seguro de avaliação dos seios da face em relação à extensão da patologia; por conseguinte, não sendo também método confrável para controle de tratamento ou como avaliação pré-operatória para cirurgias dos seios paranasais, sejam elas endoscópicas ou por vias externas.

CONCLUSÃO

Esse estudo revelou que 80% dos pacientes estudados apresentaram discordância dos achados entre o RX convencional e a tomografia computadorizada coronal de seios da face. Os autores concluem que esse estudo não desvaloriza o RX convencional na avaliação inicial da sinusopatia crônica, porém mostra que há limitações importantes quanto ao diagnóstico e localização da patologia, especialmente dos seios etmoidais, não sendo, portanto, exame pré-operatório preciso para orientar a conduta cirúrgica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Gomes, C. G.; Sakano, E.; Endo, L.H.; Bilecki, M. M. C.; Lucchezi, M. C. - Sinusopatia Maxilar Crônica - Estudo Comparativo entre Exame Radiológico Padrão e Endoscópico. Rev. Bras. Otorrinolaringologia 60: 180-5,1994
2- Zinreich, S. J. - Imaging of Chronic Sinusitis in Adults: X-Ray, Computed Tomography, Magnetic Resonance Imaging. J. Allergy Clin. Immunol. 90: 445-51, 1992.
3- Zinreich, S. J.; Kennedy, D.W.; Rosenbaum, A. E.; Gayler, B. W.; Kumar, A. J.; Stammberger, H. - Paranasal Sinuses: CT Imaging Requirements for Endoscopic Surgery. Radiology 163: 769-75, 1987.
4- McAlister, W. H.; Kusk, R.; Muntz, H. R. - Comparison of Plain Radiographs and Coronal CT Scans in Infants and Children with Recurrent Sinusitis. AJR 153: 1259-64, 1989.
5- Stammberger, H. - Endoscopic Endonasal Surgery - Concepts in Treatment of Recurring Rhinosinusitis.I. Anatomic and Pathophysiologic Considerations. Otolaryngol. Head Neck Surg 94: 143-6,1986.
6- Thawley, S. E. - Endoscopic Sinus Surgery: A Functional Approach. Mo Med 84: 237-241,1987.
7- Terrier, F.; Weber, W.; Ruefenacht, D.; Porcellini, B. - Anatomy of the ethmoid: CT, Endoscopic and Macroscopic. AJNR 6: 77-84,1985.
8- Andrew, W. K.; Swart, J. G. - Fallibility of sinus radiographs in demonstrating ethmoid sinusitis. SAMJ 72: 158,1987.




* Médicas Assistentes e Doutorandas do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
** Ex-Residentes da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
*** Professor Doutor da Divisão de Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
**** Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da USP.
***** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Serviço do Prof Aroldo Miniti).

Endereço para correspondência: R. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6 ° andar - sala 6002 - São Paulo - SP - CEP 05403-000

Artigo recebido em 15 de fevereiro de 1996.
Artigo aceito em 27 de março de 1996.

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