Versão Inglês

Ano:  1996  Vol. 62   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 72 a 76

 

Corpo Estranho de Laringe: Relato de Caso.

Foreign Body of Larynx: Case Report.

Autor(es): Mara Edwirges Rocha Gandara *
Sulene Pirana **
Patricia Fischetti Delgatto ***
José Robledo Naves ****
José Alexandre Médicis da Silveira *****
Aroldo Minitti ******

Palavras-chave: Corpo estranho, laringe

Keywords: Foreign body, larynx

Resumo:
A presença de corpo estranho na laringe é rara e dramática; ocorrendo com maior frequência em crianças. O presente trabalho relata um casa de corpo estranho de laringe peculiar ("mola"), cujo diagnóstico só foi realizado após mais de 3 meses, pois o mesmo não era obstrutivo, sendo inicialmente tratado como bronquiolite e posteriormente indicada adenoamigdalectomia. O diagnóstico foi suspeitado pela laringoscopia indireta e confirmado pela laringoscopia direta, sob anestesia geral, onde se procedeu á retirada do corpo estranho, sem sequelas funcionais.

Abstract:
Laringeal foreign-body is rare and HAZARDOUS event; it is more frequent in children. The present report is about a peculiar laringeal foreign-body("spring"). The diagnosis was made more than three months later, because the foreign-body was not obstructive. The initial diagnosis was bronchiolitis and latertonsilectomy was indicated. The correct diagnosis was suspected by indirett laryngoscopy and it was confirmed by dirett laryngoscopy. The removal of foreign-body was made with rigid endoscope undergeneral anesthesia without lesion.

INTRODUÇÃO

A laringe tem função esfincteriana para proteção da via respiratória baixa, sendo mais frequente a deglutição que aspiração de um corpo estranho. Corpos estranhos na laringe são, portanto, incomuns, sendo a prevalência estimada em 2 a 11% dos corpos estranhos de via respiratória (1, 2, 3). Quando presentes, são mais frequentes na população pediátrica, ocorrendo em crianças entre 6 meses e 3 anos de idade (4).

A via aérea está frequentemente comprometida especialmente se o corpo estranho é grande. Geralmente há história de asfixia, tosse, estridor e rouquidão, podendo ou não haver referência á aspiração do corpo estranho (CE).



Figura 1 - Mola na laringe (visão endoscópica).



Figura 2 - Mola após exérese.



O efeito irritante do CE pode causar espasmo laríngeo com grande risco de vida. Felizmente, a maioria dos objetos aspirados passam para os brônquios, onde o perigo de sufocação é menor.

O diagnóstico diferencial inclui epiglotite aguda, laringotraqueobronquite, asma e infecção viral.

Apenas 10 a 15% dos corpos estranhos são visualizados radiologicamente (5), pois a maioria é minimamente radiopaco. A remoção deve ser realizada sob anestesia geral, após visualização direta e, às vezes, requer traqueostomia. É potencialmente difícil e perigosa.

Este caso será relatado pela sua apresentação não usual.

RELATO DO CASO

T.J.S., masculino, negro, 8 anos, procurou a Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com queixa de odinofagia há 3 anos, com piora e um episódio de bronquiolite há 3 meses que melhorou com o tratamento clínico (broncodilatador, antibiótico, antinflamatório). Acompanhava o quadro halitose, tosse seca, dispnéia quando deitado, dificuldade de deglutição, respiração ruidosa e rouquidão. Em outro serviço, foi feito diagnóstico de adenoamigdalite crônica e indicada adenoamigdalectomia.

Ao exame físico, apresentava amígdalas encastoadas, sem sinais flogísticos; faringe, fossas nasais e ouvidos sem alterações. À laringoscopia indireta, apresentava imagem azulada intraglótica, não obstrutiva, sendo feita hipótese diagnóstica de corpo estranho de laringe. Foi submetido à laringoscopia direta com laringoscópio de suspensão, sob anestesia geral, para elucidação diagnóstica, sendo confirmada a hipótese diagnóstica de corpo estranho de laringe e verificado que se tratava de uma mola (Figs.1 e 2).

No mesmo ato, foi realizada remoção da mesma e no pós-operatório foi introduzida corticoterapia para prevenção de edema.

O paciente evoluiu sem dispnéia ou paresia de cordas vocais no pós operatório, com remissão completa dos sintomas referidos inicialmente e sem sequelas no acompanhamento a longo prazo.

DISCUSSÃO

Grande variedade de corpos estranhos na laringe é relatadas na literatura (p.ex. madeira (6), casca de ovo (7), ferrão de abelha (8), inseto (9), alfinete aberto (10), porca (11), sapato de boneca (12)). Geralmente, são aspirados.

A demora no diagnóstico pode favorecer o desenvolvimento de complicação, como granuloma, o que pode levar a falso diagnóstico de papilomatose (6).

No presente caso, não se conseguiu história de aspiração do CE. Não havia sintomatologia clássica de C.E. de laringe pela peculiaridade do mesmo, que não obstruía a via aérea, o que é incomum. O diagnóstico é facilitado quando existe história clara de aspiração, seguida por sinais e sintomas de obstrução das vias aéreas superiores.

Inicialmente, o paciente foi tratado como apresentando bronquiolite, quando na verdade já poderia estar apresentando reação à aspiração do CE. A melhora apresentada nao foi surpreendente, pois antibióticos, broncodilatadores e esteróides podem temporariamente melhorar os sintomas causados pela presença do CE na laringe.

O diagnóstico só foi realizado após mais de 3 meses, sendo o tempo mais longo encontrado na literatura de 4 meses (6), o que chama atenção pois os CE de laringe raramente são negligenciados pela dramaticidade dos sintomas. Na maioria dos casos, há risco de vida iminente, pois a presença do CE pode determinar espasmo e causar obstrução respiratória complexa. Esse risco é menor quando o CE se aloja nos brônquios, o que ocorre na maioria dos casos de aspiração de CE (1, 2, 3).

O diagnóstico foi suspeitado pela laringoscopia indireta e confirmado pela laringoscopia direta sob anestesia geral, onde se procedeu a retirada do CE com remissão total da sintomatologia, sem qualquer perda funcional residual.

Chamamos a atenção para o diagnóstico de CE em vias aéreas na presença de tosse persistente, disfagia, odinofagia e cianose recidivantes em crianças previamente saudáveis.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. KIM, I. G.; BRUMMITT, W. M.; HUMPHRY, A.; SIOMRA, S. W.; WALLACE, W. B. - Foreign body in the airway - A review of 202 cases. Laryngoscope, 83: 347-354, 1973.
2. COHEN, S. R.; LEWIS, G. B.; HERBERT, W. I.; GELLAR, K. A. - Foreign bodies in the airway. Annals of Otology,Rhinology and Laryngology, 89: 437-442, 1980.
3. ROTHMANN, B. F.; BOECKMAN, C. R. - Foreign bodies in the larynx and tracheobronchial tree in children. Annals of Otology, Rhinology and Laryngology, 89: 434-436, 1980.
4. GAY, B. B.; ATKINSON, G. O.; VANDERZALM, T. HARMON, D.; PORUBSKY, E. S. - Subglottic foreign bodies in pediatric patients. American Journal of Disease of Children, 140: 165-168, 1986.
5. MOSKOWITZ,D.; GARDINER,L.J.; SASAKI,C.T. - Foreign body aspiration. Potential misdiagnosis. Archives of Otolaryngology, 108: 806-807, 1982.
6. YADAIR, S. P. S.; GOEL, H. C.; MUNJAL, S. K. - Foreign body larynx - an usual mode of entry and presentation. Indian Pediatrics, 27: 300-301, 1990.
7. IRANI, R. - Egg shell in the larynx. J.Laryngol.Otol, 77: 220-221, 1963.
8. PAPARELLA, M. M. - Unnsual foreign body of trachea and intrinsic bee-sting of larynx. J. Laryngol.Otol, 78: 89-92, 1964.
9. HATUA, N. R.; KUNDU, N. - Living leech in the subglotic space. Indian J.Otolaryngol., 28: 142-143, 1976.
10. GHOSAL, C. K.; ROY, B. K.; GUHA, K.; GHOSH, T. B. -Open safety pin in the larynx. Indian J.Otolaryngol, 32:6,1980.
11. SINGH, I. K. K., SANASAM, J. C. - Metal nut in subglotic region. Indian J.Otolaryngol, 32: 59, 1980.
12. KENT, S. E.; WATSON, M. G. - Laryngol foreign bodies. The Journal of Laryngology and Otology, 104: 131-133, 1990.




* Médica assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Pós graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Residente da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital Santa Marcelina.
**** Médico assistente do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal e Broncoesofagoscopia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***** Assistente doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
****** Professor titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas e LIM-32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, serviço do Professor Aroldo Miniti.
Trabalho apresentado no XXXII Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Curitiba, PR, 1994.

Artigo recebido em 12 de junho de 1995.
Artigo aceto em 17 de julho de 1995.

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