Versão Inglês

Ano:  1995  Vol. 61   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 343 a 348

 

LESÕES PRECOCES DA INTUBAÇÃO ENDOTRAQUEAL.

Early injuries in Respiratory Mucosa Following Intubation.

Autor(es): Regina Helena Garcia Martins*,
José Reinaldo Cerqueira Braz**,
Onivaldo Bretan*,
Paulo Roberto Figueiredo ***,
Julio Defaveri****.

Palavras-chave: intubação endotraqueal, lesões laríngeas, lesões traqueais

Keywords: endotracheal intubtion, laryngeal injuries, tracheal injuries

Resumo:
Os autores submeteram 30 cães á intubação endotraqueal com cânula de alta complacência, durante período de quatro horas, com o objetivo de detectar lesões precoces laringotraqueais secundárias à intubação. Após este período, realizaram-se biópsias em cordas vocais, arienóides, cricóide e anéis traqueais. As alterações histológica mais freqüentemente observadas foram: infiltrado de células polimorfonucleares, tanto no epitélio como no córion, congestão vascular e necrose de células epiteliais. Os anéis traqueais, que se encontravam em íntimo contacto com o balonete da cânula, foram os locais mais comprometidos. Os autores descrevem os principais fatores lesivos ao epitélio respiratório e preconizam a utilização de cânulas com balonetes de alta complacência, além do seguimento endoscópico dos pacientes após extubação.

Abstract:
The authors studies the early lesions of laringotraqueal mucosa following intubation in 30 dogs who were intubate with high complacent canula during the period of 4 hours. After this period biopsies of vocal cord, arytenoids, cricoid and tracheal rings were performed. The most frequent histological findings were neutrophils and mononuclear inflammatory cell infiltration into the corion, vascular congestion and necrosis of the epithelial cells. Based in these findings the authors recommend the use of canula with balonest of high complacence and the endoscopic follow up pf the after extubation.

INTRODUÇÃO

A intubação endotraqueal pode comprometer a integridade do epitélio das vias aéreas superiores, tendo colho causa principal a pressão exercida pelo balonete da cânula sobre a mucosa traqueal. A insuflação deste pode determinar isquemia dos vasos da mucosa, seguida por ulceração, necrose epitelial e mesmo cartilaginosa. Estas alterações podem provocar seqüelas laringonaqueais permanentes, tais como estenose subglótica, laringomalácia e granolomas. Para Strong5 e Fan6, as estenoses ocorrem em 5 a 6% dos pacientes intubados por mais de oito dias.



TABELA I - Escore histológico semiquantitativo utilizado para avaliação das alterações epiteliais e do córion nas biópsias realizadas.



Embora a ocorrência de lesões laringotraqueais seja incito mais comuta após vários dias de intubação, Brodsky3 e Squire4 observaram o aparecimento de lesões precoces, mesmo após uma hora de intubação endotraqueal.

O objetivo da presente pesquisa foi o de estudar, em cães anestesiados e sob intubação traqueal durante quatro horas, os possíveis comprometimentos da mucosa laringotraqueal secundários à intubação endotraqueal.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizados trinta cães adultos, de ambos os sexos, sem raça definida, cujos pesos variaram de 12 a 20 quilogramas.

Em todos os cães foram realizadas anestesia intravenosa com pentobarbital sódico (30 mg.kg-1), intubação eodotraqueal e ventilação mecânica controlada com ar ambiente, enriquecida com O2 (1 l.min-1), empregando-se circuito semi-aberto sem reinalação, com sistema de aquecimento e ele umidificação do ar inspirado do tipo arraste (OFTEC), para manter a temperatura da mistura inalada entre 30 a 37°C e umidade relativa ele 85 a 90%. Os animais foram intubação com sonda BARD n° 85 provida de balonete de alta complacência e elevado volume residual. A quantidade de ar introduzida no balonete foi a suficiente para permitir a ciclagem do aparelho de ventilação, sem que houvesse escape de ar.

Empregou-se ventilador mecânico ciclado a pressão (K. Takaoka - mod. 850-10). O volume corrente utilizado foi de 15ml.kg-1 e a freqüência respiratória de 8 a 10 inspirações.min-1. Para facilitar a ventilação artificial e para a manutenção do volume corrente, injetou-se como bloquedor neuromuscular o aleurônio, na dose inicial de 0,2 mg.kg-1 e doses complementares de 0,06 mg.kg-1 de peso corporal.

A anestesia foi mantida com pentobarbital sódico, na dose de. 5 mg.kg-1 a cada 45 minutos.

Realizou-se também dissecção e cateterismo da artéria e veia femorais direitas. A extremidade do catéter arterial foi conectada a manômetro de mercúrio para medida da pressão arterial média. Através ele catéter venoso, administrou-se soro fisiológico, na dose de 0,5 ml.kg.-1, e as doses complementares do pentobarbital sódico e aleurônio, a cada 45 minutos.

Após quatro horas da intubação traqueal, os animais foram sacrificados com injeção intravenosa de solução de formalina a 40% (10 ml). A laringe e a árvore traqueobrônquica foram, então, retiradas para estudo histopatológico.

Imediatamente após a retirada, procedeu-se à fixação da laringe e da árvore traqueobrônquica coro solução de formalina a 10%, introduzida pela traquéia através de concetor acoplado a recipiente que continha o fixador. Após 48 horas, a laringe e a traquéia foram abertas. Para o exame histopatológico, retirou-se fragmentos de 1,00,3 em no sentido longitudinal nas seguintes áreas: cordas vocais (área 1); aritenóides (área 2); cricóide (área 3) e anéis traqueais (área 4), que estavam em contato com o balonete da cânula.

O exame histológico foi realizado em microscópio óptico comum. Em cada amostra, foram analisados no epitélio e no córion os seguintes parâmetros: perda ele cílios, erosão, necrose celular, grau de infiltrado de polimorfonucleares (PMN) e linfomocitários, congestão e hemorragia.


TABELA II - Resultados histológicos totais dos diferentes atributos nas quatro áreas estudadas. Soma dos valores dos escores em todos os cães para cada área de biópsia



Ressalte-se que no epitélio pavimentoso estratificado, como o observado em cordas vocais, não existem cílios.

Os atributos foram analisados semiquantitativamente, utilizando-se pontuação de 0 a, no máximo, 4 pontos (Tabela 1), conforme proposição modificada de Ophoven et al (1984)2. As alterações foram consideradas focais quando isoladas e/ ou observadas em apenas alguns campo-, da lâmina examinada. Ao contrário, foram consideradas difusas, quando comprometiam extensas áreas e/ou se repetiam em vários campos.

Os parâmetros histológicos de normalidade foram obtidos de três cães normais sacrificados com doses excessivas de pentobarbital sódico.

RESULTADOS

Nenhum animal apresentou pressão arterial média inferior a 110 mmHg.

Na Tabela II, encontram-se os resultados histopatológicos encontrados nas diferentes áreas de biópsia, para os vários atributos estudados.

Observou-se que a área mais comprometida foi a 4, correspondendo aos anéis traqueais, seguida pela área 3, a qual corresponde à cartilagem cricóide. Os atributos que mais apresentaram alterações: o infiltrado de polimorfonucleares e linfomonocitários, tanto no epitélio como no córion, a congestão vascular e a necrose de células epiteliais.

A Figura 1 ilustra as principais alterações histopatológicas observadas.

DISCUSSÃO

Vários trabalhos têm demonstrado as seqüelas decorrentes da intubação traqueal prolongada, como: processo inflamatório, infecção local, ulceração, erosão, malacia e estenose. As maiores alterações localizam-se principalmente no terço posterior das cordas vocais, aritenóides, cricóide e. primeiros anéis traqueais5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16.

A incidência de lesões laringotraqueais em pacientes intubados tem diminuido após a utilização de cânulas com balonete de alta complacência, mas, lesões precoces causadas pela intubação endotraqueal foram demonstradas em poucos trabalhos.

Assim, Schmidt et al2, após o sacrifício de cães submetidos à intubação endotraqueal com balonete de baixa pressão durante quatro horas, observaram, em biópsias de cordas vocais, aritenóides e traquéia, erosão, perda de cílios, eosinofilia e intenso processo inflamatório.

Lesões laringotraqueais semelhantes foram descritas por Squire et al4, ao submeterem ratos à intubação traqueal por apenas 1 hora, utilizando cânula sem balonete. Em nosso trabalho, de maneira semelhante à observada pelos autores acima, observamos diversos graus de alterações histológicas, as quais variavam desde simples processo inflamatório e perda de cílios até necrose epitelial, erosão e hemorragia. As lesões foram mais evidentes e mais extensas nos anéis traqueais que se encontravam em íntimo contato com o balonete da cânula.

A relação direta entre tempo de intubação e as lesões laringotraqueais estão bem evidentes no trabalho de Joshi et al1, que analisaram através de autópsia, recém-nascidos que haviam ficado sob intubação por diferentes períodos (entre 1 a 144 horas), o epitélio laringotraqueal de lesões mais extensas, onde foi visto processo inflamatório difuso associado à extensa necrose em laringe e traquéia, os quais foram identificados nas crianças que ficaram intubadas por mais de 72 horas. Entretanto, observamos neste trabalho áreas de erosão e necrose epitelial com apenas quatro horas de intubação.

Grande parte dos pacientes que apresentam lesões laringotraqueais após intubação mantêm-se assintomáticos após a extubação ou manifestam sintomas discretos de disfonia, tosse e odinofagia8, 17.

Alguns fatores contribuem para o agravamento das lesões c acentuação dos sintomas após a extubação, como: calibre inadequado da cânula, alta pressão fornecida ao balonete, infecção local, septicemia, hipotensão, hipóxia, estado de. agitação do paciente, uso de corticóides sistêmicos, intubação traumática ou prolongada. Alguns desses fatores puderam ser excluídas em nossa pesquisa, como: a utilização de sonda endotraqueal de calibre inadequado e de balonete de baixa complacência, hipóxia e hipotensão arterial; ausência de aquecimento e umidificação dos gases inspirados. Evitamos a ocorrência de hipóxia com o enriquecimento dos gases inalados com oxigênio. O aquecimento e a umidificação do ar inalado foram rigorosamente controlados durante todo o experimento e mantiveram-se respectivamente ao redor de 30 a 37°C e a 90% de umidade relativa, evitando-se a ação lesiva dos gases secos e frios sobre o epitélio respiratório, descrito por alguns autores20, 21, 22.

Quando o paciente sob intubação necessita de ventilação assistida, os riscos de traumatismos laringotraqueais aumentam ainda mais. Com freqüência, observam-se lesões, comprometendo também os brônquios principais18, 19. Brodsky et al3, ao exporem ovelhas à traqueotomia ou à intubação endotraqueal sob ventilação mecânica por 3 a 9 horas, observaram áreas de erosão circunferencial em ambos os grupos. Essas lesões também foram evidenciadas nos brônquios principais, o que sugere a influência da ventilação mecânica entre os fatores agravantes.

Considera-se importante a utilização de cânulas endotraqueais de alta complacência em pacientes intubados c a eliminação dos outros fatores descritos acima, considerados lesivos ao epitélio respiratório, para diminuir a incidência das possíveis seqüelas laringotraqueais. Além disso, o exame laringoscópico dos pacientes extubados permitir-nos-á adetecção precoce de possíveis lesões.



Figura 1:- A. Epitélio respiratório normal. Notar a presença intercalada de células mucossecretoras (HE = 80x).



Figura 1:-B. Processo inflamatório agudo. Presença de células polimorfonucleares no córion e migrando para o epitélio.



Figura 1:-C. Intenso processa inflamatório, erosão epitelial e congestão vascular. (HE - hematoxilina - eosina).



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* Docentes da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP.
** Docente do Departamento de Aneslesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP.
*** Estudante do 5° ano Médico da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP.
**** Docente do Departamento, de Patologia da Faculdade ele Medicina de Botucatu- UNESP.

Endereço: Regina Helena Garcia Martins, Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP - CEP: 18618-000 Botucatu - São Paulo- fone(0149) 21.2121 - Ramal: 2256 - FAX: (0149) 2210421.

Artigo recebido em 23 de março de 1995.
Artigo aceito em 01 de junho de 1995.

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