Versão Inglês

Ano:  1995  Vol. 61   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 146 a 151

 

AUDIOMETRIA DE TRONCO CEREBRAL (BERA) E ELETROCOCLEOGRAFIA (ECOG) EM UMA CRIANÇA OPERADA DE EPENDIMOMA INTRACRANIANO.

Brainstem Evoked Response Audiometry (BERA) and Eletrocochleography (ECochG) of Opered Intracranial Ependynoma Child.

Autor(es): Vera Andiara Rezende*,
Edigar Rezende de Almeida**,
Ossamu Butugan***,
José Alexandre Médicis da Silveira**,
Marco Antonio de Rezende****.

Palavras-chave: BERA, ECoG, ependimoma intracraniano, surdez

Keywords: BERA, ECochG, intracranial-epenclymoma, deafness

Resumo:
Os autores apresentam um caso de ependimoma intracraniano, localizado na região do IV ventrículo, em criança de 3anos. Após a remoção cirúrgica do tumor, houve perda auditiva unilateral, comprovada pela audiometria tonal limiar. A pesquisa da possível localização da lesão elo sistema auditivo através da eletrococleografia e audiometria do tronco cerebral mostrou que a lesão se localizava no tronco cerebral. Este caso ilustra bem a importância da ECoG e do BERA no topo diagnóstico dê lesões de aparelho auditivo.

Abstract:
The authors present a 4th Ventricule Intracraneal Ependymoma case in a 3 year old child, who evoluted with unilateral deafness after surgical ressection of the tumour, comproved by Limiar Tonal Audiometry. The research of tumour site by ECochG and BERA proved that it was located at Brain Stem. These case shows the importance of ECochG and BERA in the diagnosis lesions at auditive system.

INTRODUÇÃO

Ependimorna é neoplasia primária do sistema nervoso e corresponde a aproximadamente 10 a 20% de todos os tumores de fossa posterior na infância1.

Esses tumores se localizara era 69% cios casos na fossa posterior, em 26% na região suprateotorial e em 5% na medula espinhal ou cauda esquina2. Mais comumente, tem origem do assoalho do IV ventrículo, podendo estender-se ao ângulo ponto cerebelar.

Do ponto de vista anátomo patológico, apresenta-se como anaplasia, podendo ser histologicamente benigno ou maligno, sendo que nos casos considerados como benignos, vários autores descrevem como sendo "benignidade relativa", isso devido a sua localização e compressão ele estruturas vitais adjacentes2, 3, embora, a malignidade citológica seja raramente evidenciada, mesmo nos casos de recorrência do tumor4.

Os sintomas clínicos do ependimoma são muito variáveis, dependendo de sua localização1'. O diagnóstico presuntivo se faz, através de tomografia computadorizada que suprime a necessidade de outros testes nueurodiagnósticos para confirmação da presença de ependimoma5.

O diagnóstico de certeza se dá através do exame anátomo-patológico da peça cirúrgica. O tratamento de escolha é a remoção do tumor, a mais completa possível, complementada por radioterpia1 e, por vezes, quimioterapia.



Figura 1. Tomografia computadorizada pré-operatória.



Figura 2. Ressonância magnética pré-operatória.



Atendemos um caso de ependimoma de fossa posterior em criança que evoluiu no pós operatório com disacusia unilateral por lesão de tronco cerebral, detectada pela audiometria tonal limiar em que a audiometria de tronco cerebral (BERA) e eletrococlegrafia (ECoG) foram métodos úteis no auxílio da localização da lesão.

CASO CLÍNICO

Paciente L. S.S., de 3 anos e 4 meses, brasileiro, sexo masculino.

QD: Vômito e cefaléia há aproximadamente um mês. HPMA: Mãe refe que há aproximadamente dois meses notou que a criança começou a apresentar quadro de posição viciosa da cabeça para a esquerda, e desvio de rima bucal para o mesmo lado, que era notado quando falava ou chorava, juntamente com dificuldade de fechamento do olho esquerdo. O quadro durou cerca de duas semanas com regressão espontânea. Há um mês, iniciou quadro de cefaléia fronto-orbital esquerdo, acompanhado por vômitos biliosos; concomitantemente, começou a apresentar perda de equilíbrio com tendência de queda para a esquerda. Durante dois dias referiu diplopia. Começou a apresentar obstipação intestinal, mais prostração. Foi internado e realizado hemograma, urina I e exame citológico do líquor: todos vieram normais. Realizou tomografia computadorizada de crânio e ressonância magnética que mostrou volumoso tumor em região de fossa posterior, com hidrocefalia (Fig. 1 e 2, respectivamente).

ISDA: Emagrecimento de 4 kg nesse período.

AP:Adenoamigdalectomizado.

AF: Mãe apresenta epilepsia.

Nega doenças de caráter hereditário conhecidas na família.

EFG: REG, gânglios não palpáveis, eupnéico, anictérico, acianótico, mucosas coradas, hidratado.

Exame neurológico: pares cranianos - papiledema bilateralmente; "deficit" do olhar para cima e medialmente com olho esquerdo.

Equilíbrio estático: base alargada.

Conclusão: Quadro cerebelar axial mais apendicular bilateralmente.

A criança foi submetida à cirurgia, abordagem através de craniotomia subocciptal com exérese subtotal do processo tumoral que invadia o tronco cerebral à esquerda.

No intraoperatório, evidenciou-se processo expansivo que ocupava cisterna magna e IV ventrículo com extensão lateral esquerda, comprimindo pares bulbares sem envolvê-los. Não foi possível a ressecção total do processo, devido à infiltração da parede lateral do tronco cerebral. O tumor tinha coloração vinhosa, apresentava-se sangrante e friável, sendo "aspirável".

A criança evoluiu com broncoespasmo no pós operatório imediato, necessitando permanecer entubado até que no 9° P.O. (pós operatório) foi traqueostomizado. Evoluiu neurologicamente estável.

No 17° P. O. recebe alta hospitalar em boas condições.

Um mês após a alta é retirada a cânula de traqueostomia.

O resultado do exame anátomo-patológico evidencia Ependimoma anaplásico.

Tomografia computadorizada e ressonância magnética de controle foram realizadas (Fig. 3), mostrando exérese subtotal do tumor (com exceção da região do tronco cerebral).

Um mês após a cirurgia, iniciou-se radioterapia (RDT),12 sessões.

Dois meses após a cirurgia, começou a queixar-se de diminuição da audição à esquerda.

Realizada audiometria tonal limiar (Fig. 4), que mostrou audição normal à direita e anacusia à esquerda.

Realizada eletrococleografia que mostrou alargamento da onda I e respostas até 30 dB e BERA (audiometria de tronco cerebral) com presença da onda 1, possível onda II e ausência das demais ondas; evidenciando lesão do tronco cerebral (Fig. 5).

DISCUSSÃO

O ependimoma de fossa posterior na infância é tumor que apresenta grande morbidade e mortalidade, mesmo nos casos ditos histologicamente benignos, principalmente devido a sai localização e compreensão que exerce em estruturas nobres adjacentes2, 3.



Figura 3. Tomografia computadorizada pós-operatória.



Os sintomas clínicos observados são extremamente variáveis, dependendo da localização do tumor1.

Quando esse tumor cresce no IV ventrículo, como no caso descrito, ocorre bloqueio do fluxo liquórico, ocasionando náuseas, vômitos e cefaléia matinal. Se houver comprometimento ângulo-ponto-cerebelar, pode ocorrer paralisia dos pares cranianos.

A duração dos sintomas é muito variável também, sendo que na maioria dos doentes os sintomas estão presentes por mais nove meses antes do diagnóstico1, 6.

Geralmente, os tumores que invadem o tronco cerebral causam "deficit" neurológico focal, conforme o comprometimento do par craniano atingido e têm período mais curto entre o início do sintoma e o diagnóstico1.

No caso descrito, houve período de dois meses entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a realização do diagnóstico, sendo que os primeiros sintomas observados foram decorrentes de comprometimentos dos pares cranianos (facial, oculomotor, abducente etc).

O diagnóstico é realizado pela tomografia computadorizada de crânio, ressonância magnética e posterior confirmação histológica pelo exame anátomo-patológico.

O tratamento preconizado é a exérese cirúrgica e, frequentemente, só é possível a remoção parcial devido sua grande malignidade, invadindo III e IV ventrículo e tronco cerebral6.

Geralmente, esses tumores, quando diagnosticados, apresentam não só invasão do III e IV ventrículos, mas também se estendem ao ângulo-ponto-cerebelar, tronco cerebral e medula, necessitando de dissecção ampla ao redor dos nervos cranianos e vasos da base, ocorrendo com freqüência lesão dos mesmos pela manipulação local.

Muitos ependimomas são parcialmente classificados e classicamente apresentam aspecto friável durante sua remoção; apesar dessas dificuldades, a ressecção total deve ser sempre tentada em todos os pacientes, pois os doentes com ressecção total do tumor apresentam evolução mais favorável, com melhor prognóstico do que aqueles com ressecção parcial do tumor1, 4.



Figura 4. Audiometria tonal limiar.



Figura 5. Eletrococleografia (ECoG) e audiometria de tronco cerebral (BERA).



São preconizados pós cirurgia, controles através de mielogramas e exame citológico do líquor.

A incidência de disseminação leptomeníngea desse tumor é pouco descrita e é mais frequentemente encontrada nas lesões anaplásicas1, 8, 9.

A radioterapia (RDT) pós cirurgia melhora a sobrevida desses pacientes1, contudo, a média de sobrevida após a ressecção cirúrgica e RDT local com ou sem RDT crânio espinhal adicional é extremamente variável com médias de 10 a 70% segundo os diversos autores2, 9, 10 e 11.

Mais frequentemente, têm-se sugerido que a radioterapia pré sintomática crânio espinhal, isto é, radioterapia antes dos sintomas de acometimento por invasão da medula espinhal, melhoraria a sobrevida dos pacientes com ependimomas anaplásicos quando comparado com aqueles que receberam RDT local isolado no sítio primário do tumor8.

No caso descrito, o tipo histológico evidenciado foi o ependimoma anaplásico e o tratamento foi a exérese cirúrgica subtotal, não se conseguindo retirar completamente a parte tumoral que invadia o tronco cerebral e um mês após a cirurgia, iniciou-se a RDT local.

A quimioterapia como tratamento coadjuvante é descrita por alguns autores1.

Nenhum dos autores pesquisados cita a ocorrência de perda auditiva causada pelo tumor. No caso apresentado, a perda auditiva à esquerda foi evidenciada apenas dois meses após a cirurgia e diagnosticada através da audiometria tonal limiar e a utilização dos métodos objetivos (BERA e ECoG) auxiliou na localização da lesão em tronco cerebral, afastando-se a possibilidade de lesão coclear. Provavelmente, a lesão tenha ocorrido em decorrência da cirurgia, tendo sido notada apenas dois meses após esta, ou talvez, tenha sido causada pela radioterapia localizada.

A eletrococleografia (ECoG) e a audiometria de tronco cerebral (BERA) são métodos objetivos de avaliação auditiva, sendo que, desde que foram estabelecidas, no final da década de 6012, têm sido largamente empregadas com vários estudos estabelecendo sua aplicabilidade clínica.

Em nosso meio, destacamos Butugan13, 14, 15 Almeida e cols'16, Bento e cols16, Marseillan e cols18, entre outros.

No presente trabalho, os autores apresentam um caso de ependimoma de IV ventrículo que evoluiu para anacusia unilateral pós cirurgia e radioterapia, em que a eletrococleografia e a audiometria de tronco cerebral se mostraram úteis na localização da lesão.

CONCLUSÃO

Os autores concluem que os métodos audiológicos objetivos, audiometria de tronco cerebral (BERA) e eletrococleografia (ECoG), mostram-se úteis na localização de lesões de tronco cerebral nos casos em que existe repercussão auditiva, mesmo quando não se verifica audição detectável pelos métodos subjetivos como audiometria tonal limiar.

Em casos com história neurológica nos quais há ou ausência de resposta à audiometria de tronco cerebral (BERA), a eletrococleografia é de grande importância para maior esclarecimento do local da lesão.

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* Pós-Graduanda e Médica Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
** Professor-Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
**** Médico Residente da Divisão de Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas.
O trabalho foi realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do hospital das Clínicas e LIM-32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (chefe do serviço: Prof. Dr. Aroldo Miniti).
Endereço: Av. Dr- Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6°andar - CEP 05403-000 - São Paulo - SP.
Artigo recebido em 03 de janeiro de 1995.
Artigo aceito em 23 de janeiro de 1995.

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