Versão Inglês

Ano:  1995  Vol. 61   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (12º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 79 a 81

 

Bateria Alcalina como Corpo Estranho de Ouvido: Relato de 3 Casos.

Button Battery as Foreign Body in the Ear: Report of 3 Cases.

Autor(es): Reinaldo gordão Gusmão*,
Márcio de Campos Bueno**,
Mônica Pacheco Murad***.

Palavras-chave: Corpos estranhos, otites externas, ouvido

Keywords: Foreign Bodies, external otites, ear

Resumo:
Casos de baterias alcalinas como corpos estranhos de ouvido não são usuais, apesar da proliferação no mercado de pilhas alcalinas em botões discóides para aparelhos eletrônicos variados, tais como relógios, calculadoras, aparelhos auditivos, jogas eletrônicos e equipamento fotográfica. No entanto, pela suagravidade eprecocidade de efeitos, constituem urgências otológicas, havendo necessidade de remoção imediata. São descritos 3 casos de bateria alcalina no conduto auditivo externo e, em um deles, também são mostrados os achados histopatológicos. Os mecanismos fisiopatológicos são discutidos no tocante à agressão tecidual, com revisão de literatura de relatos semelhantes.

Abstract:
Gases of alkaline batteries as foreign bodies in the ear are unusual, although the proliferation of button-sized alkaline batteries for a variety of eletronic equipment, such as watches, calculators, hearing aids, electronic games and photographic equipment. Three cases of introduction of alkaline battery in the external auditory meatus are related. The physiopathology mechanisms are discussed focusing tissue damage, with a review of literature.

INTRODUÇÃO

Em casos de ingestão de pilhas alcalinas, têm sido encontrada erosão e/ou perfuração da mucosa digestiva com risco de toxidade por mercúrio nos casos de pilhas discóides de óxido de mercúrio. A conduta é remoção endoscópica ou cirúrgica imediata do corpo estranho 1.2.3.4.5. Com isso evita-se complicações como necrose de esôfago com extensão para mediastino e perfuração aórtica acarretando óbito1,6. Em experiência com animais, a perfuração do mediastino ocorreu de 8 a 12 horas após a ingestão da bateria3. Outra complicação relatada é a fístula traqueoesofágica, havendo até necessidade de esofagectomia e gastrostomia3.

Ultrapassado o esôfago, o risco de complicação é de 1%³ e parece haver concordância em uma conduta expectante quando o corpo estranho ultrapassa o estômago². A ingestão de pilha alcalina é muito mais freqüente quando comparada à introdução deste material em outras cavidades, tais como o nariz e os ouvidos, 2,7,8,9,10.

Na cavidade nasal relatam-se desde queimaduras superficiais de mucosa com drenagem sanguinolenta, formação de crostas, epistaxes, perfuração septal ampla e até alteração no olfato². Convém lembrar que a perfuração septal ampla traz como conseqüência para a criança o perigo da interrupção do crescimento adequado médio facial².

Quanta ao ouvido, a clínica caracteriza-se pela otalgia, edema de meato e, eventualmente, otorréia. Podem associarse as seguintes complicações:
- perfuração de membrana timpânica;
- destruição total de membrana timpânica;
- necrose da derme do CAE com exposição óssea;
- dano auditivo comprovado;
- destruição de ossículos;
- paralisia de nervo facial com condrite;
- cavitação de mastóide com paralisia periférica de nervo facial ipsilateral, nistagmo e vertigem2,7,11.

RELATO DE CASOS

Caso 1: C. M., 11 anos, masculino, pardo, procurou o P. S. pediátrico do H. C.-UNICAMP com história de introdução de pilha alcalina no ouvido esquerdo e clínica de otite externa há 2 meses. O paciente queixava-se de otalgia intensa no O. E., apresentando dor à manipulação de pavilhão auditivo E, dor à palpação do tragos e otorréiaserosa. À otoscopia constatou-se intenso edema e hiperemia do conduto auditivo externo (CAE) com visibilização de corpo estranho metálico.

Em vista do edema e da hiperemia de CAE, foi administrado antiinflamatório hormonal intramuscular. A retirada do corpo estranho se deu sob anestesia geral. Constatou-se a presença de corpo estranho metálico no terço distal do CAE esquerdo em situação diagonal, com epitélio de revestimento edemaciado e hiperemiado, mesmo decorridas 12 horas de administração de antiinflamatório hormonal. A exérese foi feíta com estilete em gancho e micropinça serrilhada tipo jacaré. Após a retirada, encontraram-se dois pólipos na parede do CAE ( um anterior e outro posterior) os quais foram retirados, e 3 perfurações pequenas da membrana timpâniea, uma delas com tecido de granulação. Após isso, foi feita a lavagem do conduto com soro fisiológico e curativo com local. O paciente não retornou para acompanhamento.

A bateria media 6,2 mm de diâmetro por2,5 mm de altura. Não eram conhecidos nem a finalidade de uso nem seu sistema químico (Figura 1).

O exame anátomopatológico (B-21817) constatou edema e infiltrado inflamatório crônico inespecífico com neutrófilos no assoalho e parede anterior do CAE. Nos pólipos retirados constatou-se, além do achado anterior, tecido de granulação (Figura 2).

Caso 2: E. D., 10 anos, masculino branco, procurou atendimento com história de 2 dias de introdução de pilha tipo disco no CAE direito, com otalgia e otorréia serosa progressivas, além de febre e inapetência.

Ao exame físico, observou-se intenso edema e hiperemia do pavilhão auditivo, com presença de secreção sero-purulenta no conduto. Após a retirada da pilha com pinça jacaré, foi feita lavagem abundante com água destilada. Á otoscopia, o revestimento do conduto apresentava-se edemaciado, com rubor e áreas de ulceração nas paredes anterior e superior, notando-se ainda perfuração da membrana timpânica no quadrante inferior de pequeno tamanho.

Foi feito curativo com creme corticóide, administrado antiinflamatório não hormonal e antibiótico por 7 dias. Houve melhora progressiva do quadro e fechamento da perfuração timpânica em aproximadamente 30 dias.

A pilha media 7,5 mm de diâmetro por 2 mm de espessura era usada em relógio de pulso.

Caso 3: G. A. C., 6 anos, masculino, pardo, apresentou um quadro de otalgia, otorréia, hipertemia leve, irritabilidade e perda do apetite após introdução de bateria em disco no CAE direito há três dias.

Ao exame físico, o conduto mostrava-se edemaciado, com hiperemia e secreção, com dor à manipulação do pavilhão auricular. A bateria foi retirada com pinça de jacaré. Foi feita
a lavagem profusa com água destilada e observada, mediante otoscopia, úlcera sangrante no assoalho do conduto e membrana timpâniea espessa e também hiperemiada.



Figura 1. Bateria alcalina medindo 6,2 mm de diâmetro por 2 mm de altura.



Figura 2. Biópsia do conduto auditivo externo mostrando infiltrado neutrofílico (pústula superficial) e metaplasía corneificada (x312).



Foi feito curativo com corticosteróide e introduzido antibiótico oral, além de indicados os cuidados gerais. Após 2 dias, houve melhora da sintomatologia, porém persistia dor à manipulação do pavilhão, e o aspecto otoscópico era o mesmo. O curativo foi refeito. Após isso, perdemos o acompanhamento do paciente.

DISCUSSÃO

Há fatores que são marcantes na gravidade dos casos de pilha alcalina como corpo estranho:

-demora na procurado médico e naremoção definitiva, que prolonga o seu efeito local.
- impactação do corpo estranho, que resulta em exposição contínua de determinada área tecidual à agressão causada pela pilha.
-imersão da bateria em líquido rico em eletrólitos, que resulta em produção de hidróxidos e eletrólise².

No ouvido, a impactação da bateria causa edema, secreção e eventual infecção. Uma vez ocorrendo secreção, a eletrólise produzirá queimadura alcalina severa. Gotas otológicas devem ser evitadas antes da remoção da bateria, pois constituem um banho externo de eletrólitos para a bateria, aumentando o vazamento e a geração de corrente externa, com eletrólise de tecidos e formação de hidróxidos subseqüentes. Em um conduto auditivo externo seco o processo pode, então, ser lentificado2,11. 12.

A bateria alcalina.
A bateria alcalina é um pequeno invólucro com 0,5 a 1,5 cm de diâmetro, sendo de fácil inserção no CAE. Ela produz, quando nova 1,5 V de corrente contínua: Baterias usadas também geram potencial elétrico menor, pois não estão totalmente descarregadas²,¹³. Dentro da bateria alcalina são encontrados 2 eletrodos diferentes. Um, o anodo, é o metal, usualmente o zinco; o outro, o catodo, é um óxido metálico, geralmente óxido de mercúrio ou óxido de prata. Ambos são reunidos aos coletores de corrente, que vão dar na parte externa da pilha. Dentro desta eles estão imersos numa solução eletrolítica capaz de produzir eletricidade; a solução é alcalina e, geralmente, de KOH 45%³,¹¹.

O catodo se reduzperdendo seu oxigênio, o qual, carregado através da solução eletrolítica, oxida o anodo, cedendo elétrons, que vão ser colhidos pelo coletor de correntes do anodo, indo pelo circuito até o catodo. É isto que propicia a corrente elétrica¹,³.

Mecanismo de lesão tecidual:

Ocorre possivelmente uma combinação de 3 mecanismos:
1. Lesão devido à necrose de pressão sobre determinada área, que pode ocorrer com qualquer tipo de corpo estranho impactado em área circunscrita no decorrer de certo período".

2. Queimadura elétrica cumulativa por corrente contínua de baixa voltagem passando entre o anodo e o catodo via tecido do meato acústico externo. Tal passagem é potencializada pela alta condutividade do cerúme14.

3. Exsudação de líquidos teciduais causada pela queimadura cria um ambiente úmido, causando vazamento espontâneo de solução eletrolítica da bateria alcalina14, talvez devido à sua vedação imperfeita, e, consequentemente, intensa reação tecidual local. As bases têm a propriedade de penetrar em porções profundas dos tecidos, produzindo necrose liquefativa que resulta em solubilização de proteína e colágeno, saponificação de lipídios e desidratação do tecido celular. Os ácidos, por sua vez, produzem necrose coagulativa em camada superficial dos tecidos 11,14.

CONCLUSÃO

Corpos estranhos nas viasaero-digestivas, nariz e ouvidos, são situações cotidianos nas urgências do especialista.

Com a introdução no mercado das pilhas alcalinas em formato de botões discóides dos mais variados tamanhos para o funcionamento de pequenos aparelhos eletrônicos, o médico se vê frente a situações novas quanto à conduta e cuidados com seu paciente, particularmente as crianças.

Quando o paciente apresenta uma bateria alcalina discóide no CAE, a remoção deve ser o mais imediata possível.

Pode se tentar primeiramente a remoção com lavagem do conduto usando-se água destilada. Se não for bem sucedida, tenta-se a remoção com material otológico, adequado sob mieroscopia. Materiais pontiagudos devem ser evitados pois podem danificar ainda mais o CAE. Se houver tecido necrótico, deve ser debridado.

Após a remoção, o local da impactação deve ser demoradamente irrigado para remover qualquer precipitado ou restos de materiais. Deve-se evitar ouso de gotas otológicas antes da remoção do corpo estranho. A seguir, os cuidados são semelhantes aos da otíte externa difusa aguda.

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* Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
** Médico Otorrinolaringologista e Ex-Residente do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
*** Doutoranda da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e Monitora Voluntária da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Méd ficas da UNICAMP.
Endereço para correspondência: Dr. Reinaldo Gusmão, Caixa Postal 6027 - CEP 13081-970 - Campinas - SP.
Artigo recebido em 01 de setembro de 1994. Artigo aceito em 29 de setembro de 1994.

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