Ano: 1997 Vol. 63 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (5º)
Seção: Artigo de Revisão
Páginas: 577 a 579
ABSCESSO SUBMANDIBULAR - BACTERIOLOGIA E TRATAMENTO - REVISÃO DE TRÊS ANOS.
Submandibular Space Infection - Bacteriology and Treatment - Three Year Review.
Autor(es):
João G. S. Mira*
Marcos Mocellin**
Luís L Yosida***
Rodrigo G. Pereira****
Rogério Hamerschmidt*****
Palavras-chave: abscesso, bactérias, antibióticos.
Keywords: abscess, rnicrootganisms, antibiotics
Resumo:
O abscesso submandibular é patologia corrente na prática médica do otorrinolaringologista. Não obstante, a conduta frente para estes pacientes ainda é motivo de discussão. Baseado nesse fato, o Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná realizou revisão dos casos de abscessos submandibulares ocorridos entre janeiro de 1993 e dezembro de 1995, com os pacientes estudados quanto ao sexo, idade, tempo de evolução, forma de tratamento clínico e/ou cirúrgico e cultura das secreções. O resultado mais significativo foi a ocorrência discreta de bactérias gram negativas nas culturas das secreções, concluindo-se portanto que o uso de aminoglicosídeos deve ser evitado no tratamento inicial do paciente, pois sua utilização pode ser iniciada quando ocorrer resultado bacteriológico positivo para bactérias gram negativas.
Abstract:
Submandibular space infection is a common disease in the otolaryngology. Nevertheless, the treatment of this patology is not very well established. Based on this fact, the Department of Otolaryngology of the Clinical Hospital in Curitiba made a revision of the cases during 1993 and 1995. The patients were analised by their age, sex, time since the beginning of the symptoms till medical Gare, treatment and bacteriology. The mainstem of our study is the fact that there was a little growing of gram-negatives in our culturas; the main bacteria were gram positives and anaerobes. Due to these results, we suppose the use antibiotic therapy should cover gram positives and anaerobes; the use of aminoglicosides may be done if there are gram negatives in the abscess, that means, if the culture is positive to gram negatives.
INTRODUÇÃO
O tratamento das patologias infecciosas é realidade corrente em todas as especialidades médicas, tornando-se ponto de extrema cautela e intensa discussão. Este panorama não se mostra diverso quanto à realidade enfrentada pelo médico otorrinolaringologista. Dentro deste contexto, insere-se o estudo dos abscessos de cabeça e pescoço, entre eles o abscesso submandibular.
O espaço submandibular é separado superiormente do espaço sublingual pelos músculos miro-hióide, hioglosso e estiloglosso na sua parte medial e pelo corpo da mandíbula lateralmente. A borda lateral é composta pela pele, fáscia superficial, músculo platisma e o folheto superficial da fáscia cervical profunda. Seu limite inferior é formado pelos ventres anterior e porterior do músculo digástrico. Anteriormente, teta comunicação livre com o espaço submentoniano e, posteriomente, com o espaço faríngeo. Possui no seu interior a glândula sulmiaxilar, o dueto de Warthon, os nervos lingual e hipoglosso, a artéria facial, alguns linfonodos e gordura1, 2.
O processo infeccioso do espaço submandibular é produzido principalmente por infecções do segundo e terceiro dentes molares inferiores, podendo também ser acometido por contigüidade a partir de processos infecciosos em espaços subjacentes. Clinicamente, edema doloroso e tenso está geralmente presente, freqüentemente de tamanho considerável e localizado abaixo da mandíbula, o que torna difícil a palpação da sua borda inferior. A drenagem das secreções é, quando necessária, feita através de incisão cervical, tomando-se cuidado para não lesar o nervo mandibular, e de tamanho suficiente para proporcionar adequada drenagem1, 2, 3.
A despeito do extensivo estudo desta matéria, o esquema de antibióticos utilizado por muitos autores inclui o uso de aminoglicosídeos, sendo que, na literatura, o cresci-mento de bactérias gram negativas é discreto2, 5. Tal fato motivou os autores a realizar estudo retrospectivo dos pacientes atentidos no serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com o intuito de verificar o crescimento de bactérias gram negativas e avaliar necessidade do uso de aminoglicosídeos nos pacientes com diagnóstico de abscesso submandibular, além de analisar o perfil do paciente acometido por tal patologia.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram analisados 67 casos de abscesso submandibular atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, no período entre 1° de janeiro de 1993 e 31 de dezembro de 1995, os quais apresentavam dados suficientes para inclusão em nosso estudo.
Os pacientes foram analisados quanto ao sexo, idade, tempo de evolução da doença compreendido entre o início do quadro clínico e o atendimento hospitalar, e tratamento, além da cultura das secreções encontradas.
RESULTADOS
Dos 67 pacientes analisados, 38 (56,7%) foram do sexo feminino e 29 (43,2%) do sexo masculino. A faixa etária de maior acometimento foi entre 0 e 10 anos (29 casos - 43,2%), sendo que 22,3% dos pacientes tinham entre 11 e 20 anos (15 casos). A menor incidência foi acima de 41 anos, correspondendo a 5,9% (quatro pacientes) (Tabela 1). O tempo de evolução da doença, entre o início dos sintomas até o atendimento hospitalar, variou de dois dias até duas semanas, sendo a maior parte dos casos com evolução entre cinco e 10 dias (41,5%) (Tabela 2). O tratamento desses casos foi a antibioticoterapia, sendo que a associação mais utilizada foi cefazolina, metronidazol e amicacina, realizada em 27 pacientes (43,5%); e o uso de aminoglicosídeos, principalmente a amicacina e a gentamicina, considerandose todas as associações em que foram utilizadas, correspondeu a mais de 60%. Em 62 pacientes (96,8%), foi realizada drenagem cirúrgica. A cultura das secreções foi realizada em todos os casos, dos quais 52 (77,6%) foram positivas e 15 (22,4%) negativas, sendo 20 mistas (38,4%) e 32 simples (61,6%). Entre as culturas mistas, a bactéria mais encontrada foi o Estreptococos viridans, em 28%, seguida pelo Peptostreptococos, encontrado em 224% O crescimento de bactérias gram negativas nas culturas mistas foi de 2%. Nas culturas simples, foi mais encontrado Estreptococos pyogenes e Estafilococos aureus, na mesma porcentagem (29%), seguidos pelo Estreptococos viridans (16,1%). A porcentagem total de bactérias gram negativas nas culturas simples foi de 3%.
O tratamento instituído foi cirúrgico em 96,9% dos pacientes, associado com antibioticoterapia, sendo que os antibióticos mais usados foram a associação de cefazolina, metronidazol e amicacina (43,5%), somente cefazolina (14,5%), cefazolina e metronidazol (11,3%), cefazolina e amicacina (6,4%), cefalexina (4,8%), cefalexina e metronidazol (3,2%), cefazolina, metronidazol e gentamicina (3,2%), cefalexina e cloranfenieol (1,6%), penicilina, metronidazol e amicacina (1,6%), amicacina, metronidazol e vancomicina (1,6%), cefoxitina e gentamicina (1,6%), cefazolina e gentamicina (1,6%), ceftriaxona, vancomicina e metronidazol (1,6%), sulfametoxazol e trimetoprim (1,6%). O resultado do tratamento foi satisfatório, sendo que todos os pacientes apresentaram boa evolução, com resolução completa do quadro.
DISCUSSÃO
A despeito do extensivo estudo com relação ao tratamento e prevenção de doenças infecciosas, o abscesso submandibular ainda persiste aparecendo periodicamente em nosso meio, e continua sendo alvo de discussões quanto ao adequado tratamento clínico a ser instituído para os pacientes3.
Com relação à idade dos pacientes, foi encontrada elevada incidência em pacientes pediátricos, o que não difere da literatura mundial, e reforça a importância do conhecimento da patologia pelos médicos pediatras4. O tempo de evolução da doença e o sexo dos pacientes não diferem significativamente da literatura1, 2.
A cultura das secreções encontradas foi positiva na maioria dos pacientes, com predomínio de flora simples, isto é, com crescimento de apenas um germe. O item mais importante do nosso estudo, e no qual está centrada esta discussão, é o fato de ter ocorrido crescimento muito pequeno de bactérias gram negativas em nossas culturas, tanto simples quanto mistas. Tal fato é de extrema relevância na escolha dos antibióticos a serem ministrados para os pacientes. O uso de aminoglicosídeos, que são largamente utilizados, não se mostra necessário no tratamento inicial desses pacientes, baseando-se no resultado das culturas. Tais antibióticos podem ser incluídos no esquema terapêutico, caso a cultura do paciente seja positiva para bactérias gram negativas. Este fato não é somente importante pelo uso desnecessário de aminoglicosídeos que muitas vezes é feito mas também pelos efeitos adversos de tais medicamentos, sabidamente ototóxicos e nefrotóxicos. A literatura mundial preconiza o uso de antibióticos contra bactérias gram positivas e anaeróbias, as quais tiveram crescimento importante em nossa culturas5.
Constatamos pelo presente estudo alguns itens importantes com relação ao abscesso submandibular. Primeiramente, notamos predominância da doença em pacientes de menor idade, sendo que há decréscimo da incidência com o aumento da idade. Este aspecto é importante, principalmente para pediatras, que muitas vezes serão os primeiros a receber tal doente, devendo portanto saber reconhecer a enfermidade e encaminhar o paciente o mais precocemente possível. Com relação ao tratamento, este deve ser realizado logo após o diagnóstico, estando indicada a drenagem cirúrgica, além do tratamento clínico com antimicrobianos, visando principalmente bactérias gram positivas e anaeróbios1. Baseando-se no resultado das culturas de secreções, onde foi observado crescimento muito discreto de gram negativos, o uso de aminoglicosídeos no tratamento inicial desses pacientes não se mostra necessário, sendo que sua inclusão no esquema terapêutico pode ser feita após o resultado da cultura, caso esta seja positiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. SCOTT, B. A.; STIERNBERG, C. M. - Deep Neck Space Infections. Bailey, B.J.; Johnson, J.T.; Kohut, R.L; Pillsbury, H.C.; Tardy, E. - Head and Neck Surgery - Otolaryngology, Philadelphia, Lippincott Company ,1993, 1: 738-53.
2. SHUMRICK, K. A.; SHEFT, S. A. - Deep Neck Infections. Paparella, M.M.; Shumrick, D.A.; Gluckman, J.L.; Meyerhoff, W.L. - Otolaryngology - Head and Neck Surgery, Philadelphia, W.B Saunders Company, 1991, 3: 2545-63.
3. SETHI, D. S.; STANLEY, R. E. - Deep neck abscesses changing trends. J. Laryng. Otol., 108: 131994.
4. UNGKANONT, K.; YELLON, R. F.; MAN, J. L.; CASSELBRANT, M. L.; GONZALEZ-VALDEPENA, H.; BLUESTONE, C. D. - Head and Neck space infections in infants and children. Otolaryngol. Head. Neck. Surg., 112(3): 375-82, 1995.
5. JUANG, Y. C.; CHENG, D. L.; WANG, L. S.; MU, C. Y.; DUH, R. W.; CHANG, C.S . - Ludwig's angina: an analysis of 14 cases. Scand. J. infectious Dis., 21: 121-5,1989.
* Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná.
** Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná.
*** Residente de 3° Ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
**** Acadêmico do 6° Ano do Curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
***** Acadêmico do 54 Ano do Curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Hospital de Clínicas - Universidade Federal do Paraná.
Trabalho apresentado no 33° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, em Recife/ PE, de 2 a 6 de novembro de 1996. Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia/ Oftalmologia - Rua General Carneiro, 181 - Anexo B - 6° andar - Curitiba /PR - CEP 80060-900.
Artigo recebido em 30 de junho de 1997. Artigo aceito em 22 de julho de 1997.