Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 541 a 547

 

OBSERVAÇÕES ANATÔMICAS SOBRE O FORAME JUGULAR.

Anatomical Observations of the Jugular Forame.

Autor(es): Heraldo L. Guido*
Neivo L. Zorzetto**

Palavras-chave: crânio humano, forame jugular, anatomia

Keywords: human skull, jugular foramen, anatomy

Resumo:
O exame de 100 crânios humanos secos revelou que em 61% dos casos o forame jugular é maior no lado direito; em 26%, no esquerdo; e em 13% é simétrico na forma e dimensões. O forame jugular é dividido por um septo ósseo em dois compartimentos (em 5% dos casos bilateralmente); em 7%, somente no lado direito; e, em 3% dos casos, apenas no lado esquerdo. A formação de um terceiro forame para o seio petroso ocorre por outra septação do forame jugular devido a uma ponte óssea presente em 6% dos casos à direita e em 5% à esquerda. A fossa jugular é bem formada em ambos os lados em 86% dos casos; ocorre apenas unilateralmente à direita em 10%; e unilateralmente à esquerda em 4% dos casos.

Abstract:
The jugular foramen were examined in 100 human skulls. In 61% of cases the right was larger than the left and in 26% the left was larger, with 13% of equal shape and size. The jugular foramen was separated into two compartments by septation bone in 5% of cases bilaterally; on the right only in 7%, on the left only in 3%. The jugular foramen was described as being divided into three compartments by two spicules of bone in 6% of cases the right and in 5% the left. The jugular fossa was evident bilaterally in 86% of cases; on the right only in 10% and on the left only in 4%.

INTRODUÇÃO

O forame jugular é uma ampla abertura situada na metade posterior da base do crânio, imediatamente atrás do canal carótido e lateralmente aos côndilos occipitais. É formado pelas incisuras jugulares dos ossos temporal e occipital, facilmente identificável tanto endo quanto exocranialmente.

A incisura do osso temporal exibe escavação cupular, exatamente no limite do forame, denominada fossa jugular. O forame jugular é comumente dividido em dois compartimentos, neural e vascular, pela presença de projeção óssea, denominada processo intra-jugular. O compartimento vascular permite a passagem da veia jugular interna, cujo bulbo superior se aloja na fossa jugular, além dos ramos meníngeos das artérias faríngea ascendente e occipital. O compartimento neural é ocupado pela passagem dos nervos glossofaríngeo (IX), vago (X) e acessório (XI).

Tanto o forame jugular quanto a fossa jugular apresentam considerável assimetria na forma e dimensões, atribuídas a fatores como: variação na formação óssea que circunda o primitivo forame lácero posterior e o desenvolvimento desigual dos seios transversos da dura-máter. Destes fatores resultam enormes diferenças, entre os lados, que modificam significativamente as relações tópicas com as estruturas limítrofes. Assim é que as fossas jugulares exuberantes podem relacionar-se com a cavidade timpânica e o labirinto, e daí resultarem implicações otológicas importantes; também a forma e tamanho do forame jugular são significativos na presença de patologias que acometem os elementos que o atravessam, conforme descrevem Federici (1936), Boskovic (1960), Di Chiro, Fischer, Nelson (1964), Solter, Paljan (1973), Overton, Ritter (1973) e Graham (1975).

Registros sobre as diferenças métricas e morfológicas do forame jugular remontam ao século passado, nas citações de Theile (1855), Rüdinger (1875), Körner (1890) e Zuckerkandl (1892). Neste século, também Linser (1900), Khoo (1946), Aubaniac (1951), Tittel (1962), Di Chiro, Fischer, Nelson (1964), Bauer (1971), Sturrock (1988) e Hatiboglu, Anil (1992) executaram mensurações do forame jugular. Importantes relações entre a fossa jugular e a cavidade timpânica são referidas por Federici (1936), que encontrou deiscências na parede óssea que separa ambas em 1,5% dos casos, enquanto que Boskovic (1960) encontrou 6,5% dos casos com deiscências que permitem comunicação entre a fossa jugular e a orelha média. Solter, Paljan (1973) observaram 2% de deiscências do lado direito, assim como registraram cinco casos de comunicação da fossa jugular com o canal facial, sendo quatro à direita. Di Chiro, Fischer, Nelson (1964) descreveram entre as causas de assimetria do forame jugular, patologias como tumores de glomus jugular, neuromas dos nervos glossofaríngeo, vago e acessório; malformações vasculares e lesões extrínsecas como meningeoma, carcinoma da cavidade timpânica, colesteatoma e aneurisma da carótida interna. Overton & Ritter (1975) encontraram 5% de bulbos jugulares altos, informando sobre um caso de sangramento, à esquerda, por biópsia de bulbo alto, risco este também alertado por Graham (1975) Anson (1972) mediu a altura da fossa jugular e obteve valores que oscilaram de 0 a 14 mm. A fossa jugular nem sempre ocorre, assim é que Sturrock (1988) não a encontrou em 10% dos casos bilateralmente e Hatiboglu & Anil (1992) também não a observaram em 10,3% dos seus casos. Forame jugular dividido por septos ósseos em dois compartimentos também foram registrados por Sturrock (1988) e Hatiboglu, Anil (1992). Bauer (1971) realizou estudo comparativo do forame jugular entre os sexos e constatou que, no lado direito, é maior nas mulheres e menor nos homens, e que, no lado esquerdo, não há diferença significativa entre indivíduos de os sexos diferentes. Verificou ainda que nos homens não há diferença significativa entre os lados, enquanto que nas mulheres o forame jugular é maior à direita.

No presente estudo, propõe-se o exame do forame e da fossa jugulares em crânios secos de indivíduos brasileiros, com o fito de trazer outra contribuição para o conhecimento deste importante distrito anatômico.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram usados 100 crânios de indivíduos brasileiros adultos, 68 identificados e 32 não identificados, pertencentes ao Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília - UNESP. Dos identificados, 45 foram de indivíduos masculinos e 23 de femininos; quanto ao grupo étnico, 34 foram brancos, 23 pardos e 11 negros.

Com auxilio de paquímetro de precisão da marca Mitutoyo, mediram-se a extensão e a altura do forame jugular, endo e exocranialmente (Figuras 1 e 2), assim como a altura da fossa jugular.

RESULTADO

O forame jugular foi observado em 89 dos casos bilateralmente, exibindo dois compartimentos, parcial ou totalmente separados pelo processo intrajugular, um anterior ou vascular e outro posterior ou neural (Figuras 3, 4 e 5) e também 11 casos com um terceiro compartimento vascular (Figuras 6 e 7).



Figura 1. Representação esquemática do forame jugular, com os pontos de referência tomados para medir sua distância látero-medial.



Figura 2. Representação esquemática do forame jugular, com os pontos de referência tomados para medir os compartimentos (a) neural e (b) vascular, exocranialmente.



Figura 3 e 4 - Vista endocraniana da base do crânio, mostrando septação total do forame jugular no lado direito (seta maior) e septação parcial do lado esquerdo (seta menor), causada pelo processo infra-jugular. (*) Forame Magno.



A fossa jugular, por sua vez, não foi observada em 14% dos casos unilateralmente (Figura 8). Tanto o forame quanto a fossa jugular mostraram grandes diferenças de tamanho em relação aos lados (Tabela I).

As medidas das dimensões do forame jugular tomadas endo e exocranialmente constam da Tabela II. Dos 100 casos estudados, em apenas dois o compartimento neural foi maior que o vascular, sendo um à direita e outro à esquerda (Figura 9). Nos demais, o compartimento vascular apresentou-se maior que o neural, cuja distância média látero-medial, medida por via exocraniana, foi de 9 mm, enquanto que a do compartimento neural foi 5,5 mm (Tabela III).

Verificaram-se, ainda, 14% dos crânios com ausência unilateral da fossa jugular, sendo 10% no lado direito e 4% no esquerdo (Figura 8), e também encontraram-se fossas rasas com forame jugular pequeno (Figura 10). Deiscências ósseas foram achadas em 7% dos casos. Destes, 4% localizaram-se no lado direito (Figura 11).

A altura da fossa jugular variou de 0 a 14,5 mm (Gráfico 1).

DISCUSSÃO

De acordo com o estudo realizado, nota-se que a forma e o tamanho do forame e fossa jugulares podem variar significativamente em relação aos lados direito e esquerdo. Foi relatado, na literatura estudada, que o forame é, na maioria das vezes, maior no lado direito, dado que confere com nossos resultados (Tabela IV). O tamanho e a forma do forame, segundo Sturrock (1988), é, obviamente, relacionado com o tamanho da veia jugular interna e a presença ou não de bulbo jugular proeminente.



Figura 5. Vista endocraniana da base cio crânio, mostrando septação total bilateral do forame jugular (setas), dividindo-o em dois compartimentos: vascular (1) e neural (2).



Figura 6. Vista endocraniana da base cio crânio, mostrando o forame jugular do lado esquerdo dividido em três compartimentos: vascular (1), neural (2) e um terceiro que conduz ao seio petroso inferior (3). Forame jugular direito (seta). Observa-se, por via intracraraiana, a ausência da fossa jugular direita.



Figura 7. Vista exocraniana da base do crânio, mostrando o forame jugular direito com dois compartimentos: vascular (seta grossa) e neural (seta fina) e o lado esquerdo, com um terceiro compartimento (seta menor) que conduz o seio petroso inferior.



Figura 8. Vista exocraniana da base do crânio, mostrando ausência unilateral da fossa jugular no lado direito (seta curta) e fossa jugular presente no lado esquerdo (seta longa). -* Côndilos do Occipital - * Forame Magno



O forame jugular encontra-se parcialmente dividido em dois compartimentos, um de menor tamanho (neural) e outro maior (vascular). No entanto, em 2% dos casos, pode-se encontrar o compartimento neural maior que o vascular, sendo 1% de cada lado (Figura 9). A septação óssea completa do forame, causada pelo processa intra-jugular, foi descrita em 10% dos casos estudados por Hatiboglu e Anil (1992) e correspondeu a 6% dos crânios analisados por Sturrockl (1988); enquanto que, em nossa série, representou 16% dos casos (Figuras 3, 4 e 5).



Figura 9. Vista exocraniana da base do crânio, mostrando o forame jugular com compartimento neural (seta curta) maior que o vascular (seta longa), no lado esquerdo. À direita, a fossa jugular (1) exibe aspecto regular.



Figura 10. Vista exocraniana da base do crânio, mostrando fossa e forame jugulares bem evidenciados no lado direito (seta maior), e uma fossa rasa com forame jugular pequeno no lado esquerdo (seta menor).



Figura 11. Vista exocraniana da base do crânio, mostrando fossas jugulares evidenciadas bilateralmente (setas maiores) e pequenos pertuitos, que caracterizam deiscências ósseas no lado direito (setas menores).



TABELA I - Comparação do tamanho do forame e da fossa jugular em relação aos lados.



Shapiro (1972) e Sturrock (1988) relataram que o forame jugular pode ser encontrado dividido em três compartimentos: este terceiro forame conduz ao seio petroso inferior da dura-mater. Hatiboglu & Anil (1992) descreveram que 10,2% dos crânios estudados encontravam-se divididos em três compartimentos; destes, 5,6% no lado direito. Em nosso estudo, foram encontrados forames nestas condições em 11% dos casos, sendo 6% no lado direito (Figuras 6 e 7).

Bauer (1971) deu grande importância para a variável do sexo nas dimensões do forame jugular. Em seu trabalho, as pessoas do sexo feminino apresentaram maior discrepância no tamanho do forame entre os lados direito e esquerdo, informando que o forame do lado direito foi maior nas mulheres e menor nos homens. Este dado não confere com nossos resultados, já que o forame foi maior no lado direito tanto nos homens quanto nas mulheres nos crânios identificados; em relação ao sexo não houve diferença significativa entre os lados direito e esquerdo.

As implicações otológicas, ou de outra natureza, causadas pelas relações tópicas da fossa jugular e do forame com a cavidade timpânica,- e até mesmo com outras estruturas da base do crânio, como o canal e o nervo facial, células do processo mastóide, canal carótido e artéria carótida interna, assim como o IX, X e XI pares de nervos cranianos, são de grande importância na prevenção do risco de lesões graves de estruturas vitais na cirurgia otológica e da base do crânio.













Gráfico 1. Variações de altura versus número de casos estudados em relação a fossa jugular.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Pós-Graduando de Anatomia do Instituto de Biociências da UNESP, Campus de Botucatu/SP.
** Professor Titular de Anatomia e Fisiologia dos órgãos da Audição e da Fala do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Campus de Marília/ SP.

Trabalho realizado com auxilio da FAPESP. Processo 93/1343-3.
Endereço para correspondência: Noivo Luiz Zorzetto - Avenida Hygino Muzzi Filho, 737 - Caixa Postal 420 - CEP: 17525-900 - Fax: (014) 422-4797 E. mail: uemar@eu.ansp.br - Marília/ SP.

Artigo recebido em 10 de março de 1997. Artigo aceito em 9 de junho de 1997.

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