Ano: 1997 Vol. 63 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (12º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 515 a 518
SÍFILIS NA ADOLESCÊNCIA: RELATO DE CASO.
Syphilis in Adolescence: Case Report.
Autor(es):
Marzo Mansur Moussalle*
Renata Ravanello*
Jairo Mocellin**
Lilione S. Yurgel***
Sérgio K. Moussalle****
Palavras-chave: sífilis, DST, adolescência
Keywords: syphilis, adolescence, sexually transmitted disease (STD)
Resumo:
A epidemiologia das doenças sexualmente transmissíveis (DST) tem se modificado, acometendo indivíduos em faixas etárias cada vez mais baixas. Dentro desse contexto, a sífilis pode comprometer vários órgãos, incluindo as estruturas orais. Os autores relatam um caso de sífilis secundária em paciente muito jovem e salientam o novo padrão epidemiológico das DST.
Abstract:
The epidemiology of Sexually Transmitted Diseases (STD) has changed. individuals of a younger age being affilieted more after than in the post. Among these is syphilis, a disease that affects many organ systems including the oral cavity. The authors describe a case of secondary syphilis in an adolescent, emphasising the new epidemiologic pattern of the STD.
INTRODUÇÃO
As doenças sexualmente transmissíveis (DST) incluem uma série de síndromes clínicas, transmitidas usualmente pelo contato sexual, acometendo sobretudo o trato genital, mas também outros órgãos1, 2.
Nas últimas décadas, tem-se observado alteração na história epidemiológica das DST, acometendo atualmente indivíduos de todas as classes sociais, independentemente de cor, raça ou sexo e em faixas etárias cada vez mais baixas, motivada pela liberação sexual, disseminação de métodos anticoncepcionais, multiplicidade de parceiros(as), prostituição de menores, promiscuidade no ambiente doméstico, uso de drogas etc3, 4, ,5, 6.
Muitos adolescentes estão incluídos na população sob o risco de DST. A transmissão entre adolescentes é reconhecida como importante problema de saúde, sendo que algumas doenças se mantêm em níveis epidêmicos, causam grandes gastos ao País e são potencialmente responsáveis por seqüelas dramáticas como infertilidade7, 8, 9, 10. A atividade sexual dos adolescentes aumentou consideravelmente nas últimas duas décadas. As tendências atuais mostram que os adolescentes nos EUA começam a atividade sexual em idade cada vez menor, tornando as DST as mais "disseminadas, destrutivas e custosas"10 entre todas as doenças comunicáveis que acometem os adolescentes. Atualmente, 70% das meninas e 80% dos meninos são sexualmente ativos antes dos 19 anos de idade3, 7, 11.
Embora as DST sejam numericamente mais prevalentes em adultos jovens do que em adolescentes, quando se ajustam às taxas de incidência em cada grupo etário pelas porcentagem de pessoas sexualmente ativas, vê-se que os adolescentes sexualmente ativos têm maior incidência de DST1, 5, 10, 12, 13.
Nossos ambulatórios têm refletido esse novo padrão epidemiológico, com o aparecimento, cada vez em maior escala, do número de DST em adolescentes.
Em virtude disso, decidimos relatar o caso de uma paciente muito jovem com sífilis secundária.
RELATO DE CASO
C .A.P., 15 anos, do sexo feminino, branca, estudante, natural e procedente de Novo Hamburgo /RS.
27.9.96
QP: Rouquidão e dor em orofaringe.
HDA: Paciente refere disfonia há aproximadamente 15 dias, de início súbito, sem melhora após tratamento com Aine e Nistatina.
Hábitos: nega tabagismo; refere etilismo social; vida sexual ativa (refere uso de dois métodos anticoncepcionais - ACO e condom) com um parceiro.
Exame ORL:
Oroscopia: várias lesões em placa, esbranquiçadas, em fundo hiperêmico com aproximadamente 2,0 cm cada um, distribuídas em toda a cavidade oral, principalmente em língua e lábio inferior (Figuras 1 e 2).
Laringoscopia indireta: hiperemia de toda a laringe, principalmente em falsas cordas; persistência de lesões até a base da língua.
Pele: discretas áreas eritematosas no tórax, costas e membros superiores (Figura 3).
Linfonodos. linfadenopatia em cadeia submandibular bilateral e cervical anterior e posterior.
Avaliação: AIDS? Lues? Micose profunda?
Conduta: Analgesia com acetarninofen; solicitados hemograma, VSG, VDRL, FTAbs, anti-HIV.
Figura 1. Placas mucosas - língua.
Figura 2. Placas mucosas - lábio.
Figura 3. Roséola - pele.
4.10.96
Paciente traz exames:
Hemograma: erit. 4,20 milhões/ul; hct. 37%; hb. 12,7 g/dl; leucóc. 10:100.
VSG: 91.
FTAbs: reagente.
VDRL: 1:128.
Anti-HIV: não reagente.
HD: sífilis - secundarismo.
Conduta: Antibioticoterapia com penicilina G benzatina; retorno, em 30 dias.
Evolução
4/11/96 - Paciente vens à consulta para revisão clínica, apresentando-se assintomática e sem lesões ao exame clínico. Solicitado novo VDRL e retorno em 30 dias.
4/1/97 - Paciente traz VDRL 1:32. Apresenta-se assintomática, com exame clínico sem alterações. Solicitado novo VDRL. Retorno, em 60 dias.
4/3/97 - Paciente vem à consulta assintomática, com exame clínico inalterado. Traz VDRL 1:8. Alta ambuatorial.
DISCUSSÃO
A sífilis é doença infecto-contagiosa, causada pelo Treponoma pallidum, que pode ser transmitido através do contato sexual, por via sangüínea, via transplacentária ou, raramente, por maculação acidental14.
Caracteriza-se por diversidade de manifestações clínicas, simulando outras patologias.
É classificada de acordo com o tempo de duração da infecção, e serve para orientar o tratamento. Pode ser dividida em sífilis adquirida ou sífilis congênita. A sífilis adquirida se divide em recente (primária, secundária e latente), quando os sintomas apresentam menos de um ano de duração, e tardia (latente e terciária) quando os sintomas apresentam mais de um ano de duração. A sífilis congênita se divide em precoce (até dois anos) ou tardia (mais de dois anos)14.
O caso relatado é de sífilis adquirida recente secundária. O secundarismo se manifesta aproxima-damente em 45 dias após o surgimento de cancro não tratado, podendo durar até três anos. Em sua fase inicial, observa-se a presença de placas mucosas, roséola, linfadenopatia generalizada e sintomas gerais.
As placas mucosas são muito contagiosas e podem aparecer na cavidade oral, comissuras labiais e mucosa genital.
A roséola caracteriza-se por máculas de cor rosa pálida disseminadas em tronco e membros. São assintomáticas. Alopécia em clareira aparece entre o terceiro e o sexto mês14.
Em fase mais tardia (4 a 12 meses após o contágio), podem ocorrer as sifílides papulosas e pápulo-escamosas, principalmente em região nasogemana, regiões palmoplantares e comissura labial.
Condiloma plano (sífilis pápulo-erosivas) é contagioso e manifesta-se em área anogenital e pregas cutâneas.
O diagnóstico se dá pela clínica, VDRL quantitativo e FTABS reagentes.
O VDRL também é útil para acompanhar a evolução.
O tratamento é feito com penicilna G benzatina 2 400.000 UI, IM, repetindo-se a dose após uma semana15.
Mediante o relato deste caso, gostaríamos de enfatizar a importância do diagnóstico precoce nos casos de sílifis; tanto visando o paciente, já que sabemos que na sífilis primária e secundária as lesões têm alta reversibilidade, enquanto que na sífilis terciária as lesões já apresentam tendência destrutiva; quanto no aspecto coletivos, no sentido de evitar a propagação da doença. Além disso, gostaríamos de ressaltar a prevenção das DST, já que são moléstias de incidência elevada na população jovem, com altos índices de complicações físicas e psíquicas.
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* Doutorandos da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica/ RS.
** Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica/ RS.
*** Doutora em Estomatologia. Serviço de Estomatologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica/ RS.
**** Professor Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica/ RS. Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica/ RS.
Endereço para correspondência: Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital São Lucas da PUC /RS. Avenida Ipiranga, 6690 - conj. 720 - Jardim Botânico CEP: 90610-000 - Porto Alegre/ RS.
Artigo recebido em 10 de dezembro de 1996. Artigo aceito em 22 de julho de 1997.