Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 469 a 475

 

SINUSOPATIA NA FIBROSE CÍSTICA.

Sinus Disease in Cystic Fibrosis.

Autor(es): Otávio B. Piltcher*
Ângela E. Zucatto**
Daniela D. Rosa **
Lisângela C. Preissler**
Eduardo L. Hentschel**
Leonardo Q. da Paixão**

Palavras-chave: fibrose cística, sinusopatia, sinusite, mucovicidose

Keywords: cystic fibrosis, sinus disease, sinusitis, mucoviscidosis

Resumo:
A fibrose cística é a mais comum das doenças genéticas letais que acometem caucasianos. Sua mortalidade tem sido significativamente reduzida nos últimos dez anos como resultado da maior atenção dada à profilaxia das infecções recorrentes de vias aéreas e do melhor controle de pacientes pelos serviços especializados. A doença sinusal pode ser radiologicamente detectada em quase todos os pacientes, mas apenas 50% são sintomáticos. De 10 a 20% desses pacientes vão à cirurgia sinusal. Os tratamentos disponíveis são parcialmente efetivos. Os cirurgiões precisam estar conscientes de que os procedimentos cirúrgicos devem ser indicados para casos específicos e que atuam alterando a anatomia sinusal, enquanto que o principal problema continua sendo a disfunção celular. Neste trabalho, é feita a abordagem das sinusopatias na fibrose cística, quanto à sua fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, prognóstico, complicações e manejo, além de discussão a respeito das controvérsias existentes sobre o assunto.

Abstract:
Cystic fibrosis is one of the most common lethal inherited diseases that affects caucasians. Its mortality has been dramatically reduced over the last ten years as the result of an increased use of prophylaxis for recurrent upper respiratory infections and better control of patients by specialists. Sinus disease is radiologically detected in almost all patients, but only 50% are symptomatic. Ten to 20% of these patients undergo sinus surgery. All treatments are only temporarily effective. Surgeons must be conscious that surgical procedures are indicated for specific cases but the operations only change the sinus anatomy, while the main problem of the disease, the cellular disfunction, remains. The pathophysiology, clinical manifestations, diagnosis, prognosis, complications and management of sinus disease among patients with cystic fibrosis are discussed, pointing out the dispute aspects.

INTRODUÇÃO

A fibrose cística é doença generalizada das glândulas exócrinas, autossômica e recessiva, cujo gene se localiza na região 31 do braço longo do cromossoma 7 (7831)1. É a doença genética letal mais comum na população branca2, e possui significativa morbidade3.

O defeito mais comum nos indivíduos com fibrose cística é a deleção em três nucleotídeos do gene (chamado gene regulador transmembrana da fibrose cística), levando à ausência do aminoácido fenilalanina na posição 508 do produto desse gene2. Tal defeito causa deficiência na regulação do transporte de cloreto através da membrana das células epiteliais das glândulas exócrinas, havendo diminuição da permeabilidade a este íon, bem como perda quase total de sua secreção em resposta aos agonistas beta-adrenérgicos. Como conseqüência, há fluxo de cloreto de sódio para o interior das células, com absorção passiva de água, causando desidratação dos fluídos extracelulares. Ocorre alteração das propriedades viscoelásticas e espessamento do muco secretado, que passa a obstruir os duetos excretores das glândulas.

De cada 20 pessoas, uma é portadora do gene da fibrose cística1, 3. Na Europa e nos Estados Unidos, a incidência dessa doença é de 1:1.600-2.000 nascidos vivos1, dados semelhantes aos observados no Rio Grande do Sul4. Na última década, houve aumento considerável da sobrevida dos pacientes com fibrose cística, que passou de 19 anos em 1980, para 28 anos em 19902.

Os pacientes com fibrose cística freqüentemente apresentam obstrução nasal, polipose nasossinusal e sinusite crônica2. 92% a 100% dos pacientes com mais de 8 meses de idade apresentam opacificação dos seios paranasais (exceto do seio frontal, que raramente se desenvolve nessa doença)1, 5, porém, pansinusite clínica e pólipos nasais desenvolvem-se mais comumente entre os 5 e os 14 anos de idade1, 3, 5. Os pólipos afetam de 10% a 48% dos pacientes na infância e adolescência. A ocorrência de polipose nasossinusal em crianças com menos de 10 anos na população em geral é baixa, senda recomendada, nestes casos, investigação para fibrose cística1. O diagnóstico de fibrose cística é realizado através da demonstração de concentrações elevadas de eletrólitos no suor (concentração de cloreto < 80 mmol/l), associada a achados clínicos característicos (doença gastrointestinal, doença pulmonar, azoospermia obstrutiva) ou história familiar de fibrose cística. Algumas vezes, é necessária a determinação do genótipo do paciente, a fim de que sejam identificadas variantes menos típicas da doença. Concentração alterada de cloreto no suor, associada a duas mutações no gene da fibrose cística, também estabelece o diagnóstico da doença6. A importância do estudo da correlação entre fibrose cística e patologias dos seios paranasais expressa-se claramente no fato de 10% a 20% destes pacientes serem submetidos a cirurgias nasossinusais1, 2, 5.

Neste trabalho, é feito o estudo das sinusopatias na fibrose cística, quanto à sua fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, prognóstico, complicações e manejo, além de discussão a respeito das controvérsias existentes sobre o assunto.

A sinusopatia na fibrose cística

As afecções dos seios paranasais em pacientes portadores de fibrose cística não diferem em seu mecanismo, se comparadas àquelas em pacientes normais. Drenagem adequada de seios é processo que envolve equilíbrio entre mecanismos de secreção e transporte, o que depende da qualidade e quantidade de muco produzido, da atividade ciliar, da reabsorção e da condição do óstio para a drenagem do material. Sabidamente, o muco se compõe de duas camadas, uma mais interna e serosa (sol), e outra mais externa e viscosa (gel)2. Toda vez que a composição do muco se modifica, tornando-o mais viscoso, o processo de transporte através dos óstios de drenagem se lentifica, tornando ainda mais espessa a camada gel. A camada sol se afila e a gel exerce ação mecânica sobre os cílios, que não podem desempenhar adequadamente sua função. Inevitavelmente, há coleção de muco espesso, que fica retido no interior dos seios por períodos de tempo bastante variáveis. Tal situação patológica, maximizada, corresponde ao que encontramos na fibrose cística2.

Devido ao maior afluxo de cloro e água do conteúdo extracelular, desidratando-o, ocorre espessamento das secreções de glândulas exócrinas. Sob nosso particular interesse está a obstrução de duetos excretores dessas glândulas pelo fluído espessado, que tem suas propriedades viscoelásticas alteradas. No sistema respiratório temos, então, a possibilidade de envolvimento dos seios paranasais, iniciado pelo bloqueio do óstio sinusal por secreção mucosa espessada (plugging). A grande maioria dos pacientes com fibrose cística desenvolve inevitavelmente a doença sinusal em algum momento de sua evolução2.

Logo, a causa da doença sinusal na fibrose cística é, primariamente, a alteração das propriedades viscoelásticas da secreção mucosa, que leva à obstrução mecânica do óstio, e, posteriormente, o impedimento do transporte ciliar através do mesmo. A isso, segue-se redução da pressão parcial de oxigênio (pO2), com aumento da pressão parcial de gás carbônico (pCO2) e dano ciliar adicional por hipóxia tecidual, edema de mucosa e inflamação. Estes agem como fatores de perpetuação do processo, favorecendo os componentes de estase e obstrução, para colonização por patógenos respiratórios diversos. Contudo, embora o trato respiratório superior e inferior destes pacientes esteja cronicamente infectado por bactérias, eles parecem não ter suscetibilidade aumentada a infecções virais comuns2.

Do desenvolvimento dos seios, sabemos que o maxilar e o etmoidal estão pneumatizados ao nascimento, enquanto no esfenoidal o processo se completa apenas entre o segundo e o terceiro ano de vida, sendo ainda mais tardio no frontal, onde ocorre em torno dos seis anos de idade. No comprometimento ocasionado pela fibrose cística, pode-se nunca perceber o desenvolvimento de seios como o frontal, devido ao processo inflamatório continuado, capaz de impedir sua pneumatização adequada2.

No que diz respeito, especificamente, à polipose nasal, sua fisiopatologia permanece sombria. Rulon e colaboradores7 supõem que o muco viscoso causa dilatação das glândulas mucosas nasais, resultando na compressão e obstrução dos capilares terminais. A transudação de fluído leva a modificações edematosas e, em último grau, ao prolapso polipóide. Por outro lado, Tos e colaboradores8 acreditam que o fator desencadeante seja alguma alergia ou infecção que produz resposta inflamatória na mucosa nasal, levando ao dano epitelial, com subseqüente prolapso da lâmina própria.

A polipose nasal e a sinusite constituem manifestações otorrinolaringológicas comuns da fibrose císticas9. De maneira geral, a apresentação da doença sinusal nos pacientes com fibrose cística costuma ser sutil. A vasta maioria não apresenta sintomas, tendo como único achado a opacificação dos seios da face em radiografias2. Shapiro e colaboradores10 relatam que apenas 15% dos pacientes apresentam sintomas claramente relacionados à sinusite, como dor facial ou aumento da temperatura e edema sobre o seio maxilar, algumas vezes acompanhados por cefaléias frontais severas. A grande maioria apresenta sintomas ocasionais inespecíficos, como obstrução nasal, cefaléias frontais e tosse crônica. Os pacientes sintomáticos costumam ter entre 5 e 14 anos de idade3. Em adolescentes e adultos, chama atenção a presença de cefaléia, raramente encontrada nas crianças. Nestas, os sintomas mais freqüentemente relatados por seus pais estão relacionados a obstrução nasal e rinorréia purulenta, incluindo respiração bucal, roncos, secreção pós-nasal com tosse matinal, halitose e pigarro2. Cepero e colaboradores8 observaram o desenvolvimento de polipose nasal em 10% dos pacientes com fibrose cística que estudaram, com 80% deles manifestando obstrução nasal. Como os seios frontais raramente se desenvolvem nos pacientes com fibrose cística, a maioria dos sintomas estão relacionados a doença maxilar ou etmoidal2. Os mesmos autores descreveram como sintomas compatíveis com sinusite, além dos supracitados, febre e dor.

Ao exame físico, os achados mais comuns relacionam-se a obstrução nasal crônica e drenagem purulenta. As crianças menores freqüentemente respiram pela boca, e secreção purulenta costuma estar presente em ambas as narinas e na faringe posterior. A rinoscopia anterior revela mucosa nasal eritematosa e edemaciada, com ou sem pólipos. Alargamento da ponte nasal é visto em alguns pacientes adolescentes ou em idade escolar, devido ao fato de as paredes ósseas dos seios etmoidais se espessarem, podendo levar, em alguns casos, à proptose. Temperatura aumentada na região dos seios é achado raro2.

Felizmente, os sintomas de doença sinusal e polipose costumam resolver-se quando o paciente atinge a idade adulta2. A polipose nasal, com freqüência, constitui aspecto auto-limitado da doença sinusal, com freqüente resolução espontânea no final da adolescência1.

É importante lembrar que, algumas vezes, como complicação da sinusite, ocorre mucopiocele (lesões císticas crônicas dos seios paranasais, podendo haver erosão óssea). Estas lesões podem ser locais, intraorbitais ou intracranianas. É comum que pacientes com mucopiocele apresentem cefaléia frontal e sintomas oftalmológicos agudos. O seio frontal, apesar de raramente desenvolver-se, é o mais comumente acometido e, nesses casos, podemos ter o surgimento de estrabismo, diplopia e visão borrada. Sharma e colaboradores5 descreveram três pacientes com sinusopatia associada à fibrose cística que desenvolveram mucopiocele, chegando a completa erosão da parede do seio frontal. Complicações da sinusite como osteomielite e abscesso cerebral são raras1.

A incidência de sintomas alérgicos, como asma, rinite alérgica sazonal e eczema não se encontra aumentada nos pacientes com fibrose cística1, 2.

Como já foi mencionado anteriormente, não há relação direta entre os achados clínicos e radiológicos nestes pacientes. As alterações radiológicas, diferentemente das manifestações clínicas, são demonstráveis muito precocemente5. Além disso, modificações radiográficas agudas são infreqüentes nos períodos em que há exacerbação dos sintomas sinusais2. A opacificação total dos seios da face ao exame radiológico é, praticamente, achado universal na população com fibrose cística com mais de 8 meses de idade, mas menos de 1% tem sintomas clínicos de infecção sinusal1, 2, 11. O diagnóstico da sinusite sintomática nos pacientes com fibrose cística é, usualmente, baseado na apresentação clínica2. Em alguns casos, são coletadas culturas bacterianas da nasofaringe ou orofaringe posterior. Não há estudos comparando culturas de naso e orofaringe com aspirados de seio maxilar. Nos casos em que se realizou o aspirado, os patógenos mais comumente encontrados foram Pseudonionas aeruginosa, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae2. Shapiro e colaboradores10 encontraram, além de Pseudomonas aeruginosa e Haemophilus influenzae, associação com microorganismos anaeróbios.

A tomografia computadorizada dos seios da face vem sendo cada vez mais útil2, mostrando áreas de doença residual, anormalidades anatômicas e guiando intervenções terapêuticas12.

Os pólipos, por sua vez, acometem entre 10% e 48% dos pacientes, sendo raros entre os adultos. Os encontrados na fibrose cística são de natureza inflamatória e podem decorrer tanto por causa alérgica, quanto infecciosa, não sendo distingüíveis dos pólipos atópicos. Não há diferença na densidade, distribuição ou arquitetura das glândulas, nem diferenças histológicas na superfície do epitélio ou no estroma. Três modificações histológicas indicam a associação com fibrose cística, compreendendo a delicada membrana basal na superfície do epitélio, sem hialinização submucosa, pobreza de eosinófilos e predominância de mucina nas glândulas e duetos dos pólipos e na superfície mucosa1.

Nos casos em que se suspeita de mucopiocele, devemos realizar tomografia computadorizada e/ou ressonância nuclear magnética para confirmar o diagnóstico e propiciar decisão adequada sobre qual intervenção cirúrgica deverá ser realizada. As radiografias tradicionais dos seios paranasais são inadequadas para excluir mucopiocele com erosão da parede sinusal4.

Grande variedade de complicações advindas das sinusopatias podem acometer os pacientes com fibrose cística. A sinusite crônica pode levar a deformidades do esqueleto nasal externo, perda do olfato e cefaléias. Como já foi mencionado, também é responsável pelo raro desenvolvimento do seio frontal'.
A detecção de complicações é realizada através de testes de imagem, como a radiografia e a tomografia computadorizada. Com freqüência, as alterações radiológicas são observadas precocemente. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial de alguns sintomas oftalmológicos, como cefaléia frontal severa com fraqueza da musculatura extra-ocular, proptose e visão dupla, decorrentes de complicações da sinusopatia, com outras afecções como miastenia grave, traumas e lesões invasoras, que também podem apresentar-se com tais sinais e sintomas5.

Aproximadamente 20% dos pacientes com sinusopatia associada à fibrose cística necessitarão de procedimentos cirúrgicos dos seios paranasais2. Complicações pulmonares resultantes dos longos períodos sob anestesia geral são comuns nestes pacientes. Assim, protocolos pré, intra e pós-operatórios devem ser seguidos de maneira rigorosa, otimizando a função pulmonar, minimizando o tempo pós-operatório e, conseqüentemente, diminuindo a ocorrência de complicações pulmonares3. Durante a cirurgia, devem ser obtidas culturas, devido aos cuidados pós-operatórios, que visam garantir o sucesso subseqüente ao procedimento. A terapia antibiótica pós-operatória deve ser direcionada aos resultados da cultura (o microorganismo mais freqüentemente isolado nos pacientes com fibrose cística é o Pseudomonas aeruginosa2). Semanalmente, deve ser realizada a limpeza das cavidades e drenagem dos sítios infecciosos3. Após a desobstrução da cavidade, pode-se utilizar corticosteróide tópico para prevenir o desenvolvimento de polipose nasal2. A irrigação com solução salina previne o acúmulo de muco infectado. Após a estabilização das mucosas nasal e sinusal, o paciente pode ser visto a intervalos de três a quatro meses2.

TRATAMENTO

O manejo das sinusopatias em pacientes com fibrose cística tem sofrido transformações dramáticas nos últimos tempos, pois esses pacientes vêm apresentando sobrevida maior que no passado3.

Nesses pacientes, o tratamento inicial para a sinusite constitui-se na antibioticoterapia oral, empregada empiricamente, com base nos estudos que determinaram os germes mais freqüentes. A duração mínima do tratamento é de três semanas, sendo preferível quatro a seis semanas2. Conforme relatado anteriormente, entre os patógenos identificados por punção maxilar, destacam-se Pseudomonas aeruginosa, Haemophilus influenzae e Streptococcus pneuinoniae.

Se o paciente com indicação de tratamento clínico para sinusite estiver próximo do ciclo antimicrobiano intravenoso, que realiza regularmente com fins terapêuticos e preventivos para as vias aéreas inferiores, esse tratamento também será efetivo para as vias aéreas superiores. São utilizados aminoglicosídeos (gentamicina ou tobramicina - 3mg/kg de 8 em 8 horas), associados a -lactâmicos. (ticarcilina - 100 mg/kg de 6 em 6 horas e ácido clavulânico - 3,3 mg/kg de 6 em 6 horas para crianças; ticarcilina - 3g de 6 em 6 horas e ácido clavulânico - 0,1g de 6 em 6 horas para adultos), via intravenosa, eficazes no tratamento da infecção por P. aeruginosa. No entanto, muitos pacientes necessitam controle de infecções das vias aéreas superiores e inferiores em nível ambulatorial, aceitando-se como primeira opção, empiricamente, a administração via oral de arnoxacilina (10 a 15 mg/kg de 8 em 8 horas para crianças; 500 mg de 8 em 8 horas para adultos) associada ao ácido clavulânico (2,5 a 3,75 mg/kg de 8 em 8 horas para crianças; 125 mg de 8 em 8 horas para adultos), bem como de sulfametoxazol (20 mg/kg de 12 em 12 horas para crianças; 800 mg/kg de 12 em 12 horas para adultos) associado ao trimetoprim (4 mg/kg de 12 em 12 horas para crianças; 160 mg de 12 em 12 horas para adultos). A ciprofloxacina é a alternativa para o tratamento oral, apresentando resultados tão satisfatórios como as terapias intravenosas, apesar da crescente resistência de cepas como Staphylococcus e Pseudomonas aeruginosa. Devido à elevada incidência de alterações da cartilagem articular de animais de laboratório, este fármaco não foi liberado para o tratamento de crianças. No entanto, um estudo demonstrou que, de 1.000 crianças que utilizaram o fármaco, nenhuma teve alterações articulares. Além disso, leve-se ter cautela na interpretação dos resultados, pois de 7 a 8% da população infantil desenvolvem patologia articular13. Apesar de alguns trabalhos não contraindicarem o uso de ciprofloxacina oral na população pediátrica, ainda é necessário o desenvolvimento de ensaios clínicos bem controlados que garantam a segurança desta opção terapêutica14.

Se ocorrer resistência ao tratamento inicialmente proposto, é necessária a realização de punção dos seios paranasais, a fim de determinar o microorganismo envolvido na infecção, uma vez que, eventualmente, são encontrados germes gram-positivos e anaeróbios.

Também pode-se empregar antibióticos tópicos no controle da colonização bacteriana do trato respiratório dos pacientes com fibrose cística. Vários ensaios clínicos que utilizam aminoglicosídeos sob a forma de aerossol têm demonstrado melhora na função pulmonar desses pacientes. Entretanto, o potencial dos aminoglicosídeos tópicos para erradicar a colonização bacteriana crônica sinusal (principalmente por Pseudomonas aeruginosa), nos pacientes com fibrose cística, necessita de avaliação em estudos prospectivos3.

Quando comparados a anti-histamínicos, corticosteróides nasais têm maior aceitação no tratamento de pólipos nasais, embora nenhum deles tenha tido sua eficácia comprovada2.

Para os pacientes que não respondem ao tratamento clínico, a alternativa é a cirurgia. Segundo Ramsey2, as indicações para a realização de procedimento cirúrgico incluem obstrução nasal crônica com respiração bucal, secreção purulenta crônica resistente ao tratamento clínico (por, no mínimo, dois meses) e cefaléía persistente.

Os objetivos do tratamento cirúrgico são a drenagem dos seios, o acesso para limpeza e lavagem e a eliminação dos pólipos e dos focos inflamatórios, com preservação da anatomia original. A avaliação pré-operatória deve incluir a tomografia computadorizada dos seios paranasais, para direcionar a cirurgia, e provas de coagulação sangüínea para excluir coagulopatia desconhecida2.

No passado, o manejo da patologia sinusal era paliativo, sendo realizadas polipectomias nos casos de obstrução nasal, com elevados índices de recidiva3, 9. A extensão da cirurgia intranasal para a polipose é inversamente proporcional ao grau de recorrência, que ocorre em 69% nos casos de polipectomia isolada. Por esse motivo, o tratamento cirúrgico dos pacientes com fibrose cística usualmente consiste na remoção dos pólipos com operação conjunta dos seios paranasais2. A polipectomia combinada com procedimento do tipo Caldwell-Luc, ou etmoidectomia externa, ou ainda cirurgia endoscópica, reduz significativamente os níveis de recidiva1. Cepero e colaboradores8 demonstraram que a simples polipectomia é medida terapêutica relativamente ineficaz, mas, quando realizada em conjunto cota a etmoidectomia por método de Caldwell-Luc (técnica cirúrgica na qual o seio maxilar é aberto através de incisão sublabial) ou até mesmo com etmoidectomia extra ou intranasal, a recidiva é menor que 13%, com aumento mínimo da morbidade cirúrgica.

Fato que colaborou muito no tratamento cirúrgico dos pacientes com fibrose cística foi o achado de pesquisadores da Universidade de Stanford. Baseados em dados de que somente 30% de pacientes com fibrose cística submetidos a transplante pulmonar bilateral haviam morrido, e a maioria por pneumonia, foi postulado que o nariz seria fonte de disseminação bacteriana para o trato respiratório inferior desses pacientes, uma vez que sua cavidade nasal era repleta de pólipos, secreções e infecção crônica por Pseudomonas. Desde então, começou-se a remover pólipos nasais e a abrir amplamente os seios maxilares de todos os pacientes com fibrose cística candidatos a transplante pulmonar. O princípio dessa conduta era racional, porém o direcionamento aos seios maxilares e a técnica de antrostomia meatal inferior não eram fisiológicos, falhando ao reconhecer os meios de transporte mucociliar, o que foi corroborado por April e colaboradores3, 12.

Acreditava-se que os riscos associados ao procedimento cirúrgico mais agressivo e anestesia prolongada eram imprevisíveis, passando-se a realizar cirurgia mais breve, que aliviasse os sintomas3. Subseqüentemente, técnicas adicionais passaram a ser recomendadas, encontrando-se melhores resultados, até que, na década de 80, foi introduzida a cirurgia nasossinusal endoscópica para os pacientes com fibrose cística que tinham sinusite crônica, obtendo-se melhores resultados em termos de risco-benefício3.

A cirurgia endoscópica procura preservar a anatomia e fisiologia dos seios paranasais. A técnica descrita por Messer-Klinger e Stammberger, no intuito de ampliar ao máximo o meato médio e o óstio maxilar, abre as células etmoidais anteriores e posteriores, o óstio maxilar e o recesso frontal, a fim de realizar irrigações subseqüentes. Os seios esfenoidais costumam ser manipulados somente quando há evidência de patologia na tomografia computadorizada ou no momento do ato cirúrgico3.

Apesar dos importantes avanços obtidos ao longo dos anos, o seguimento de alguns pacientes com fibrose cística após a cirurgia sinusal endoscópica mostrou que muitos tiveram recidiva ou persistência da sinusopatia. Em outras palavras, a eliminação da sinusopatia em crianças com fibrose cística não parece ser possível atualmente, com terapêutica cirúrgica ou clínica10. Não há regime terapêutico curativo. O que ocorre, como já foi mencionado, é o desaparecimento dos sintomas nasossinusais quando os pacientes se tomam adultos2. Contudo, Cuyler15 e Davidson e colaboradores3 salientam que estes pacientes se beneficiam muito com o tratamento cirúrgico, devido ao alívio considerável da sintomatologia e a sensação de bem-estar dela decorrente.

Em pacientes com fibrose cística em estágio avançado, é difícil avaliar os benefícios da cirurgia sinusal3. Houve progresso importante, ao longo das últimas décadas, no que diz respeito ao manejo de pacientes com fibrose cística cuja morbimortalidade é significativa2. Entretanto, ainda há muito a ser pesquisado para resolver os questionamentos pendentes.

DISCUSSÃO

Sendo a fibrose cística moléstia genética de prevalência elevada, com curso letal e repercussões sociais e humanas significativas, é evidente o esforço da comunidade científica na busca de avanços no domínio da fisiopatogenia e no manejo desses pacientes.

Do ponto de vista otorrinolaringológico, o estudo das alterações nasossinusais, tão freqüentes nestes pacientes, vem possibilitando, ao longo das últimas décadas, o conhecimento mais genérico das sinusopatias.

A seqüência de modificações histopatológicas vista nesses pacientes demonstra a suscetibilidade dos seios da face a mudanças em nível de anatomia e funcionamento mucociliar. A importância da unidade mucociliar fica ainda mais evidente quando se percebe que, apesar da antibioticoterapia sistêmica freqüentemente empregada na prevenção de outras infecções das vias aéreas inferiores, a incidência de sinusopatias permanece elevada. Por outro lado, mesmo que quase 100% dos doentes com fibrose cística apresentem alterações radiológicas, somente pequena porcentagem apresenta manifestações clínicas ou complicações. Por essa razão, seria importante discutir o papel da antibioticoterapia também sob esse aspecto.

Apesar da ausência de dados definitivos, há consenso quanto à necessidade de manejo adequado das sinusopatias para evolução satisfatória de processos inflamatórios, infecciosos ou não, das vias aéreas inferiores. Dessa forma, surge outro questionamento: pacientes com alterações radiológicas sem queixas clínicas devem ou não ser tratados? De acordo com a revisão apresentada, fica claro que, independentemente do uso de antibióticos, os fatores celulares que predispõem ao acúmulo de secreções nos seios da face persistem.

Nos casos em que o quadro clínico e as alterações sinusais sugerem prejuízo no manejo global destes pacientes, a conduta deve ser escalonada; assim, primeiro se trata empiricamente, de acordo com os germes descritos na literatura como mais prevalentes e, em caso de insucesso, opta-se por segunda terapia medicamentosa orientada pelo exame da cultura das secreções. Persistindo a sintomatologia, é essencial estudo tomográfico computadorizado para avaliar a necessidade de tratamento cirúrgico.

Nos pacientes com fibrose cística, bem como naqueles sem esta patologia, podem ser empregadas diferentes técnicas cirúrgicas na abordagem dos seios paranasais. A cirurgia endoscópica nasossinusal (principalmente por tratar-se de população em grande parte infantil) tornou-se a técnica de escolha, pois, na medida do possível, preserva a anatomia e fisiologia dos seios. Quando bem indicados, os procedimentos cirúrgicos obtêm até 70% de melhora clínica, a qual nem sempre corresponde aos achados por imagem. Salientamos, contudo, que, no decorrer dos anos, há necessidade de reintervenção cirúrgica na maioria dos pacientes.

A cirurgia sinusal endoscópica tornou-se o procedimento mais indicado para os pacientes com sinusopatia associada a fibrose cística que não respondem ao tratamento convencional ou apresentam complicações nasossinusais. Favorece, pois, a limpeza dos seios e os mantém livres de infecções com o uso de antibiótico tópico, o que acaba por contribuir, inclusive, no sentido de manter os pulmões saudáveis3.

Apesar do progresso terapêutico antimicrobiano e do desenvolvimento da cirurgia endoscópica nasossinusal, a esperança de resultados definitivos no manejo da patologia sinusal em pacientes com fibrose cística reside ainda nos avanços da medicina biomolecular.

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* Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia cio Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
** Acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Serviço de Otorrinolaringologia - Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Rua Ramiro Barcelos, 2350 - CEP 90035-003, Porto Alegre/ RS Telefone: (051) 331-6699 - Ramal 2164.
Endereço para correspondência: Otávio Beizman Piltcher - Rua Santa Cecília, 1909 - CEP 90420-041 - Porto Alegre/ RS - Telefone: (051) 331-0804.

Artigo recebido em 14 de janeiro de 1997. Artigo aceito em 22 de julho de 1997.

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