Ano: 1997 Vol. 63 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (2º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 429 a 433
COMPARAÇÃO ENTRE OS ACHADOS DA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA E OS ACHADOS CIRÚRGICOS NA OTITE MÉDIA CRÔNICA COLESTEATOMATOSA.
Comparison Between the Findings of the Computed Tomography and the Surgical Findings in the Chronic Cholesteatomatous Otitis Media.
Autor(es):
Nelson Álvares Cruz Filho*
Nelson Álvares Cruz**
Marcelo Campilongo***
José Evandro P. de Aquino****
Palavras-chave: tomografia computadorizada, osso temporal, colesteatoma
Keywords: computed tomography, temporal bane, cholesteatoma
Resumo:
Foram comparados os achados da tomografia computadorizada (CT) com os achados cirúrgicos em 30 casos de otite média crônica colesteatomatosa, com o objetivo de avaliar a sensibilidade desse exame radiológico. Em 94,73% dos casos, houve coincidência dos achados. Entre as estruturas analisadas, as menores coincidências ocorreram na parede externa do ático (86,6%), na bigorna (80%) e no estribo, cuja imagem geralmente não foi notada. Concluiu-se: 1) A CT é exame preciso para avaliar a extensão do colesteatoma. 2) A possibilidade de falha na avaliação da imagem da parede externa do ático pode ser compensada pela observação dessa estrutura ao exame com otoscópio ou microscópio otológico. 3) Pequenas erosões da bigorna, principalmente do ramo longo, podem não ser detectadas pela CT. Em 20% dos casos, erosões do ramo longo não foram reveladas.
Abstract:
The findings of the computed tomography (CT) and the surgical findings were compared in thirty cases of chronic cholesteatomatous otitis media, with the objective- of evaluating the sensitivity of this radiological exam. There was coincidence in findings in 94,73% of the cases. Among the structures, the smallest coincidences ocurred in the incutum (86,6%), in the incus (80%) and in the stapes, whose image, generally, was not realized. It follows: 1) The CT is a precise exam to evaluate the extension of the cholesteatoma. 2) The possibility of fail in the evaluation of the scutum image may be compensated by the observation of this structure in an exam-using an otologic otoscope or microscope. 3) SITIA incus erosion, especially of the long process may be not detected by CT. In 20% of the cases, long process erosion were not revealed.
INTRODUÇÃO
O diagnóstico da otite média crônica colesteatomatosa é feito pela anamnese e pelo exame clínico, com otoscópio ou microscópio otológico. Entretanto, para melhor avaliação dos casos combribuem outros exames, como audiometria tonal, discriminação vocal e exame radiológico dos ossos temporais.
Com o decorrer do tempo, houve evolução no diagnóstico por imagem; e, nos últimos 17 anos, a tomografia computadorizada mostrou ser bom método coadjuvante no diagnóstico das afecções do osso temporal1. Esse exame auxilia-nos, informando sobre o porte e a extensão do colesteatoma.
O objetivo deste estudo é comparar os achados da tomografia computadorizada (CT) com os achados cirúrgicos, na otite média crônica colesteatomatosa (OMCC), para avaliar a sensibilidade desse exame radiológico.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram estudados 30 pacientes de ambos os sexos, com idades variando entre oito e 59 anos, com diagnóstico de OMCC feito pela anamnese e pelo exame otológico com otoscópio ou microscópio. Em todos, fizemos exame otorrinolaringológico completo. Audiometria tonal e discriminação vocal foram obtidas sempre.
Nenhum dos casos foi de colesteatoma congênito. Todos os pacientes foram submetidos a CT dos ossos temporais, em cortes axiais e coronais. Os exames foram realizados em três tipos de aparelho:
1 - General Electric HI-SPEED (helicoidal), com cortes de 1 mm de espessura e 1 rum de deslocamento.
2 - General Electric 9.800 Quick, com cortes de 1,5 mm de espessura e 1 mm de deslocamento.
3 - General Electric Max 640, com cortes de 2 mm de espessura e 2 mm de deslocamento.
Excluímos do nosso levantamento pacientes com cirurgia prévia no ouvido estudado.
As 30 cirurgias foram consecutivas e realizadas por técnicas aberta e fechada.
Na CT, procuramos observar a destruição óssea determinada pelo colesteatoma e a presença de material de consistência de partes moles do ouvido médio (Figura 1). Avaliamos: 1 - Esporão (porção inferior da parede externa do ático). 2 - Alargamento do aditus ad antrum. 3 - Destruição parcial ou total da cadeia- ossicular. 4 - Imagem arredondada no antro, aumentando-o e tornando suas paredes lisas (Figura 2).
Figura 1. Corte coronal, mostrando erosão do esporão, destruição parcial da cadeia ossicular e material de consistência de partes moles no ático, à esquerda.
Figura 2. Corte coronal: antro com paredes lisas e preenchido por material de consistência de partes moles, à esquerda.
Comparamos os achados da CT com achados cirúrgicos. Para comparar esses achados, separamos as regiões e estruturas do ouvido médio e analisamos cada uma delas separadamente, buscando informações sobre: pneumatização da mastóide, antro, aditus ad antrum, tegmen anui, tegmen tympani, ático, esporão, mesotímpano, hipotímpano, martelo, bigorna, estribo, canal do facial, canais semicirculares e parede óssea que recobre o seio sigmóide.
RESULTADOS
Mastóide ebúrnea foi observada na CT em 83,3% dos casos (25 em 30) e diplóica em 16,7% dos casos (cinco em 30). Em dois casos, havia fístula na cortical da mastõide identificada nesse exame e confirmada na cirurgia.
Em dois casos, a CT indicou destruição do tegmen tympani, e, em um, do tegmen antri, não verificada na cirurgia.
O esporão apareceu ligeiramente encurtado em dois casos, sendo que a cirurgia nada revelou de anormal com relação a essa estrutura. Por outro lado, em dois outros a CT mostrou parede externa do ático normal e, durante a cirurgia, observamos que elas apresentavam erosão. Nos 26 restantes, houve coincidência dos achados.
Com relação a cada ossículo, verificamos na CT que, em 76,6% dos casos, a bigorna estava comprometida (parcialmente destruída em 46,6% e ausente em 30%), enquanto que, à cirurgia, observamos comprometimento dessa estrutura em 80% dos casos (parcialmente destruída, em 53,3%, e ausente, em 26,6%); no que diz respeito ao martelo, os achados tomográficos mostraram comprometimento desse ossículo em 60% dos casos (parcial, em 36,6%, e total, em 23,3%), enquanto que, à cirurgia, observamos alterações desse em 56,6% dos casos (parcialmente destruído, em 33,3%, e ausente, em 23,3%) (Tabela I).
No concernente ao canal do facial, nos dois casos em que não houve coincidência de achados, a CT não mostrava anormalidade dessa estrutura, porém detectamos erosão do canal no segmento timpânico como achado operatório.
Em quatro pacientes, a CT mostrou fístula labiríntica (três no canal semicircular lateral e um nos canais semi-circulares lateral e superior), sendo confirmada pela cirurgia nesse último e em mais um dos outros três (Figuras 3, 4 e 5).
Em três casos, apareceu, à CT, destruição da parede óssea que recobria o seio sigmóide, corroborada pela cirurgia em dois deles.
DISCUSSÃO
Com o decorrer do tempo, houve evolução no diagnóstico radiológico dos ossos temporais. No passado, contribuíram para o diagnóstico das otites médias crônicas, as radiografias simples e as tomografias linear e multidirecional, exames estes utilizados ainda hoje. Nos últimos 17 anos, a CT tem auxiliado na investigação de detalhes do osso temporal', embora sua aplicação em afecções do ouvido médio, no nosso meio, seja mais recente. A cada nova geração de aparelhos, as imagens têm melhor definição.
A finalidade da CT na OMCC é, fundamentalmente, informar a extensão do colesteatoma, o estado da cadeia ossicular, a pneumatização da mastóide, a integridade do tegmen e da parede óssea que recobre o seio sigmóide, a presença de fístulas labirínticas e o comprometimento do canal de Fallopio.
Diante de complicação da otite média crônica, impõe-se a realização de CT2.
Há otologistas que prescindem desse e de outros exames radiológicos, por considerarem que os dados obtidos através deles serão fornecidos na cirurgia. Contudo, a CT fornece informações adicionais, permitindo melhor planejamento da intervenção.
A pneumatização da mastóide é fator que deve ser levado em conta na escolha da técnica (aberta ou fechada) e que poderá ser avaliado pela imagem tomografica. No material em questão, foram observados casos de fístula labiríntica e erosão da parede óssea que recobre o seio sigmóide, entre outras alterações. Em um caso, o colesteatoma invadiu o labirinto e aproximou-se do conduto auditivo interno. O conhecimento prévio dessas alterações permitiu que o trabalho fosse realizado com maior cuidado e segurança nessas regiões.
Vários autores têm assinalado a superioridade da tomografia computadorizada, em comparação com a multidirecional, no diagnóstico das otites médias crônicas2, 3, 4, 5, 6, 7. As principais vantagens da primeira, em relação à segunda, são: dar boa resolução de contraste no tecido mole, propiciar boa observação de detalhes anatômicos do osso temporal e possibilitar que a pessoa receba menor dose de radiação5, 7.
Uma das vantagens da CT é detectar tecido mole4; no entanto, não é possível estabelecer através dela o diagnóstico diferencial entre colesteatoma, tecido de granulação, granuloma de colesterol8 e efusão no ouvido médio9.
Figura 3. Corte axial, onde se observa fístula do canal semicircular lateral, à esquerda.
Figura 4. Corte axial: material de consistência de partes moles na mastóide, destruição do canal semicircular lateral, quase atingindo o conduto auditivo interno, à esquerda.
Figura 5. Corte coronal: destruição da cadeia ossicular e fístulas dos canais semicirculares lateral e superior.
Para Jackler e cols.5, o sinal mais importante indicativo de colesteatoma, nesse exame, é a imagem de erosão óssea associada a tecido mole no ouvido médio, observado em 78,6% de 18 casos. O'Donoghue e cols.2 observaram, em 32 casos de colesteatoma, pelo mesmo exame, erosão do esporão e material de consistência de partes moles no ático, em 85% deles. No material utilizado neste trabalho, erosão da parede externa do ático, em conjunto com imagem de tecido mole nessa região, ocorreu em 80% dos casos.
A ausência de tecido mole anormal no ouvido médio exclui a possibilidade de colesteatoma5.
Segundo a literatura consultada, obtém-se diagnóstico correto pela CT em cerca de 88%2 a 94%8 dos casos de otite média crônica. Neste estudo, o índice de acerto desse exame foi de 94,73%.
Deve-se estar atento à possibilidade de falsa imagem de erosão óssea, quando analisamos estruturas e paredes ósseas finas, tais como canal do facial, tegmen, canal semicircular lateral. Esse conjunto pode ocorrer quando existem materiais da mesma densidade separados por fina camada óssea, pois, como são feitos cortes de 1,0 ou 1,5 mm, o computador pode interpretar esses dois materiais como sendo um único, não identificando a parede óssea entre eles e dando a falsa impressão de erosão2, 5. É o que ocorre, por exemplo, quando existe colesteatoma ou tecido de granulação em contato com o canal do facial, pois o nervo tem a mesma densidade do colesteatoma ou do tecido de granulação e a imagem da parede do canal poderá ser detectada pelo computador.
Em três de nossos casos, a CT mostrou destruição do tegmen (duas vezes no tegmen tympani e urna vez no tegmen antri), não observada durante a cirurgia. Em um caso, havia suspeita de falha na parede que recobria o seio sigmóide, não confirmada no ato cirúrgico. Dos quatro pacientes com suspeita tomográfica de fístula labiríntica, em dois deles não houve confirmação cirúrgica desse achado. Como nesses pacientes havia tecido mole junto a essas estruturas, acreditamos que a falsa imagem de erosão seja explicada pelo exposto acima.
Para diminuir a possibilidade de erro, quando se investiga fístula do canal semicircular lateral, recomenda-se contar com cortes nos planos coronal e axial, sendo este último mais apropriado para essa finalidade, por apanhar maior extensão do canal5.
É interessante mencionar que, em dois pacientes, sem imagens suspeitas de erosão do canal do facial, encontramos deiscência no segmento timpânico. Provavelmente, os cortes não tenham atingido essas áreas de modo correto.
Em 13,4% dos pacientes estudados, a CT não definiu com precisão a porção inferior da parede externa do ático. E não encontramos referência a esse dado nos trabalhos consultados.
Com relação à cadeia ossicular, o martelo é o ossículo melhor identificado pela CT. De acordo com a literatura consultada, a avaliação correta dele pode ser feita em cerca de 90,4%8 a 98% dos casos2. Em 93,3% dos nossos casos, estimamos com precisão o estado desse ossículo. No concernente à bigorna, é mais fácil avaliar o corpo e o ramo curto; a possibilidade de falha é maior quando analisamos o ramo longo. O'Donoghue e cols.2 relataram que erosão do ramo longo da bigorna não foi detectada pela CT, mas apenas nas cirurgias, em 23% dos pacientes. Em nossa casuística, observamos o mesmo em 20%. Alguns autores citam que a imagem do estribo geralmente não é bem notada2, 5, 8, o que verificamos também em nossos achados.
Para finalizar, lembramos que alguns autores utilizam a CT para acompanhar a recidiva do colesteatoma na técnica fechada. Lufkin e cols.3 julgam que a capacidade da CT em analisar com eficiência o estado do ouvido médio, afastando a possibilidade de colesteatoma, pode eliminar a necessidade da segunda operação, em casos selecionados. Voorhees e cols.10 consideram que a ausência de imagem de tecido mole no ouvido médio, na CT, no pós-operatório, indica inexistência provável de colesteatoma de certo porte. Deguine9 solicitou esse exame em 32 pacientes que seriam submetidos a cirurgia de revisão (second look). Encontrou-se colesteatoma em nove deles, porém, em três destes a CT afastava a possibilidade de recidiva. Esses três casos eram de pérolas de colesteatoma de 1 a 2 mm de diâmetro.
CONCLUSÕES
A CT é exame preciso para avaliar a extensão do colesteatoma. Em 94,73% dos nossos casos, houve coincidência entre os achados desse exame e os da cirurgia.
A possibilidade de falha na avaliação da imagem da parede externa do ático pode ser compensada pela observação dessa estrutura ao exame com otoscópio ou microscópio otológico.
Pequenas erosões da bigorna, principalmente do ramo longo, podem não ser detectadas pela CT. Em 20% dos nossos casos, erosões do ramo longo não foram identificadas.
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* Professor Nível III de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC Doutor em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Professor Titular de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina (aposentado) e da Faculdade de Medicina do ABC.
*** Assistente Voluntário de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.
**** Doutor em Otorrinolaringologia pela Escola Paulista de Medicina.
Artigo recebido em 26 de setembro de 1996. Artigo aceito em 13 de março de 1997.