Ano: 1997 Vol. 63 Ed. 2 - Março - Abril - (10º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 166 a 171
HEMANGIOMA DO SACO LACRIMAL - ABORDAGEM CIRÚRGICA POR VIA ENDONASAL - RELATO DE CASO.
Endonasal Surge of Hemangioma of the Lacrimal Sac - Case Report.
Autor(es):
Edmir Américo Lourenço*
Clemente Isnard Ribeiro deAlmeida**
Luís Henrique Chechinato Costa***
Clóvis Antonio Lopes Pinto****
Simone Adad Araújo*****
Palavras-chave: hemangioma, saco lacrimal, dacriocistorrinostornia endonasal
Keywords: hemangioma, lacrimal sac, endonasal dacryocystorhinostomy
Resumo:
Para o diagnóstico dos tumores do saco lacrimal é necessária perspicácia do examinador em incluí-los entre as hipóteses diagnósticas de paciente portador de epífora por obstrução de vias lacrimais. O prognóstico dos tumores malignos do saco lacrimal é seguramente comprometido nos casos de diagnóstico tardio. Os autores relatam paciente portador de raro caso de hemangioma cavernoso do saco lacrimal à esquerda, tumor benigno com manifestação clínica de epífora ipsilateral crônica. Descrevem as avaliações clínica e radiológica, o tratamento cirúrgico e os achados anátomo-patológicos, finalizando com ampla revisão da literatura sobre este tema.
Abstract:
To diagnose a tumor of the lacrimal sac it is necessary, from the examinator, discernment in including this kind of pathology among the diagnostic hypotllesis in a patient with symptom of chronic ipsilateral epiphora due to nasolacrimal pathways obstruction. The prognosis of malign tumor of the lacrimal sac is severely compromissed in the cases of late diagnosis. The authors report a patient with a left lacrimal sac's cavernoss hemangioma, with symptom of chronic ipsilateral epiphora. They describe the clinical and radiological evaluations, the surgical treatment and the hystopathological achieves, ending the exposition with a literature revision about this theme.
INTRODUÇÃO
Os tumores benignos e malignos do saco lacrimal são doenças raras, podendo passar despercebidos facilmente durante tempo precioso para o prognóstico caso1. As neoplasias são, em sua maioria, primárias e de origem epitelial, como os adenomas, papilomas e carcinomas, sendo estes últimos os mais comuns2. Os de origem mesenquimal, como os fibromas, mangiomas e neurofibromas são ainda mais raros. Os menos comuns são os linfomas e melanomas. Os tumores malignos do saco lacrimal podem dar origem metástases, que envolvem tecidos adjacentes, como pálpebras, nariz, seios da face é órbita.
Metástases de carcinoma confinadas ao saco lacrimal são extremamente raras, contudo neoplasias originadas nos seios maxilares, nas células etmoidais, mucosa nasal ou na mucosa conjuntival podem, por contigüidade, estender-se para o saco lacrimal1, 2.
Há que se lembrar que a epífora deve ser diferenciada de hiperlacrimejamento, uma vez que a primeira corresponde à obstrução das vias lacrimais excretoras (98% dos casos), enquanto o hiperlacrimejamento refere-se a alterações do sistema lacrimal excretor (2% dos casos). Deve-se enfatizar da que cerca de 25% das tumorações do saco lacrimal são pseudo-tumores de origem inflamatória, o e pode falsear o diagnóstico1.
A cirurgia realizada para o tratamento de tumores do saco lacrimal é a dacriocistorrinostomia, de forma similar à utilizada no tratamento das dacriocistites crônicas, contudo tendo aqui por objetivo a extirpação do tumor e a criação de uma comunicação artificial entre o saco lacrimal e a mucosa nasal3.
Neste artigo os autores relatam um caso de hemangioma cavernoso de saco lacrimal, discutem a técnica cirúrgica e revisam a literatura sobre o assunto.
Os hemangiomas cavernosos ocorrem mais freqüentemente da segunda à quarta década de vida, ocasionalmente se tornando clinicamente evidentes na década seguinte. Diferem dos hemangiomas capilares por apresentarem um crescimento lentamente progressivo, sem tendência à regressão espontânea; e, sua maioria, necessitarem de tratamento cirúrgico. Não há transformação maligna. As lesões superficiais freqüentemente azuladas e escurecidas e as mais profundas podem nem mesmo apresentar alterações de ração da pele circundante4.
(FIGURA 1, PÁG. 167)
Figura 1. Desenho esquemático unilateral de vias lacrimais.
Anatomia e histologia das vias lacrimais
O sistema de drenagem lacrimal tem início nos pontos lacrimais, superior e inferior, com cerca de 0,3 milímetros de diâmetro cada um, localizados no ápice das papilas ou carúnculas e paredes rígidas suficientes para produzir atração capilar5.
O sistema continua com os canalículos superior e inferior, inicialmente com um trajeto vertical (2 mm) e depois horizontal (8 mm), unindo-se em 90% dos casos em um canalículo comum5, para adentrar a parede lateral do saco lacrimal, através do ponto lacrimal interno, localizado a cerca de 3 milímetros do ápice do saco lacrimal (Figura 1).
O saco lacrimal, localizado ao nível da parede ântero-medial da órbita na fossa lacrimal, formada pelo osso lacrimal e o processo frontal da maxila, tem de 12 a 15 milímetros de altura e 5 milímetros de diâmetro, relacionando-se medialmente com o seio etmoidal anterior e meato médio nasal. O epitélio de revestimento do saco lacrimal é estratificado colunar, com células globosas esparsas, podendo o epitélio ser ciliado em algumas áreas. O tecido de sustentação contém linfócitos1, 3.
Em continuidade ao saco lacrimal encontramos o dueto nasolacrimal, que anatomicamente constitui estrutura única, apresentando contudo discreto estreitamento, o istmo5. O dueto nasolacrimal tem 12mm de comprimento e 4 mm de diâmetro e se estende do saco lacrimal ao meato nasal inferior, onde se abre em óstio próprio (Figura 1).
Figura 1 - Desenho esquemático unilateral de vias lacrimais.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, corre 47 anos de idade, apresentou-se com queixa de epífora à esquerda há 3 anos. O teste primário de Jones com fluoresceína foi negativo. As tentativas de cateterização por sonda de silicone e irrigação com solução fisiológica das vias lacrimais não promoveram a passagem do líquido para a fossa nasal ipsilateral. A dacriocistografia bilateral contrastada com Lipiodol Ultrafluido® (éster etílico do óleo de papoula iodado a 48%, fabricado por Guerbet Produtos Radiológicos Ltda.) evidenciou ausência de passagem do contraste pelo sistema canalicular esquerdo e passagem normal pelo lado oposto.
À abordagem cirúrgica por ocasião da abertura do osso lacrimal por microcirurgia endonasal, exteriorizou-se material encapsulado, de aparência cística, ovalada, de 6 x 4 x 3 milímetros, que foi enviado para exame anátomo-patológico sem diagnóstico macroscópico. A sondagem metálica via canalículo inferior facilmente se exteriorizava no interior da fossa nasal.
Submetido ao exame anátomo-patológico, o material foi descrito macroscopicamente como formação sacular, com superfície externa castanho-amarelada, rugosa, com arranjo por vezes abaulado, que uma vez aberto; expunha a cavidade macroscopicamente desprovida de conteúdo, de parede com coloração castanho-clara, estriada em algumas áreas e granulosa em outras, com espessura menor que um milímetro. Microscopicamente, foi evidenciada cavidade revestida por epitélio colunar, com raras estruturas glandulares, em meio à proliferação de estruturas vasculares dilatadas delineadas por camada endotelial delgada e preenchida por hemácias, com estroma intervascular fibrótico e células inflamatórias crônicas esparsas, semelhante à descrição encontrada na literatura4. O diagnóstico histopatológico foi de hemangioma cavernoso de saco lacrimal (Figuras 2, 3, 4 e 5).
Abordagem cirúrgica
A dacriocistorrinostomia por via endonasal é atualmente considerada a melhor via de abordagem para os casos de obstrução inflamatória crônica das vias lacrimais - dacriocistite crônica -, permitindo comunicação entre o saco lacrimal e a mucosa nasal, logo acima e adiante da concha média, e possibilitando também a retirada de tumores do saco lacrimal. É um método que permite uma abordagem mais conservadora do saco, permitindo salvaguardar a dinâmica lacrimal3. O procedimento pode ser realizado sob anestesia local ou geral, por microscopia ou endoscopia rígida. A idade mínima para a realização desta técnica é de três anos;
Figura 2. Corte histológico corado com hematoxilina-eosina, evidenciando a parede do saco lacrimal revestida por epitélio colunar pseudoestratificado íntegro típico. Glândulas em pequena quantidade; e, na parede, discreto infiltrado inflamatório crônico (aumentado 100x).
O paciente é colocado em decúbito dorso-horizontal. O cirurgião deve postar-se senta contralateralmente à fossa nasal a ser opera introduzindo algodão embebido em vasoconstritor tipo fenoxazolina ou oxazolina, que deve ser mantido durante 3 a 5 minutos. A seguir, infiltra-se 3 a 5 ml solução de lidocaína com adrenalina diluída a 1:80.000 no agger nasi, átrio nasal, repto anterior, espinha nasal, vestíbulo, região infra-orbitária e nasociliar.
Os limites anatômicos para a abordagem cirúrgica são:
1- anterior - borda livre da apófise ascendente maxilar;
2- posterior - processo unciforme;
3- superior - inserção da cabeça do corneto médio; e
4- inferior - inserção da cabeça do corneto inferior.
Deve-se identificar, cruzando o campo operatório, à frente da cabeça do corneto médio, uma elevação que corresponde ao bordo posterior da apófise frontal osso maxilar, em sua junção com o osso lacrimal A primeira incisão na mucosa nasal é realiza verticalmente, 1 centímetro à frente da inserção do corneto médio, com cerca de 2 centímetros de comprimento; e duas outras incisões horizontais menores são feitas completando o formato ela letra U. Deve-se descolar o retalho mucoperiosteal até a apófise unciforme e removê-lo.
Figura 3.
Figura 4.
Figura 5.
Figuras 3, 4 e 5. Corte histológico corado com henlatoxilina-cosina, evidenciando a parede do saco lacrimal, com raras estruturas glandulares típicas, em meio à proliferação de estruturas vasculares dilatadas, com paredes delgadas e preenchidas.
A seguir, procede-se ã remoção no sentido póstero-anterior elo bordo posterior da apófise frontal do maxilar, realizada pelo osteótomo ou broca com caneta angulada, tomando-se o cuidado de proteger a broca com sonda plástica para evitar queimaduras no vestíbulo. Obtém-se uma exposição da face ântero-interna cio osso lacrimal. Através ela transiluminação ou por compressão externa, deve-se confirmar a topografia e exposição do saco lacrimal.
Confirma-se o local ele abertura utilizando-se uma sonda de Bowman, abaulando a parcele interna (ou medial) do saco lacrimal, a qual deve ser aberta no ponto ele maior declive e ampliada superiormente, para evitar a formação futura de um divertículo, acautelando-se todavia para evitar lesões na parede externa (ou lateral) do saco. Evitar a eletrocoagulação dos bordos, para evitar fechamento da fístula criada cirurgicamente. Embora discutível o recurso, pode-se passar um catéter fino de silicone de 0,5 mm de diâmetro, via canalículos superior e inferior, exteriorizando-se as duas pontas do mesmo na abertura do saco lacrimal na fossa nasal. Este deve ser mantido durante um período mínimo ele 30 dias. Alguns autores evitam esta cateterização, para evitar eventual lesão e estenose ao nível de uma válvula existente na transição entre os canalículos superior/ inferior e o comum. No transoperatório podem ser associadas turbinectomia parcial média, septoplastia e/ou polipectomia, quando necessárias.
Proceder ao tamponamento nasal leve, se necessário, por vinte e quatro horas, não devendo ser usado curativo ocular. No transoperatório deve-se proceder à antibioticoterapia com cefalotina e manter cefalexina oral no pós-operatório.
Após 2 a 3 dias, realizar o primeiro curativo, removendo os coágulos, crostas, fibrina e tecidos neoformados na fossa nasal, para prevenir a estenose da ferida cirúrgica.
O êxito da cirurgia endoscópica depende da boa visualização da área do saco lacrimal, identificação das regiões anatómicas que delimitam a localização do saco lacrimal e a habilidade de remover o osso sobre o saco lacrimal6.
As complicações descritas do procedimento são estenose canalicular, fechamento da rinostomia e fratura - inadvertida do espaço intracraniano, com conseqüente fístula liquórica, todas elas felizmente incomuns7.
DISCUSSÃO
Os tumores do saco lacrimal têm na epífora seu principal sinal clínico, indicativo de obstrução parcial ou total das vias lacrimais e que é comum aos processos inflamatórios das vias lacrimais ou dacriocistites. O quadro evolui com o crescimento do tumor, podendo tornar-se algumas vezes visível externamente. Freqüentemente o tumor é diagnosticado somente durante a tentativa cirúrgica de aliviar esta condição pseudo-inflamatória1.
As principais causas de epífora são:
1. patologias infecciosas;
2. traumáticas, decorrentes de fraturas maxilo-faciais;
3. iatrogênicas, em pós-operatórios;
4. causas congênitas, como atresia ou malformação de vias lacrimais; e
5. outras, como fibrose pós-radioterapia ou corpos estranhos obstruindo a via3.
Os tumores do saco lacrimal devem ser preferencialmente classificados conforme sua origem ou linhagem. Os mais freqüentes são os de origem epitelial; e, destes, o adenoma pleomórfico é o mais comum, seguido dos carcinomas e papilomas, sendo que o melanoma é extremamente raro. Entre os tumores raros primários do saco lacrimal encontramos ainda os tumores mesenquimais, como os fibromas, hemangiomas e neurofibromas. Os linfomas do saco lacrimal estão comumente associados com leucemias1.
A idade dos pacientes com um tumor do saco lacrimal varia conforme o tipo histológico, sendo que os papilomas são observados em indivíduos mais jovens, enquanto os carcinomas têm sua incidência maior na faixa etária entre 40 e 75 anos1.
Ao realizar o ato cirúrgico de abertura do saco lacrimal, freqüentemente o cirurgião é surpreendido ao deparar-se com lesões tumorais até então inaparentes, mesmo à investigação radiológica contrastada.
Lesões polipóides do saco lacrimal, como por exemplo s papilomas, têm um crescimento lento e freqüentemente os sintomas obstrutivos são semelhantes aos de uma daacriocistite crônica. Os papilomas possuem uma tendência à transformação maligna e conseqüentemente estes pseudo-pólipos devem ser removidos cirurgicamente. A presença de hemorragia associada com dor sugere fortemente neoplasia maligna1, 2.
O maior problema reside no fato de que o quadro clínico inicial é idêntico para os processos inflamatórios inespecíficos, tumores benignos e tumores malignos sendo que o diagnóstico correto, precoce, e um acompanhamento cuidadoso devem ser realizados.
Toda epífora secundária a uma patologia do saco lacrimal e/ou do dueto nasolacrimal resistente a um tratamento médico bem conduzido pode ser indicações de dacriocistorrinostomia3.
A via que deve ser utilizada para abordagem saco lacrimal deve ser a endonasal, pelo número superior de vantagens sobre a via externa. Dentre as vantagens da via endonasal podemos destacar:
1. ausência de incisão externa e conseqüente cicatriz na face;
2. ausência de lesão de vasos angulares, o que pode ocasionar desagradáveis hemorragias nasais trans pós-operatórias, relativamente freqüentes pela via externa, o que exige muitas vezes até mesmo tamponamento nasal ou revisão cirúrgica par hemostasia;
3. ausência de mobilização completa do saco lacrima o que poderia interferir no funcionamento de se sistema de bombeamento;
4. pequena destruição óssea;
5. boa visualização da parede lateral da cavidade nasal o que se constitui em sua maior vantagem. O objetivo da cirurgia é criar fístula cirúrgica, cuja extremidade distal deve sempre ser a parede lateral da cavidade nasal, através da abertura da face medial do saco lacrimal e não de sua face lateral, a qual obrigatoriamente aberta na abordagem pela via externa 6. ausência de limitação de resultado na presença do alterações anátomo-fisiológicas nasossinusais, uma vez que estas, já previamente equacionadas, podem se abordadas de imediato durante a cirurgia; e
7. permite respeitar de maneira fisiológica a dinâmica lacrimal3.
CONCLUSÃO
O diagnóstico precoce dos tumores do saco lacrima é difícil, em virtude da semelhança dos achados clínico e mesmo radiológicos à dacriocistografia com a dacriocistites crônicas. Nos casos malignos, este fatos muitas vezes compromete o prognóstico.
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* Professor Auxiliar da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, São Paulo, Brasil.
** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, São Paulo, Brasil.
*** Médico Estagiário de 2° ano da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, São Paulo, Brasil.
**** Professor Voluntário da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, São Paulo, Brasil.
***** Médica ex-residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, São Paulo, Brasil.
Instituição: Faculdade de Medicina de Jundiaí- S/P - Rua Francisco Telles, 250- Bairro Vila Arens, Jundiaí- São Paulo, Brasil. Telefone: (01 1) 7397-1095 - Fax :(01 1)7397-198 CEP: 13.202-550. Endereço do autor: Rua do Retiro, 424 - 5° andar, cjt°. 53/54 - Jundiaí / SP - Telefones: (011) 434-1697 e 434-3 18 I - CEP: 13.209-000.
Artigo recebido em 13 de junho de 1996. Artigo aceito em 19 de julho de 1996.