Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 134 a 137

 

DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO DAS FARINGITES. FARINGITE ALÉRGICA. REALIDADE CLÍNICA?

Etiologic Diagnosis of pharyngitis. Allergic Pharyngitis. Clinical Reality?

Autor(es): Sulene Pirana*
Ana Paula Fonseca de Mello**
Adriana Rosa Lovisotto**
João Ferreira de Mello Júnior***

Palavras-chave: Diagnóstico, faringite, alergia e imunologia

Keywords: Diagnosis, pharyngitis, allergy and immunology

Resumo:
O diagnóstico etiológico das faringites, com exceção das infecciosas, é pouco realizado. O diagnóstico clínico genérico dos sintomas faríngeos crônicos é de faringite crônica ou alérgica. Neste estudo, foram avaliados 17 indivíduos com queixas faríngeas e em apenas 2 o diagnóstico de alergia foi confirmado através da positividade de testes cutâneos. Em 7 pacientes, os sintomas deviam-se refluxo gastro-esofágico e em 6 o diagnóstico etiológico não foi obtido. Concluímos que o fator alérgico pode estar presente, mas não sem a presença de rinite.

Abstract:
The etiologic diagnosis of non infectious pharyngeal symptoms are very difficult. The clinical diagnoses allergic or chronic phatyngitis is frequent. In this report we evaluated 17 patients with pharyngeal complains and only two had positive allergic tests. Seven had gastroesophageal reflux and in six the diagnosis was not made. We concluded that the allergic factor can be present, but not without nasal symptoms.

INTRODUÇÃO

Entre as queixas mais freqüentes na clínica otorrinolaringológica estão aquelas relacionadas à faringite. indivíduos referem irritação, prurido, sensação de catarro, ardor, sensação de "bolo" na garganta etc. À seção da orofaringe, poucas alterações específicas são encontradas, no máximo hipertrofia dos folículos linfóides, diagnóstico clínico genérico é de faringite crônica ou alérgica. O diagnóstico, excetuando-se as causas infeciosas; é pouco realizado.

Assim como o diagnóstico etiológico, o tratamento é realizado empiricamente e nem sempre com bons resultados. É muito freqüente o paciente procurar vários médicos na tentativa de encontrar alívio para sua sintomatologia.

Realizamos este trabalho com o objetivo de avaliar prospectivamente pacientes diagnosticados como portadores de faringite crônica ou alérgica para verificar a incidência de alergia, pois após extensa revisão da literatura não foi encontrada nenhuma referência à entidade agite alérgica.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram encaminhados ao Grupo de Alergia cio Ambulatório Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 17 pacientes com diagnóstico clínico de faringite crônica e/ou alérgica, tendo sido submetidos à anamnese, exame clínico otorrinolaringológico, citológico nasal para pesquisa de eosinófilos, testes cutâneos de hipersensibilidade imediata para inalantes, hemograma, protoparasitológico fezes (PPF), dosagem de imunoglobulina E, Raio X simples de seios da face e fibrolaringoscopia.

RESULTADOS

Dos 17 pacientes avaliados, 4 (23,53%) eram do sexo masculino e 13 (76,47%) do sexo feminino. A idade variou de 20 a 62, anos com a média de 39 anos. Os principais achados estão relacionados no Quadro 1.

As queixas referidas pelos pacientes foram: prurido, 7 (41,17%); catarro, 6 (35,29%); dor, 3 (17,65%); ardor, 3; irritação, 3; "bolo na garganta", 2 (11,76%); ressecamento, 2; e tosse seca, 2. O início dos sintomas variou de 8 meses a 12 anos.

Solicitou-se ao paciente que quantificasse sua sintomatologia faríngea em escala de 0 a +++, sendo que 9 (52,94%) referiram +++, e 8, (47,06%) ++. Todos informaram que os sintomas eram perenes.

Seis pacientes não apresentavam sintomas nasais, 7 referiram prurido nasal e/ou espirros; 6, obstrução nasal; 2, coriza; e 8, secreção retronasal.

Dezesseis (94,11%) pacientes não- apresentavam patologias alérgicas associadas, e apenas 1 referiu reação do tipo urticariforcne após contato com casca de feijão. Apenas 2 eram tabagistas. Um (5,88%) era de área rural e 2 moravam em casa de madeira. Quanto a doenças sistêmicas, 2 apresentavam hipertensão arterial e faziam uso de clortiazida.

À rinoscopia anterior, 3 apresentavam hiperemia da mucosa nasal; 3, palidez; 3, discreto edema de cornetos inferiores; e 11 (64,70%), aspecto normal das fossas nasais.

A análise do Raio X simples de seios da face revelou apenas 2 pacientes com espessamento mucoso dos seios maxilares; nos demais este exame foi normal.

Apenas 4 mostraram presença de eosinófilos ao citológico nasal: destes, 2 referiam prurido nasal. Ao teste cutâneo, 1 paciente apresentou positividade maior que em relação à histamina para pelo de gato (Dermatophagoides pteronyssinus e Dermatophagoides farinae) e 1 para Dermatophagoides pteronyssinus e Dermatophagoides farinae, com presença de eosinófilos no citológico nasal. Destes 2 pacientes, apenas o último apresentava sintomas nasais compatíveis com alergia.

Ao leucograma, em 3 pacientes foi encontrada eosinofilia, sendo 2 portadores de verminose, como constatado pelo PPF. A IgE total estava aumentada em 3 pacientes, sendo que todos apresentavam ovos de Schistossoma ao PPF.

PPF: 6 pacientes com exame normal, 3 com ovos de Schistossoma mansoni, 5 com Endolinax nana (colonizante), 4 com Entamoeba coli (colonizante), 1 ancilostomídeo, 1 Himenoleps nana e 1 Enterobius vermicularis.

O exame de fibrolaringoscopia foi realizado em 16 pacientes. Os 7 (43,75%) que apresentaram sinais sugestivos de refluxo gastroesofágico (RGE), como hiperemia de aritenóides, hiperemia de face laríngea de epiglote e de porção posterior de banda ventricular e edema de supraglote, foram tratados com ranitidina e cisaprida por 30 dias, sendo que 4 (57,14%) referiram desaparecimento dos sintomas faríngeos.

DISCUSSÃO

À exceção filas faringites infecciosas, o diagnóstico etiológico das faringites é pouco realizado, e freqüentemente lhe é atribuída a etiologia alérgica. Em revisão de literatura, encontramos a descrição de um caso de faringite alérgica ocupacional, em uma dentista, sendo este conseqüência de reação do tipo IV a acrílicos1.

Neste estudo, dos 17 pacientes, apenas 2 apresentavam testes cutâneos positivos, e 1 destes com sintomalogia nasal associada.


Quadro 1. Achados clínicos e de exame. RGE: refluxo gastroesofágico; SRN: sensação de ressecamento nasal: +, ++, +++ intensidade do sinal ou sintoma. No citológico nasal a positividade refere-se à presença de eosinófilos.


Nas reações alérgicas do tipo I, temos a liberação de inúmeros mediadores químicos, entre eles a bradicinina, embora esta não seja específica o quadro alérgico, sendo também liberada em outros processos inflamatórios. Em trabalhos realizados por Rees et. col.2, a provocação nasal com bradicínína foi capaz de gerar irritação faríngea nos pacientes, assim como o foi a provocação orofaríngea. Este fato explica a irritação faríngea relatada pelos pacientes portadores de rinites inflamatórias, dentre elas a alérgica.

Por outro lado, não existe na literatura descrição de faringite alérgica. A faringite, aparece em associação ao quadro de rinite, e por provável relação com a liberação de mediadores nasais e estimulação de nervos sensitivos a nasofaringe.

A análise dos resultados deste estudo mostra que além destes dois pacientes alérgicos, 7 apresentavam sinais de refluxo gastroesofãgico, que justifica a sintomatologia. Alguns autores3, 4 demonstraram que o RGE era causa importante de sintomas faríngeos-laríngeos nespecíficos.

Em 6 pacientes, não foi possível encontrar a etiologia. Nenhum paciente apresentava os sintomas como resultado de rinorréia posterior causada por sinusite. Outros fatores causais seriam trauma, iatrogenia, exposição ocupacional tóxicos, exposição ao fumo1. Alguns pacientes podem ter seus sintomas atribuídos a alteração funcional, porém este deve ser diagnóstico de exclusão.

Observamos predomínio de mulheres em nosso estudo, sem encontrar explicação para tal fato.

O tratamento de sintomas subjetivos cujos achados clínicos são quase inexistentes é muito difícil, o que gera grande insatisfação aos pacientes e frustração para os médicos, e parece ser o caso cios sintomas faríngeos.

No caso das laringites não infecciosas, vários tratamentos têm sido propostos empiricamente, como o uso ele anti-histamínicos, auto-vacina, antiinflamatórios não hormonais, corticosteróides, cauterização com ácidos e até terapia psicológica. A ausência de diagnóstico etiológico preciso não permite padronização terapêutica e seguimento que permita julgar a eficácia ou não dos tratamentos propostos.

Em resumo, a etiologia da faringite merece muita atenção para que seu tratamento tenha sucesso. O fator alérgico (reação tipo I) pode estar associado, mas não sem a presença de rinite. Nos casos em que não existe nenhuma sintomatologia nasal, vemos que o refluxo gastroesofágico tem papel relevante na sua gênese.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- KANERVA, L.; ESTLANDER, T.; JOLANKI, R.; PEKKARIMEN, E. - Occupational pharyngitis associated wiyh allergic patcl test reactions from acylics. Allergy, 47 571-3,1992.
2- REES, G.L.; EMES, R. - Sore Throat Following Nasal an Oropharyngeal Bradykinin Challenge. Acta Ototaryngot. (Stockh), 114: 311-4, 1994.
3-WARD, P.H.; BERCI, G. - Observations on the pathogenesi of chronic non-specific pharyngitis and laryngitis. Laryngoscope, 92: 1377-82, 1982.
4- HANSON, D.G.; KAMEL, P.L.; KAHI2ILAS, P.J. - Outcomes of antireflux therapy for the treatment of chronic laryngitis. Ann. Otol. Rbinol. Laryngol. 104: 550-5, 1995.




*Pós-Graduanda da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo / SP.
**Acadêmicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo / SP.
*** Pós-Graduando e Assistente da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo / SP.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas e LIM-32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo/ SP, Serviço Professor Aroldo Miniti.

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6° andar - sala 6002. CEP-05403 - São Paulo/ SP - Brasil.

Artigo recebido em 26 de junho de 1996. Artigo aceito em 19 de julho de 1996.

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