Versão Inglês

Ano:  1997  Vol. 63   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 33 a 37

 

ALTERAÇÕES PERCEPTUAIS DO ZUMBIDO CONSTANTE COM MOVIMENTOS OCULARES.

Perceptual Changes of Continuous Tinnitus with Eyes Movements.

Autor(es): Mônica de Cillo Martins*
Maria Inez Campos**

Palavras-chave: Mônica de Cillo Martins* Maria Inez Campos**

Keywords: Tinnitus, eyes movements

Resumo:
Este estudo teve com objetivo verificar, em 19 pacientes, a percepção do zumbido constante com a mudança do foco visual para direções previamente estabelecidas no eixo vertical e horizontal. Foram observadas modificações na sensação do zumbido, principalmente em relação à intensidade, com a variação direção do olhar. Essas variações ocorreram em espaço de tempo reduzido, com retorno rápido da sensação original.

Abstract:
The proposal of this study was to check the continous tinnitus perceptions of 19 patients when changing the visual focus to previous established directions in the horizontal and vertical axis. Change was abserved in the tinnitus sensation, mainly regarding its intensity, when changing the visual directions. These variations occurred in a short time and then the original sensation carne back.

INTRODUÇÃO

A queixa de zumbido aparece na história desde os tempos mais remotos e, apesar dos esforços realizados na tentativa de obter dados sobre a sua origem, fisiologia e possíveis tratamentos, pouco se sabe a respeito deste sintoma que afeta grande parte da população, prejudicando a qualidade de vida de muitas pessoas.

Para Axelsson & Ringdalhl (1989)1, o zumbido é desconfortável, tanto para o paciente, como para o clínico. Para o paciente, é difícil aceitar que existem sons no ouvido ou na cabeça, sem haver nenhuma fonte externa. Para o clínico, zumbido é um problema, já que sua condição não é facilmente entendida e existem poucos tratamentos recomendados com sucesso.

Dois obstáculos básicos dificultam o conhecimento sobre zumbido: a falta de modelo animal e a inacessibilidade das estruturas neurais em humanos (Lenarz e cols., 1993)2. Um dos pontos positivos do não conhecimento é liberdade de tentarmos idéias novas, acreditando que cada da possa ser uma contribuição importante na discussão e esclarecimento do assunto.

Este é um trabalho experimental, no qual formulamos um roteiro de avaliação para pacientes com zumbido constante, tendo como principal objetivo observar a percepção do zumbido com execução de movimentos oculares.

MÉTODO

Foram estudados 19 pacientes portadores de zumbido constante, com idade entre 28 e 74 anos, sendo 6 homens e 13 mulheres.

A avaliação constou de: audiometria tonal liminar, índice de discriminação vocal, imitanciometria, caracterização do zumbido, [baseado no procedimento proposto por Vernon e Scheuning (1978)3 e Martins (1991)4], quanto ao tipo (tonal ou ruído), intensidade em NS (nível de sensação), freqüência e localização (unilateral ou bilateral); questionário respondido pelo paciente sobre seu zumbido e observação da sensação do zumbido com a execução de movimentos oculares, com fixação ocular, em direções determinadas.

Para observar as alterações perceptuais do zumbido, estimulamos a mudança do foco do olhar com a luz de pouca intensidade de uma pequena lanterna, movimentada lentamente para várias direções no eixo horizontal [longe (70cm) e perto (15 cm), com o foco do olhar para frente; e direita e esquerda.(21cm) com o foco do olhar para os lados] e no eixo vertical [foco do olhar para cima e para baixo (11 cm)].

O paciente foi orientado para olhar atentamente para a luz e observar o seu zumbido. Evitamos qualquer inferência sobre a possibilidade de alterações na percepção do zumbido; usávamos frases sem efeito controlador do tipo: e aí? Como está? Etc. para solicitar comentários do paciente, quando estes não ocorriam espontaneamente.

A seqüência de apresentação foi variável para evitar que a ordem dos movimentos interferisse nos resultados. Foram utilizadas 3 séries de movimentos, com 5 pontos de referência (frente, em cima, embaixo, direita e esquerda) para a posição longe e 3 séries, com os mesmos 5 pontos de referência, para a posição perto.

A avaliação foi realizada dentro de cabine acústica com pouca claridade (penumbra), sem ruído ambiental e excesso de estimulação visual.

RESULTADOS

Quanto ao quadro audiológico dos 19 pacientes estudados, observamos que apenas 1 paciente apresentava perda auditiva mista, os demais eram portadores de perda auditiva neurossensorial, com perda auditiva variando entre leve, moderada e severa, sendo que 58% das perdas eram de grau leve (Tab. 1 - Fig. 1).

Quanto à caracterização do zumbido, observamos maio ocorrência de zumbidos entre as freqüências agudas de 3 Khz e Khz, sendo a maioria do tipo Tonal, com intensidade entre 05 10 dB NS, variando a localização unilateral ou bilateral.






Figura 1. Quadro audiológico





Caracterização do Zumbido

Considerando as variações da movimentação ocular nos eixos horizontal e vertical, obtivemos os dados expressos na Tab. 2 e Fig. 2.

Com a obsevação da percepção do zumbido com os movimentos oculares, obtivemos os seguintes resultados:

- 570 Movimentos 299 52,46% não modificaram zumbido 271 47,54% modificaram zumbido
- 342 Eixo Horizontal 169 49,4% não modificaram zumbido 173 50,6% modificaram zumbido
- 228 Eixo Vertical 139 61,0% não modificaram zumbido 89 39,0% modificaram zumbido

Com a observação do tipo de alterações na percepção do zumbido, achamos interessante analisar os dados também de acordo com a lateralidade do movimento, ipsi ou contralateral ao lado com zumbido (nos casos de zumbido unilateral) e com zumbido mais intenso (nos casos com zumbido bilateral assimétrico) (Tab. 3 e Fig. 3).

A percepção do zumbido alterou-se em apenas um ouvido nos 04 portadores de zumbido bilateral simétrico, em todas as vezes em que ocorrem. O mesmo não aconteceu com os portadores de zumbido bilateral assimétrico que, de 47 alterações, 20 (42,6°/a) foram referidas em um ouvido e 27 (57,4%) em ambos os ouvidos.



Figura 2: Modificação na percepção do zumbido com movimentos oculares.










Figura 3: Tipo de modificação da sensação do zumbido com movimentos -oculares - lateralidade (%)



Achados Globais

Houve maior alteração na percepção do zumbido com relação à intensidade; outras modificações foram referidas, tais como: ficar pulsátil, modular como uma sirene, acelerar, mais grosso(grave), mais fino (agudo), mais abafado, mais acústico(nítido). Sendo mais freqüente a mudança para pulsátil.

Os movimentos no eixo horizontal modificaram mais a sensação do zumbido, sendo as direções do olhar para longe e para os lados as com maior número de modificações.

A percepção do zumbido diminuiu em maior número de vezes com o olhar para longe e para o lado contralateral ao zumbido (uni) ou zumbido mais intenso (bil ass). Poucas vezes foi referida a diminuição da sensação com movimentos no eixo vertical.

A percepção do zumbido aumentou em maior número de vezes com o olhar para o lado ipsilateral ao zumbido (uni ou bi ass) e para cima. Com o olhar para longe não houve nenhum, vez sensação de aumento da intensidade.

DISCUSSÃO

A sensação de zumbido pode sofrer variação em diversas situações. Muitos indivíduos relatam que o zumbido aumenta o silêncio ou após exposição a ruído intenso, ou pode diminuir em ambiente com barulho; alguns trabalhos descrevem estes fatos (Tyler e Baker, 1983: Almeida e cols., 1992)5, 6.

Todos os pacientes, por nós avaliados, referiram sentir maior desconforto com a sensação de zumbido principalmente no silêncio e quando nervosos.

A relação entre estresse, tensão e cansaço também foi escrita como fatores que alteram a sensação do zumbido ouse, 1984).7

Goodey (1987)8 apresentou trabalho onde o zumbido apresentava modificações com o uso de drogas, álcool e hábitos alimentares.

O aparecimento de zumbido com a movimentação ocular após neurocirurgia com remoção de massa tumoral envolvendo o ângulo ponto-cerebelar com secção do VIII°- par craniano, foi relatado por Wall e cols. (1987)9 e por Caccace e cols. (1994)10. Os quais descrevem que o zumbido evocado com movimentos de fixação ocular (gaze-evoked tinnitus) diferem dos outros tipos de zumbido porque o paciente pode provocar seu aparecimento com a movimentação do olhar.

Segundo Wall e cols. (1987)9, o zumbido evocado pode aparecer devido a mudanças estruturais nas porções auditivo-vestibulares centrais até a junção ponto-cerebelar dorsal. Pode haver interação aberrante entre o núcleo coclear e as áreas ponto-cerebelares importantes para o controle de movimentos sacádicos e vestibulares dos olhos, especificamente em todas as áreas que compõem a integração neural (formação reticular paramediana da ponte, cerebelo, núcleo vestibular e núcleo peri-hipoglosso).

No nosso estudo, apesar do número restrito de pacientes, pudemos constatar alterações importantes na percepção do zumbido com a movimentação ocular, ou seja, mudança do olhar.

A mudança na percepção não foi constante em todas as triagens realizadas no mesmo indivíduo e a ordem de apresentação da direção do estímulo não se mostrou importante, pois as alterações ocorreram em momentos diversos.

A atenção ao movimento ocular (fixar o estímulo), disposição e conforto do paciente mostraram ser fatores que favoreciam alterações na percepção do zumbido.

Apenas um paciente referiu não estar acostumado com seu zumbido bilateral assimétrico; por coincidência (?), foi este paciente que referiu maior número de alterações perceptuais no zumbido, principalmente diminuição da intensidade e duas zes inibição da sensação, após alteração do zumbido para tipo "pulsátil".

Qualquer inferência sobre zumbido torna-se difícil, pois a fisiologia e local de origem são desconhecidos.

Embora não saibamos determinar a procedência, foram observadas modificações momentâneas na sensação do zumbido, que acreditamos ser de grande importância trazer a conhecimento público para estimular maior número de investigações, principalmente sobre as possíveis relações entre as vias auditivovestibulares e as visuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. AXELSSON, A. & RIGDAHL, A. - Tinnitus - A study of its evalence and characteristics. Britisb Journal of Audiology, 23: 53-62, 1989.
2. LENARZ, T; SCHERINER, C; SNYDER, R.L.; ERNST, A. - Neural mechanisms of tinnitus. Oto-Rhino-Laryngology, 30: 1992.
3. VERNON, J. & SCHEUNING, A - Tinnitus: A new Management. e Laringoscope, 85: 413-419, 1978.
4. MARTINS, M. C. - Zumbido: um estudo de suas características ocorrência em uma clínica otorrinolaringológica, São Paulo, 91, 37-40.(Tese de Mestrado - PUC - SP).
5. TYLER, R. & BAKER, L. J. - Difficulties experienced by Tinnitus Sufferes. Journal of Speech and Hearing Disorders, 48: 150-154, 1983.
6. ALMEIDA, C. I. R.; MARTINS, M. C.; DUPRAT, A. C.; ALMEIDA, R. R. - O zumbido em pacientes com queixas otológicas. Rev. Bras. de Otorrinolaringologia, 58(3): 188-197, 1992.
7. HOUSE, P. R. - Personality of the Tinnitus patient. In Shulman, A: - Proceeding of the second International Tinnitus Seminar, New York 1993, Journal of Laryngology and Otology, (suppl. 9): 223, 1984.
8. GOODEY, R. J. - Drug Therapy. In Hazzel, J.H.P. - Tinnitus, Churchill Livingstone, 1987, p. 176-1993.
9. WALL, M.; ROSENBERG, M.; RICHARDSON, D. - Gaze-evoked tinnitus. Neurology, 37: 1034-1036, 1987.
10. CACCACE, A.; LOVELY, T. J.; WINTER, D. F.; PARNERS, S. M; MCFARLAND, D. J. - Auditory Perceptual and Visual-Spatial Characteristics of Gaze-Evoked Tinnitus. Audiology, 33: 291303, 1994.




* Mestre em Distúrbios da Comunicação - PUC SP.
** Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana - UNIFESP-EPM.

Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Faria Lima, 1544, cj. 112 - Fax 814-9012 - Pinheiros - São Paulo/ SP - CEP 01452-000.

Trabalho apresentado no I Congresso Paulista dos Distúrbios da Comunicação Humana. São Paulo / SP, 1996.

Artigo recebido em 14 de maio de 1996. Artigo aceito em 3 de julho de 1996.

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