INTRODUÇÃOA queixa de zumbido aparece na história desde os tempos mais remotos e, apesar dos esforços realizados na tentativa de obter dados sobre a sua origem, fisiologia e possíveis tratamentos, pouco se sabe a respeito deste sintoma que afeta grande parte da população, prejudicando a qualidade de vida de muitas pessoas.
Para Axelsson & Ringdalhl (1989)1, o zumbido é desconfortável, tanto para o paciente, como para o clínico. Para o paciente, é difícil aceitar que existem sons no ouvido ou na cabeça, sem haver nenhuma fonte externa. Para o clínico, zumbido é um problema, já que sua condição não é facilmente entendida e existem poucos tratamentos recomendados com sucesso.
Dois obstáculos básicos dificultam o conhecimento sobre zumbido: a falta de modelo animal e a inacessibilidade das estruturas neurais em humanos (Lenarz e cols., 1993)2. Um dos pontos positivos do não conhecimento é liberdade de tentarmos idéias novas, acreditando que cada da possa ser uma contribuição importante na discussão e esclarecimento do assunto.
Este é um trabalho experimental, no qual formulamos um roteiro de avaliação para pacientes com zumbido constante, tendo como principal objetivo observar a percepção do zumbido com execução de movimentos oculares.
MÉTODOForam estudados 19 pacientes portadores de zumbido constante, com idade entre 28 e 74 anos, sendo 6 homens e 13 mulheres.
A avaliação constou de: audiometria tonal liminar, índice de discriminação vocal, imitanciometria, caracterização do zumbido, [baseado no procedimento proposto por Vernon e Scheuning (1978)3 e Martins (1991)4], quanto ao tipo (tonal ou ruído), intensidade em NS (nível de sensação), freqüência e localização (unilateral ou bilateral); questionário respondido pelo paciente sobre seu zumbido e observação da sensação do zumbido com a execução de movimentos oculares, com fixação ocular, em direções determinadas.
Para observar as alterações perceptuais do zumbido, estimulamos a mudança do foco do olhar com a luz de pouca intensidade de uma pequena lanterna, movimentada lentamente para várias direções no eixo horizontal [longe (70cm) e perto (15 cm), com o foco do olhar para frente; e direita e esquerda.(21cm) com o foco do olhar para os lados] e no eixo vertical [foco do olhar para cima e para baixo (11 cm)].
O paciente foi orientado para olhar atentamente para a luz e observar o seu zumbido. Evitamos qualquer inferência sobre a possibilidade de alterações na percepção do zumbido; usávamos frases sem efeito controlador do tipo: e aí? Como está? Etc. para solicitar comentários do paciente, quando estes não ocorriam espontaneamente.
A seqüência de apresentação foi variável para evitar que a ordem dos movimentos interferisse nos resultados. Foram utilizadas 3 séries de movimentos, com 5 pontos de referência (frente, em cima, embaixo, direita e esquerda) para a posição longe e 3 séries, com os mesmos 5 pontos de referência, para a posição perto.
A avaliação foi realizada dentro de cabine acústica com pouca claridade (penumbra), sem ruído ambiental e excesso de estimulação visual.
RESULTADOSQuanto ao quadro audiológico dos 19 pacientes estudados, observamos que apenas 1 paciente apresentava perda auditiva mista, os demais eram portadores de perda auditiva neurossensorial, com perda auditiva variando entre leve, moderada e severa, sendo que 58% das perdas eram de grau leve (Tab. 1 - Fig. 1).
Quanto à caracterização do zumbido, observamos maio ocorrência de zumbidos entre as freqüências agudas de 3 Khz e Khz, sendo a maioria do tipo Tonal, com intensidade entre 05 10 dB NS, variando a localização unilateral ou bilateral.
Caracterização do Zumbido
Considerando as variações da movimentação ocular nos eixos horizontal e vertical, obtivemos os dados expressos na Tab. 2 e Fig. 2.
Com a obsevação da percepção do zumbido com os movimentos oculares, obtivemos os seguintes resultados:
- 570 Movimentos 299 52,46% não modificaram zumbido 271 47,54% modificaram zumbido
- 342 Eixo Horizontal 169 49,4% não modificaram zumbido 173 50,6% modificaram zumbido
- 228 Eixo Vertical 139 61,0% não modificaram zumbido 89 39,0% modificaram zumbido
Com a observação do tipo de alterações na percepção do zumbido, achamos interessante analisar os dados também de acordo com a lateralidade do movimento, ipsi ou contralateral ao lado com zumbido (nos casos de zumbido unilateral) e com zumbido mais intenso (nos casos com zumbido bilateral assimétrico) (Tab. 3 e Fig. 3).
A percepção do zumbido alterou-se em apenas um ouvido nos 04 portadores de zumbido bilateral simétrico, em todas as vezes em que ocorrem. O mesmo não aconteceu com os portadores de zumbido bilateral assimétrico que, de 47 alterações, 20 (42,6°/a) foram referidas em um ouvido e 27 (57,4%) em ambos os ouvidos.
Achados Globais
Houve maior alteração na percepção do zumbido com relação à intensidade; outras modificações foram referidas, tais como: ficar pulsátil, modular como uma sirene, acelerar, mais grosso(grave), mais fino (agudo), mais abafado, mais acústico(nítido). Sendo mais freqüente a mudança para pulsátil.
Os movimentos no eixo horizontal modificaram mais a sensação do zumbido, sendo as direções do olhar para longe e para os lados as com maior número de modificações.
A percepção do zumbido diminuiu em maior número de vezes com o olhar para longe e para o lado contralateral ao zumbido (uni) ou zumbido mais intenso (bil ass). Poucas vezes foi referida a diminuição da sensação com movimentos no eixo vertical.
A percepção do zumbido aumentou em maior número de vezes com o olhar para o lado ipsilateral ao zumbido (uni ou bi ass) e para cima. Com o olhar para longe não houve nenhum, vez sensação de aumento da intensidade.
DISCUSSÃOA sensação de zumbido pode sofrer variação em diversas situações. Muitos indivíduos relatam que o zumbido aumenta o silêncio ou após exposição a ruído intenso, ou pode diminuir em ambiente com barulho; alguns trabalhos descrevem estes fatos (Tyler e Baker, 1983: Almeida e cols., 1992)5, 6.
Todos os pacientes, por nós avaliados, referiram sentir maior desconforto com a sensação de zumbido principalmente no silêncio e quando nervosos.
A relação entre estresse, tensão e cansaço também foi escrita como fatores que alteram a sensação do zumbido ouse, 1984).7
Goodey (1987)8 apresentou trabalho onde o zumbido apresentava modificações com o uso de drogas, álcool e hábitos alimentares.
O aparecimento de zumbido com a movimentação ocular após neurocirurgia com remoção de massa tumoral envolvendo o ângulo ponto-cerebelar com secção do VIII°- par craniano, foi relatado por Wall e cols. (1987)9 e por Caccace e cols. (1994)10. Os quais descrevem que o zumbido evocado com movimentos de fixação ocular (gaze-evoked tinnitus) diferem dos outros tipos de zumbido porque o paciente pode provocar seu aparecimento com a movimentação do olhar.
Segundo Wall e cols. (1987)9, o zumbido evocado pode aparecer devido a mudanças estruturais nas porções auditivo-vestibulares centrais até a junção ponto-cerebelar dorsal. Pode haver interação aberrante entre o núcleo coclear e as áreas ponto-cerebelares importantes para o controle de movimentos sacádicos e vestibulares dos olhos, especificamente em todas as áreas que compõem a integração neural (formação reticular paramediana da ponte, cerebelo, núcleo vestibular e núcleo peri-hipoglosso).
No nosso estudo, apesar do número restrito de pacientes, pudemos constatar alterações importantes na percepção do zumbido com a movimentação ocular, ou seja, mudança do olhar.
A mudança na percepção não foi constante em todas as triagens realizadas no mesmo indivíduo e a ordem de apresentação da direção do estímulo não se mostrou importante, pois as alterações ocorreram em momentos diversos.
A atenção ao movimento ocular (fixar o estímulo), disposição e conforto do paciente mostraram ser fatores que favoreciam alterações na percepção do zumbido.
Apenas um paciente referiu não estar acostumado com seu zumbido bilateral assimétrico; por coincidência (?), foi este paciente que referiu maior número de alterações perceptuais no zumbido, principalmente diminuição da intensidade e duas zes inibição da sensação, após alteração do zumbido para tipo "pulsátil".
Qualquer inferência sobre zumbido torna-se difícil, pois a fisiologia e local de origem são desconhecidos.
Embora não saibamos determinar a procedência, foram observadas modificações momentâneas na sensação do zumbido, que acreditamos ser de grande importância trazer a conhecimento público para estimular maior número de investigações, principalmente sobre as possíveis relações entre as vias auditivovestibulares e as visuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. AXELSSON, A. & RIGDAHL, A. - Tinnitus - A study of its evalence and characteristics. Britisb Journal of Audiology, 23: 53-62, 1989.
2. LENARZ, T; SCHERINER, C; SNYDER, R.L.; ERNST, A. - Neural mechanisms of tinnitus. Oto-Rhino-Laryngology, 30: 1992.
3. VERNON, J. & SCHEUNING, A - Tinnitus: A new Management. e Laringoscope, 85: 413-419, 1978.
4. MARTINS, M. C. - Zumbido: um estudo de suas características ocorrência em uma clínica otorrinolaringológica, São Paulo, 91, 37-40.(Tese de Mestrado - PUC - SP).
5. TYLER, R. & BAKER, L. J. - Difficulties experienced by Tinnitus Sufferes. Journal of Speech and Hearing Disorders, 48: 150-154, 1983.
6. ALMEIDA, C. I. R.; MARTINS, M. C.; DUPRAT, A. C.; ALMEIDA, R. R. - O zumbido em pacientes com queixas otológicas. Rev. Bras. de Otorrinolaringologia, 58(3): 188-197, 1992.
7. HOUSE, P. R. - Personality of the Tinnitus patient. In Shulman, A: - Proceeding of the second International Tinnitus Seminar, New York 1993, Journal of Laryngology and Otology, (suppl. 9): 223, 1984.
8. GOODEY, R. J. - Drug Therapy. In Hazzel, J.H.P. - Tinnitus, Churchill Livingstone, 1987, p. 176-1993.
9. WALL, M.; ROSENBERG, M.; RICHARDSON, D. - Gaze-evoked tinnitus. Neurology, 37: 1034-1036, 1987.
10. CACCACE, A.; LOVELY, T. J.; WINTER, D. F.; PARNERS, S. M; MCFARLAND, D. J. - Auditory Perceptual and Visual-Spatial Characteristics of Gaze-Evoked Tinnitus. Audiology, 33: 291303, 1994.
* Mestre em Distúrbios da Comunicação - PUC SP.
** Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana - UNIFESP-EPM.
Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Faria Lima, 1544, cj. 112 - Fax 814-9012 - Pinheiros - São Paulo/ SP - CEP 01452-000.
Trabalho apresentado no I Congresso Paulista dos Distúrbios da Comunicação Humana. São Paulo / SP, 1996.
Artigo recebido em 14 de maio de 1996. Artigo aceito em 3 de julho de 1996.