Ano: 1997 Vol. 63 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (3º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 24 a 28
AVALIAÇÃO DO TESTE DE EXCITABILIDADE MÍNIMA ("TESTE DE HILGER") NA PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA
Realibility of the Mininial Nerve Excitability Test in Facial Palsy.
Autor(es):
Roberto Alcantara Maia*
Unia Akemi Tsuchiya**
Palavras-chave: Paralisia facial periférica, teste de Hilger
Keywords: Facial palsy, Hilger test
Resumo:
Os testes eletrodiagnósticos devem ser rotineiramente realizados em pacientes com paralisia facial periférica, com o objetivo de prognóstico quanto à recuperação clínica do paciente. O Teste de Excitabilidade Mínima, conhecido em nosso meio como "Teste de Hilger", embora descrito há vários anos, continua sendo muito utilizado pela sua facilidade, praticidade e baixo custo. A confiabilidade quanto ao seu valor prognóstico é aqui avaliada em 195 pacientes com paralisia facial periférica. O teste é realizado do terceiro ao décimo quinto dia da instalação da paralisia. Observa-se que, no grupo de pacientes que obtiveram recuperação clínica total, o teste é normal em 95% dos casos; enquanto que, no grupo de recuperação clínica insatisfatória, o teste apresenta-se alterado em 85% dos casos. Estes achados reafirmam o valor prognóstico do Teste de Excitabilidade Mínima.
Abstract:
The electrodiagnosis tests should be routinely applied in peripherical facial paralysis patients, since it can be utilized as indicators of a clinical prognosis. The Minimal Excitability Te also called Hilger's Test is well Known from many years. As it is inexpensive and an easy to do test, it is still largely used. In the present study, 195 peripherical facial paralysis patients w evaluated. The Minimal Excitability Test was applied from the third to the fifteenth day of the facial paralysis. We noticed that patients with total clinical recovery had shown a normal test in 95% of cases. While patients with inadequate clinical recovery had altered tests results in 85% of the cases. These findings confirm prognosis value of the Minimal Excitability Test.
INTRONDUÇÃO
Diante de paciente com paralisia facial periférica, independente da sua etiologia, é fundamental que precocemente tenhamos condições de julgar o prognóstico de recuperação do mesmo. A história clínica, a idade do paciente, os antecedentes clínicos e dados do exame físico já permitem, de imediato, o julgamento da severidade e provável evolução do quadro. Vários testes têm sido usados para determinar a severidade e a localização da lesão do nervo facial, mas ainda há controvérsias com respeito à técnica, interpretação e fidedignidade destes métodos (CRAMER e KARTUSH).
O grande objetivo destes testes é a avaliação prognóstica da paralisia facial através da determinação do grau da lesão axonal.
Desde 1943, SEDDON classificou as lesões nervosas em 3 categorias (PORTGIETER, 1973).
- Neuropraxia: ocorre bloqueio fisiológico, não há degeneração Waleriana e a recuperação é completa;
- Axoniotmese: comprometimento dos axônios, com conservação de estruturas que sustentam o nervo, como bainha de Schwan, endoneuro e perineuro. A recuperação só é possível através da regeneração axonal;
- Neurotmese: há comprometimento axonal e dos tecidos de sustentação do nervo, o que toma difícil a regeneração da função nervosa.
Como testes eletrodiagnósticos, temos: eletromiografia; eletroneurografia; teste de latência de condução nervosa; teste o reflexo trigemiofacial; teste de estimulação magnética; otencial evocado antidrômico do nervo facial; acelerometria vocada; teste de excitabilidade nervosa máxima. Os mais omumentes utilizados são:
1 - Eletromiografia
A eletrontiografia mede as respostas elétricas durante a inserção da agulha, no repouso e durante o movimento voluntário. s potenciais de ação musculares relevantes para o estudo da paralisia facial são: potenciais positivos; potenciais de fibrilação; e potenciais de unidade motora; potenciais polifásicos; e potenciais e unidade motora repetitivos ou agrupados. Os potenciais de fibrilação representam contrações involuntárias e invisíveis de ma fibra muscular desnervada isolada, indicando degeneração do suprimento nervoso do músculo. Os potenciais da unidade motora são produzidos durante esforço normal voluntário e sua presença em músculo desnervado é indicativa de lesão incompleta. Os potenciais polifásicos precedem a recuperação as fibras musculares desnervadas e são vistos durante a regeneração nervosa. Já os potenciais da unidade motora agrupados podem ser vistos em lesões pós-isquêmicas da porção do neurônio motor inferior e geralmente aparecem após regeneração nervosa.
Este método não pode ser utilizado na fase aguda, pois os potenciais de fibrilação só começam a aparecer 14 a 21 dias após a lesão do nervo facial (PORTGIETER, 1973; CRAMER & KARTUSH, 1991).
2 - Eletroneurografia
Em 1977, ESSLEN descreveu pela primeira vez este teste para avaliação do nervo facial, o qual foi popularizado por FISCH (1981) como eletroneurografia. MAY (1981) chama este teste de eletromiografia evocada.
A eletroneurografia mede a amplitude do potencial de ação composto produzido pela musculatura facial, seguida da estimulação elétrica do nervo facial. O grupo muscular escolhido para avaliação, pela maioria dos investigadores, é a região da prega nasolabial (SMITH, 1988). Após a colocação do eletrodo, a intensidade do estímulo é aumentada gradualmente, até que a onda bifásica de maior amplitude seja encontrada.
Este método tem a vantagem de poder quantificar precisamente a porcentagem de fibras degeneradas do nervo. Quando 95% dos axônios sofreram degeneração Waleriana, o prognóstico é mau. Neste estágio, apenas 5% ou menos dos axônios são ainda excitáveis eletricamente e as contrações visíveis dos músculos faciais são muito reduzidas (FISCH-1980).
3 - Pesquisa do Reflexo Trigemiofacial
O reflexo trigemiofacial foi descrito pela primeira vez por OVEREND, em 1896. O reflexo surge com um toque na região glabelar, levando ao piscamento. Atualmente, pode ser avaliado pela estimulação percutânea no forame supra-orbital e, através da eletromiografia, avaliam-se os músculos orbiculares dos olhos. Este teste mede a condução das porções intracraniana e intratemporal do nervo facial, através do arco reflexo entre os nervos aferente trigêmio e eferente facial. O teste indica se o bloqueio da condução nervosa é completo, mas não diferencia entre neuropraxia e degeneração axonal (CRAMER & KARTUSH-1991).
4 - Teste de Excitabilidade Mínima Nervosa (TEM)
Em 1954, CAMPBELL popularizou o teste de excitabilidade nervosa (CAMPBELL et al., 1962).
Este teste consiste na estimulação a nível do forame estomastóideo, com observação da presença de contração muscular facial. Os menores valores de corrente elétrica necessários para desencadear as contrações musculares são comparados entre o lado normal e o lado paralisado.
É teste muito usado devido a sua praticidade e baixo custo, mas tem limitações que serão comentadas neste trabalho.
A finalidade deste trabalho é a avaliação dos resultados do teste de excitabilidade mínima em pacientes com paralisia facial periférica.
O primeiro teste eletrodiagnóstico foi descrito por DUCHENNE em 1872, fazendo a distinção entre testes de excitabilidade nervosa daqueles que se baseiam na estimulação local dos músculos individualmente (citado por CAMPBELL et al., 1962).
CAMPBELL et al. (1962) descreveram o teste de excitabilidade nervosa, seus resultados e sua relação com o tempo e o grau de recuperação das paralisias faciais. Neste estudo, nove pacientes (11%), de 77 que se apresentaram com o teste normal, não tiveram recuperação completa.
Em 1963, o estimulador facial de Hilger foi apresentado como novo instrumento na 680 Sessão Anual da Academia de Otorrinolaringologia e Oftalmologia (citado por LEWIS et al., 1991).
YANAGIHARA & KISHIMOTO (1972) compararam os valores prognósticos da eletroneurografia e do teste de excitabilidade na paralisia facial, sendo constatada a superioridade do primeiro método na determinação do estado neurofisiológico do nervo; o teste de excitabilidade tem a vantagem de poder ser aplicado repetidamente em qualquer paciente, independente cia idade e condição física. Concluindo, a eletroneurografia, acompanhada do teste de excitabilidade repetido, é o procedimento prognóstico mais prático e confiável.
ADOUR, SHELDON & KAHN (1980) compararam a eletroneurografia com o teste de excitabilidade máxima, tendo como resultado a maior confiabilidade do segundo em relação ao primeiro para a avaliação prognóstico da paralisia facial.
FISH (1980) analisou os resultados de ADOUR, SHELDON & KAHN e chegou a conclusões contrárias, reafirmando vantagens da eletroneurografia em relação ao teste de excitabilidade máxima.
KOIKE et al. (1988) realizaram estudo sobre epidemiologia e estudo clínico da paralisia facial idiopática financiado pelo Ministério da Educação em 28 centros do Japão, por um ano. A análise estatística foi baseada em questionário. O teste de excitabilidade nervosa foi o exame mais realiza (80%), seguido pela eletrogustometria, teste de lacrimejamento, pesquisa do reflexo estapédio, eletroneurografia eletromiografia. Os resultados demonstraram que o teste de excitabilidade nervosa é rotineiramente realizado em várias clínicas como o teste mais confiável, simples e fácil para a avaliação da paralisia facial.
LEWIS et al. (1991) destacaram a confiabilidade do teste excitabilidade nervosa, seu fácil manuseio e baixo custo, montem se como o teste mais freqüentemente usado para a avaliação prognóstica da paralisia facial. Realizou estudo retrospectivo de 10.243 testes, determinando o efeito da idade, sexo, raça, diabetes, hipertensão, obesidade e outros fatores sobre o valor da estimulação nervosa, além de estudo prospectivo de 25 pacientes com paralisia facial para determinar a confiabilidade do teste. Neste estudo, observou-se a concordância entre os testadores, sendo que nenhum examidor obteve leitura consistentemente muito mais alta ou baixa que o outro.
MATERIA E MÉTODO
Foram avaliados 195 pacientes do grupo de paralisia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, todos com diagnóstico de paralisia facial periférica de diferentes etiologias.
Na primeira consulta, o paciente era submetido ao teste de excitabilidade mínima se estivesse do terceiro ao décimo quinto dia de paralisia facial.
Para a realização do teste de excitabilidade mínima, foi utilizado o estimulador modelo OTOCIL. Após limpeza da superfície da pele com álcool a 70%, para retirada da maquiagem e eliminar a gordura presente, era feita a estimulação elétrica, na região próxima ao forame estilomastóideo, observando-se a presença de contração muscular facial. Os menores valores de corrente elétrica necessários para desencadear as contrações musculares foram comparados entre o lado normal e o lado paralisado.
O resultado do teste realizado na fase inicial da paralisia foi comparado com a recuperação clínica do paciente, decorridos pelo menos 60 dias da instalação do quadro.
Foi considerada recuperação clínica total quando o grau de paralisia, classificado através de tabela de graduação da mímica facial, atingisse escore superior a 80%.
Os resultados do teste de excitabilidade mínima foram divididos em três grupos: diferencial entre os lados, menor que 3,5 miliampères (normal); diferencial entre os lados, maior que miliampères, com presença de respostas bilaterais (anormal); inexcitabllidade do lado paralisado. O valor diferencial crítico 3,5 miliampères também é adotado por outros autores (KOIKE al., 1988; KANZAKI, 1988).
RESULTADOS
Foram avaliados 195 pacientes acometidos de paralisia facial periférica. Havia 131 pacientes (67%) do sexo feminino e 64 (33%) do sexo masculino. Quanto ao lado paralisado, observou-se que em 91 pacientes (47%), o comprometimento era à esquerda, enquanto que em 104 (53%) era à direita. A idade dos pacientes variou de 4 a 80 anos.
A Tabela 1 mostra os 195 pacientes quanto à recuperação da paralisia facial. Em 168 casos (86%) a recuperação foi total, enquanto que em 27 casos (14%) não houve recuperação satisfatória da paralisia facial.
A Tabela II mostra os 168 pacientes com recuperação total da paralisia facial, relacionando-os com os resultados obtidos no teste de excitabilidade. Em 160 casos (95,23%) o teste foi normal; em 7 (4,16%), anormal, e, em 1 (0,59%) inexcitável.
A Tabela III mostra os 27 pacientes que não obtiveram recuperação satisfatória da paralisia facial, relacionando-os os resultados obtidos no teste de excitabilidade. Em 21 casos (77,77), o teste foi inexcitável; em 4 (14,81%); normal, e, em 2 (7,40%), anormal.
DISCUSSÃO
Apesar do grande número de testes disponíveis para avaliação prognóstica, nenhum consegue, isoladamente, definir o grau de comprometimento do nervo e qual a evolução da paralisia facial com precisão. Todos os testes apresentam limitações.
Do ponto de vista prático, os testes eletrodiagnósticos mais usados são os testes de excitabilidade mínima, de estimulação máxima, eletroneurografia e eletromiografia.
MAY (1971b) publicou estudo sobre as limitações do teste de excitabilidade mínima, baseado em 130 casos analisados. Ressaltou a necessidade de cooperação do paciente e a dificuldade de sua realização em crianças em razão do estímulo elétrico. No teste de excitabilidade mínima, foram observadas respostas falso-negativas (oito casos em 100 analisados), sendo que os testes de salivação e estimulação máxima auxiliaram a evitar estes erros. O teste de excitabilidade mínima tem valor limitado para avaliação de pacientes nos primeiros dias de paralisia facial, de vez que o nervo conduz impulsos distalmente, mesmo após um a quatro dias da lesão. Nos casos tardios, o teste de excitabilidade tem aplicação limitada, pois a excitabilidade do nervo pode não retornar mesmo após a função muscular facial ter sido percebida.
CAMPBELL (1963), em seu estudo de 137 pacientes com até dias de paralisia facial, observou que 108 tiveram recuperação completa. Destes pacientes, 93 (86,1%) tiveram o teste de excitabilidade mínima normal, 8 (7,4%) com respostas do lado alisado mas necessitando maior estímulo que o normal (diferencial maior que 2 miliampères), e 7 (6,5%) com ausência de respostas do lado lesado. Entre os pacientes que não tiveram boa evolução (27 casos), 10 (37%) apresentaram-se com o exame normal, 3 com respostas diminuídas e 14 com ausência de respostas; portanto, 63% apresentaram-se com o exame alterado.
KOIKE et al. (1988) realizaram, no Japão, investigação nacional de métodos diagnósticos para paralisia facial, onde constataram que o teste de excitabilidade mínima foi o mais utilizado (80%) para a avaliação prognóstica da paralisia facial em razão ao seu baixo custo, facilidade de manuseio e confiabilidade do teste. De 278 pacientes que tiveram diferencial entre os lados menor que 3,5 miliampères, 92,1% evoluíram com recuperação completa do movimento facial; e 7,9% tiveram recuperação parcial. De 48 casos com diferencial entre os lados maior que 3,5 miliampères, 72,9% recuperaram completamente o movimento facial e 27,1% não recuperaram.
Analisando por este ponto de vista em nosso estudo, dos pacientes que apresentaram o teste normal (diferencial menor que 3,5 miliampères), 97,56% tiveram recuperação total. Do grupo dos que tinham o teste anormal (diferencial maior que 3,5 miliampères), 77,77% evoluíram com recuperação total e 22,22% não recuperaram. E, dentro do grupo com inexcitabilidade do lado paralisado, apenas 4,54% recuperaram totalmente e 95,45% não tiveram boa evolução. Portanto, podemos observar que os pacientes com boa evolução apresentam tendência para a normalidade de teste e os casos com má evolução apresentam-se com resultados alterados, principalmente com inexcitabilidade à estimulação, demonstrando a confiabilidade do teste para avaliação prognóstica da paralisia facial.
CONCLUSÃO
O teste de excitabihdade mínima demonstrou ser de fácil realização; requer pouco treino e pouco tempo do examinador. É facilmente aceito pelo paciente, podendo apresentar limitações na aceitação pelas crianças. Utiliza equipamentos de baixo custo, de pequenas dimensões, que pode ser facilmente adaptado em qualquer consultório médico. O presente estudo demonstrou significativa confiabilidade quanto a seu valor prognóstico na paralisia facial. Como qualquer outro método, não deve analisado isoladamente e sim no contexto clínico de cada paciente. É, portanto, teste que justifica permanecer na avaliação prognóstica rotineira de pacientes portadores de paralisia facial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS
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* Médico encarregado do Setor de Otoneurologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
** Médica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
Trabalho realizado no Setor de Otoneurologia da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Diretor da Clínica: Dr. Samir Cahali.
Endereço para correspondência: Clínica de Otorrino do HSPE, Rua Pedro de Toledo, 1800 - São Paulo / SP.
Artigo recebido em 15 de abril de 1996. Artigo aceito em 15 de maio de 1996.