Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 535 a 538

 

Histiocitoma Fibroso Benigno: Relato de Caso

Benign Fibrous Histiocytomas: Case Report

Autor(es): Geraldo D. Sant'Anna*;
Marcelo Mauri**;
Josemar R. Machado**;
F'ernanda Peduzzi**;
Caroline P. da Cunha***.

Palavras-chave: histiocitoma fibroso benigno, histiocitoma fibroso maligno, tumores da face

Keywords: benign fibrous histiocytoma, malignant fibrous histiocytoma, face tumors

Resumo:
Introdução e objetivos: Histiocitoma fibroso benigno foi reconhecido como entidade clínica apenas em 1970, após desenvolvimento de técnicas imuno-histoquímicas e microscopia eletrônica, para a diferenciação com a variante maligna. Objetivamos relatar um caso de histiocitoma fibroso benigno de difícil decisão terapêutica por apresentar invasão de estruturas vitais em uma paciente jovem assintomática. Relato do caso: S. M., do sexo feminino, com 22 anos de idade, de cor branca, solteira, professora, apresentou, em janeiro de 1998, episódios de cefaléia frontal de início súbito e refratária a analgésicos convencionais. Consultou com um oftalmologista nesta ocasião, tendo sido evidenciado edema de papila. Em fevereiro de 1998, realizou estudo tomográfico computadorizado, que demonstrou processo expansivo de fossa infra-temporal esquerda (loja muscular) com extensões para fossa ptérigo-palatina e temporal (infra-craniana), e invasão do seio cavernoso. Ao exame, a paciente apresentava um abaulamento da parede lateral da fossa nasal esquerda. Foi realizada, em março de 1998, uma biópsia incisional do processo expansivo através de um acesso trans-maxilar, cujo diagnóstico anátomo-patológico foi histiocitoma fibroso benigno. Conclusão: O histiocitoma fibroso benigno é uma doença rara e, portanto, pouco conhecida. Casos relatados na literatura suportam a existência de uma variante benigna do histiocitoma fibroso; no entanto, existe muita controvérsia em torno de critérios patológicos para o diagnóstico de benignidade ou malignidade do histiocitoma fibroso, dificultando assim a decisão terapêutica observacional ou cirúrgica.

Abstract:
Benign fibrous histiocytoma of the head and neck has received little attention in the otolaryngology-head and neck literature. Benign fibrous histiocytoma was identified as a separate clinical entity until the 1970. We reported a 22-years-old female with benign fibrous histiocytoma of the deep soft tissue of the head and neck that invade vital structures. Therefore, we decide do not submit this patient to surgical treatment and follow-up with computadorized tomographic scan.

INTRODUÇÃO

Histiocitoma fibroso benigno (HFB) tem sido descrito como uma neoplasia benigna dos fibroblastos e histiócitos que acometem os tecidos moles da derme e subcutâneo9. Estes tumores acometem usualmente adultos, sendo freqüentes nos membros inferiores de mulheres jovens e de meia-idade. Estas neoplasias têm comportamento biológico indolente e não devem ser confundidas com a variante maligna, que freqüentemente tem um curso clínico agressivo.

Em contraste ao histiocitoma fibroso maligno (HFM), a variante benigna de estruturas da face tem poucos relatos na literatura, provavelmente devido à confusão existente no diagnóstico diferencial entre estas neoplasias. O HFB não era conhecido como uma entidade clínica até 1970; porém, com o desenvolvimento de técnicas imuno-histoquímicas e microscopia eletrônica o diagnóstico diferencial tornou-se factível1.

Os autores têm como objetivo relatar um raro caso de histiocitoma fibroso benigno de face, com invasão de estruturas vitais em uma paciente jovem assintomática.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

S. M., do sexo feminino, com 22 anos de idade, branca, solteira, professora, procurou o Serviço de Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre (FFFCMPA/CHSC) depois de apresentar, em janeiro de 1998, episódios de cefaléia frontal de início súbito e refratária a analgésicos convencionais. Uma consulta oftalmológica revelou edema de papila. Em fevereiro de 1998, realizou estudo tomográfico computadorizado, o qual evidenciou um processo expansivo de fossa infra-temporal esquerda (loja muscular), com extensões para fossa ptérigo-palatina e temporal (intra-craniana) e invasão do seio cavernoso (Figura 1). Ao exame otorrinolaringológico, a paciente apresentava um abaulamento da parede lateral da fossa nasal esquerda. Realizamos em março de 1998 uma biópsia incisional do processo expansivo através de um acesso trans-maxilar, cujo diagnóstico anátomo-patológico obtido através de técnicas de imuno-histoquímicas foi histiocitoma fibroso benigno. Em agosto de 1998 e março de 1999 foram realizados estudos tomográficos computadorizados de controle, sem evidências de aumento do processo tumoral. Na história médica pregressa, a paciente apresentava um estudo radiológico convencional de seios da face, de julho de 1987, com opacificação total do seio maxilar esquerdo (Figura 2). A paciente não foi submetida a tratamento cirúrgico, pela impossibilidade de ressecção completa do tumor, riscos e seqüelas decorrentes da cirurgia; assim, optamos por realizar acompanhamento tomográfico periódico da lesão.



Figura 1. Corte axial de estudo tomográfico computadorizado evidenciando um processo expansivo de fossa infra-temporal esquerda (loja muscular), com extensões para fossa ptérigo-palatina.



Figura 2. Raio-x de seios da face na posição de Waters, em julho de 1987 demonstrando opacificação total do seio maxilar esquerdo.



REVISÃO DE LITERATURA E DISCUSSÃO

Uma pesquisa do banco de dados Medline, desde a década de 70, revela que apenas três séries de casos de histiocitoma fibroso foram publicados na literatura otorrinolaringológica1, 2, 3. Em dois desses estudos, quase todas as lesões foram consideradas malignas, necessitando de um tratamento oncológico agressivo2, 3. Em contraste, Bielamowicz e colaboradores (1995) descreveram uma variante benigna de histiocitoma fibroso (HF) 1.

A terminologia usada na literatura para identificar este grupo de lesões é confusa, devido a dificuldade de diagnóstico diferencial entre as formas benignas e malignas do HF. Histopatologicamente, o HFB é composto por uma população de células bifásicas de histiócitos e fibroblastos. Em alguns casos, estas células são semelhantes a miofibroblastos ou células mesenquimais primitivas. Outras características do HFB incluem células fusiformes com o núcleo alongado, rica vascularização, variável número de células gigantes e células xantomatosas8. Atipia nuclear e alterações mitóticas são raras no HFB'. Em contraste, o HFM é composto por células sarcomatosas pleomórficas malignas, células gigantes bizarras, freqüentes alterações mitóticas, invasão óssea, mucosa, vascular e perineural, além de metástases a distância3. No entanto, os diagnósticos de HFB não podem ser feitos com absoluta certeza através dos achados histológicos, pois existem relatos de HF retroperitonial com características benignas que metastatizaram tardiamente1.

Hoffman e Martinez7 desenvolveram recentemente uma classificação para as lesões histiocíticas baseada em critérios clínicos e histopatológicos. Esta classificação inclui duas categorias principais dividindo as lesões em benignas e malignas. As lesões benignas são classificadas em histiocitoma fibroso benigno e histiocitoma fibroso atípico. As lesões malignas são classificadas em histiocitoma fibroso maligno e histiocitoma fibroso inflamatório.

Esta classificação é baseada na idade dos pacientes, local das lesões e comportamento biológico. HFM comporta-se como um sarcoma altamente maligno e acomete pacientes da sétima década de vida. Estas lesões ocorrem principalmente em tecidos moles profundos das extremidades e retroperitônio, sendo raramente encontradas em tecidos moles profundos da cabeça e pescoço¹. Histiocitoma fibroso inflamatório apresenta uma reação aguda exudativa e histiócitos anaplásicos. Este tipo de HF acomete cavidades do organismo em pacientes da sexta década de vida, com um comportamento menos agressivo que O HFM. Um tratamento oncológico agressivo é necessário para o manejo destes pacientes, incluindo radioterapia, quimioterapia e cirurgia radical¹.

HF atípico é clinicamente uma lesão benigna com características patológicas de malignidade. Esta lesão pseudo-sarcomatosa ocorre comumente como um nódulo solitário e ulcerado na pele da face de pacientes idosos7. Histologicamente, estas lesões demonstram características pleomórficas bizzaras semelhantes a sarcomas pouco diferenciados; entretanto, não invadem estruturas locais ou metastatizam. Esta lesão acomete freqüentemente pacientes com história de trauma ou radioterapia prévia. HF atípico parece representar mais um processo reativo do que uma neoplasia propriamente dita¹.

HFB é freqüentemente diagnosticado em pessoas com exposição solar excessiva, especialmente em extremidades6. Este tipo de lesão ocorre comumente na órbita, representando o tumor mesenquimal primário mais freqüente da órbita de pacientes adultos5. Os pacientes acometidos tem menos de cinqüenta anos e têm história prévia de exposição solar, trauma, infecção crônica, sugerindo ser uma doença reativa com proliferação de células benignas. O HFB de tecidos moles profundos da cabeça e pescoço apresenta-se em sua evolução clínica como uma lesão dolorosa com sintomas específicos causados pela alteração da anatomia e fisiologia local4. Este tumor não apresenta potencial metastático; no entanto, ocorre recorrência local após ressecção incompleta. Quimioterapia e radioterapia não apresentam resultados satisfatórios no tratamento deste tumor. Steven e colaboradores definem como tratamento definitivo para esse tipo de lesão a ressecção cirúrgica completa do tumor, com excelente prognóstico e um índice de recorrência perto de zero¹. Apesar de a literatura ser favorável ao tratamento cirúrgico nos casos de histiocitoma fibroso benigno, nossa opção para essa paciente não foi o tratamento cirúrgico por diversas razões: tamanho da lesão, invasão de estruturas vitais (seio cavernoso), possível ressecção incompleta da lesão. Nossa decisão mostra-se favorável até o momento, pois o acompanhamento tomográfico não evidencia aumento da lesão, assim como mudança da sintomatologia. Portanto, o crescimento lento do tumor, riscos e prováveis seqüelas da cirurgia nos levaram a um parecer contrário ao tratamento cirúrgico no momento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BIELAMOWICZ, S.; DAUER, M. S.; CHANG, B.; ZIMMERNLÂN, M. C. - Noncutaneous benign fibrous hitiocytoma of the head and neck. Otolaryngol. Head Neck, 113:140-6, 1995.
2. BLITZER, A.; LAWSON, W.; BILLER, H. - Malignant fibrous histiocytoma of the head and neck. Laryngoscope, 87: 1479-99, 1977.
3. BLITZER, A.; LAWSON, W.; ZAK, F.; BILLER, H. F.; SOM, M. L. - Clinical-pathological determinants in prognosis of fibrous histiocytoma of the head and neck. Laryngoscope, 91: 205370, 1981.
4. FIELDMAN, R.; MORROW, T. - Fibrous histiocytomas of the soft palate. Int. J. Pediatr. Otorbinolaryngol., 18:171-9, 1989.
5. FONT, R.; HIDAYAT, A. - Fibrous histiocytoma of the orbit: a clinicopathologic study of 150 cases. Hum. Pathol., 13:199-209, 1982.
6. GONZALEZ, S.; DUARTE, 1. - Benign fibrous histiocytoma of the Skin: a morphological study of 290 cases. Pathol. Res. Pract., 174: 379-91, 1982.
7. HOFFMAN, S.; MARTINEZ, M. - Fibrous histiocytomas of the oral mucosa. Oral. Surg., 52. 277-83, 1981.
8. LATTES, R - Atlas of tumorpathology. Washington, D.C.: Armed Forces Institute of Pathology, 37-52, 1982.
9. MIHM, M. C.; MURPHY, G. F. -The Skin. In: Cotran RS, Kumar V, Collins T. Robbins-Pathologic basis of disease. Philadelphia, 1998, WB Saunders Company, 1170-1213.




* Professor Auxiliar da Disciplina de Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, do Complexo Hospitalar da Santa Casa (FFFCMPA/CHSC).
** Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do FFFCMPA/CHSC.
*** Acadêmica de Medicina da FFFCMPA.

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, do complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre (FFFCMPA/CHSC).

Endereço para correspondência: Prof. Dr. Geraldo Druck Sant'Anna - Rua Mostardeiro, 157/701 - 90430-001 Porto Alegre /RS - Telefone/Fax: (0xx51) 222-6365. E-mail: gds@plug-in.com.br

Artigo recebido em 7 de abril de 1999. Artigo aceito em 10 de junho de 1999.

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