Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (10º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 445 a 448

 

Trajeto Aberrante da Carótida Interna no Ouvido Médio Bilateral.

Bilateral Aberrant Internal Carotid Artery in the Middle Ear.

Autor(es): Claudiney C. Costa*;
Maria B. N. Pascoal*;
José F. S. Chagas**;
Carlos A. F. Guidi***;
José R. F. Amade***;
Margaret M. Diotto*** ;
Aluízio O. de Castro****;
Mauro A. Traz*****.

Palavras-chave: artéria carótida interna, tinnitus, ouvido médio

Keywords: internal carotid artery, tinnitus, middle ear

Resumo:
Os autores apresentam um caso raro de trajeto aberrante das artérias carótidas internas em ouvido médio bilateralmente, em um paciente com 59 anos de idade, do sexo masculino, que apresentava como sintoma inicial tinnitus exacerbando com atividade física. No exame otoscópico, observou-se massa em ouvido médio de cor azulada, com membrana timpânica íntegra. O diagnóstico foi confirmado pela tomografia computadorizada, que mostrou a anomalia vascular. A arteriografia foi realizada na pesquisa de outras variações anatômicas que podem estar associadas ao quadro. Os autores fazem uma revisão da literatura sobre as variações anatômicas, da artéria carótida interna, que podem envolver o ouvido médio, tendo como exemplo o caso clínico relatado, chamando a atenção para os diagnósticos diferenciais.

Abstract:
The authors present a rare case of bilateral aberrant carotid artery in the middle ear in a 59 year old man who had tinnitus, that worsen with physical exercise, as initial complaint. On the physical examination a blue mass in the middle ear and intact eardrum was observed. The diagnosis was confirmed by computed tomography.

INTRODUÇÃO

O fenômeno da artéria carótida interna (ACI) com trajeto anômalo na cavidade timpânica é raro, e após extensa revisão da literatura encontramos apenas dois casos com acometimento bilateral. O quadro clínico geralmente é pobre, podendo se manifestar com tinnitus pulsátil, vertigem,plenitude auricular e hipoacusia progressiva, apresentando maior incidência no sexo feminino e do lado direito3, 10.

Várias teorias foram propostas para explicar esta variação anatômica: 1) Deiscência da fina camada óssea que separa a artéria carótida interna da cavidade timpânica, podendo este defeito ser congênito6 ou adquirido; neste caso, associado a quadros de otites médias crônicas simples ou colesteatomatosa1. 2) Alongamento do vaso com a idade3, 10 dentro da cavidade timpânica11, 9, 4.

O propósito deste relato é descrever um caso de artéria carótida interna com trajeto aberrante no ouvido médio bilateral, salientando a importância para o diagnóstico diferencial, com as massas pulsáteis no ouvido médio ratificando a prudência ao se fazer uma timpanotomia ou biópsia no ouvido médio; pois, quando não diagnosticada, pode trazer conseqüências drásticas8.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente com 59 anos de idade, do sexo masculino, casado, procedente ele Campinas /SP, com queixa de tinnitus pulsátil bilateral há aproximadamente dois anos, que se evidenciava com exercício físico, acompanhando a freqüência cardíaca. Referia também plenitude auricular bilateral. De antecedentes pessoais, referia ser tabagista há 50 anos, com a média de 20 cigarros por dia. Como antecedentes patológicos, referia asma há 10 anos, doença de chagas e epilepsia.

Ao exame otoscópico, apresentava membrana timpânica com diminuição do brilho e massa violácea em topografia de quadrantes ântero e póstero inferiores bilateral, sendo maior à direita, com pulsação na mesma freqüência dos batimentos cardíacos. Feito diagnóstico clínico de massa pulsátil em ouvidos médios, solicitamos tomografia computadorizada (TC), audiometria e impedânciometria. A audiometria e impedânciometria mostraram-se sem alterações. A tomografia computadorizada dos ouvidos demonstrou trajeto anômalo das carótidas internas bilateral e simétrica, com saliência intra timpânica chegando a encostar nas membranas timpânicas em suas porções inferiores, com demais estruturas dos ouvidos normais (Figura 1). Foi realizada arteriografia pela técnica de Seldinger, com injeção seletiva de contraste com subtração digital ele imagem, ã procura de outras alterações vasculares, que nada demonstrou (Figuras 2 e 3). O paciente foi orientado sobre sua patologia, sobre os riscos cirúrgicos; e, em virtude da pequena intensidade dos sintomas, optou por acompanhamento ambulatorial e tratamento clínico.



Figura 1- Tomografia computadorizada de ouvidos, em corte coronal, demonstrando trajeto anômalo das artérias carótidas internas no ouvido médio, bilateralmente.



COMENTÁRIOS FINAIS

A incidência de ACI no ouvido médio bilateralmente é extremamente rara, tendo sido encontrados apenas dois casos descritos desde 1961, sendo o último em 1993, por Glasscock3.

Na maioria, os casos descritos são de pacientes do sexo feminino, com comprometimento do lado direito. A média de idade dos pacientes no momento do diagnóstico é de 25 anos, diferentemente do nosso caso, em que o paciente é do seno masculino e tem 59 anos3, 10, 2.

Lapayowker e colaboradores7 descreveram uma linha vestibular para auxiliar no diagnóstico de trajetos aberrantes da ACI no ouvido médio. Segundo este autor, esta linha deve ser traçada verticalmente, no sentido crânio-caudal, tangeciando a parede lateral do vestíbulo. Todas as vezes que encontrarmos uma ACI que passe lateralmente a esta linha, deverá ser considerada como tendo um trajeto aberrante3, 7.

Estas alterações do trajeto da ACI podem ser ocasionadas por fatores congênitos ou adquiridos. Várias teorias foram propostas para explicar esta variação. Uma refere a deiscência da fina placa óssea que separa a ACI da cavidade timpânica. Este defeito pode ser congênito ou adquirido, como nas otites médias crônicas simples ou colesteatomatosas, pela osteólise que pode ocorrer nestes quadros3, 4.



Figuras 2 e 3 - Artérioglafia com injeção seletiva de contraste e subtração digital de imagem nas carótidas comuns (Figura 2, à esquerda, e figura 3, à direita), sem malformações vasculares associadas.



Segundo estudos realizados por Meyerson9, podemos encontrar 1% de deiscência desta fina placa óssea, pois a espessura da mesma é de aproximadamente de 0,5 mm. Outros autores defendem que, com a idade, ocorre um alongamento dos vasos podendo levar a deiscência' totais ou parciais, pois ocorreria uma diminuição da camada adventícia da ACI na porção petrosa do temporal, tornando a placa óssea que separa a mesma da cavidade timpânica mais susceptível à pulsação do vaso². Outra teoria refere uma persistência da circulação embrionária, que fracionaria a ACI para dentro da cavidade timpânica. Esta teoria é baseada no encontro de várias alterações associadas com o trajeto aberrante da ACI, sendo a mais comum a persistência da artéria estapediana que tracionaria o. terceiro arco aortico que no embrião origina a ACI.5, 6, 7.

O fato de o nosso paciente apresentar 59 anos, arteriografia sem outra malformação, ausência de patologias inflamatórias crônicas nos ouvidos, comprometimento dos dois ouvidos e o aparecimento dos sintomas aos 57 anos nos leva a aceitação da teoria de deiscência da placa óssea por alongamento dos vasos.

O diagnóstico diferencial para as massas vasculares no ouvido médio deve ser realizado principalmente com bulbo jugular alto, tumor glômico, aneurisma e artéria carótida interna com trajeto anômalo1, 9. O diagnóstico de tinnitus vascular oferece uma gama maior de diagnóstico diferenciais' (Quadro 1). A anomalia vascular mais comum é a presença do bulbo jugular alto, que ao exame físico se apresenta como uma massa de cor escura no quadrante póstero-inferior1, 9.

QUADRO 1- Tinnitus vasculares: causas.

ARTERIAL:
Aterosclerose
Displasia fibromusclar
Dissecção espontânea da artéria carótida interna
Compressão da carótida pelo processo estilóide
Aneurisma carotídeo
Artéria carótida interna com trajeto aberrante
Deslocamento lateral da artéria carótida
Persistência da artéria estapediana
Outras anomalias arteriais

ARTERIOVENOSA:
Paraganglioma (timpânico e jugular)
Tumores vasculares
Doença de Paget
Otosclerose ou otospongiose
Malformações arteriovenosas cerebrais
Fístula arteriovenosa-sino dural
Fístulas arteriovenosas

VENOSAS:
Anemia crônica
Gravidez
Tirotoxicose
Pacientes hipertensos em uso de vasodilatadores
Hipertensão intra-craniana
Estenose do seio transverso
Bulbo jugular largo ou exposto ou veia emissária larga
Tinnitus venoso idiopático

O diagnóstico de certeza do trajeto aberrante da ACI na cavidade timpânica é realizado por tomografia computadorizada (TC) do ouvido médio, ao se evidenciar trajeto vascular aberrante. A ressonância magnética deve ser realizada quando houver suspeita de outras malformações, assim como a artériografia, que não é necessária para fechar o diagnóstico. À realização da impedanciometria, podemos encontrar pulsação da agulha do aparelho, em vários graus, dependendo da proximidade do vaso anômalo com a cadeia ossicular e a membrana timpânicas.

A suspeita clínica de massa vascular no ouvido médio deve ser bem investigada, usando-se os exames acima citados para firmar diagnóstico preciso, pois a realização de procedimentos básicos, como uma miringotomia ou biópsia, nestes casos, pode resultar em conseqüências drásticas, uma vez que aproximadamente 50% dos casos descritos na literatura de ACI resultaram em acidentes que levaram os pacientes a quadro de déficit neurológico ou a óbito3, 2, 8.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. GERLINGS, P. G. -Pathology of the canalis caroticus. Arch. Otorhinolaryngol. 34: 181-189, 1972.
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3. GLASSCOCK, M. E.; SESHUL, M.; SESHUL, M. B. - Bilateral Aberrant Internal Carotid. Arch. Otolaryngol. Head Neck Surg., 119. 335-339, 1993.
4. GUINTO, F. C.; GARRABRANT, E. C.; RADCLIFFE, W. B. - Radiology of the persistent stapedial artery. Radiology, 105:365-369, 1972.
5. JASTREBOFF, P. J.; GRAY, W. C.; MATTOX, D. E.- Tinnitus and Hyperacusis. IN: Cummings; C. W.; Fredrickson, J.M.; Harker, L. A.; Krause, C. J.; Richardson, M. A.; Schuller, D. E. - Otolaryngology Head & Neck Surgery, Baltimore, Mosbu, 1998, 3198-322
6. KELEMAN, G. - Frustrated (arrested) anomaly of the internal carotid: a possible source of eongenital hearing loss. Arch. otolaryngol.; 77.491-499, 1963.
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9. SAITO, H.; CHIKAMORI, Y.; YANAGIHARA, N. -Aberrant carotid artery in the middle ear. Arch. Otorhinolaryngol, 209: 83-87, 1975.
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11. STEFFEN, T. N. - Vascular Anomalies of the middle ear. Laryngoscope, 78: 171-238, 1968.




* Residente de Otorrinolaringologia do Hospital e Maternidade Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (HMCP - PUC - Campinas /SP).
** Chefe do Serviço ele Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HMCP - PIJC.
*** Médico Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do HMCP - PUC.
**** Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia do HMCP - PUC.
**** Médico Assistente do Serviço de Cabeça c Pescoço do HMCP - PUC.
***** Chefe do Departamento de Radiologia do HMCP - PUC.

Instituição: Departamentos de Otorrinolaringologia, Radiologia e Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital e Maternidade Celso Pierro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Endereço para correspondência: Claudiney Candido Costa - Rua Antônio Rodrigues Moreira Neto, 106 - Edifício Primavera - Apto. 14 - Jardim Paulicéia - 13060-063 Campinas /SP - Telefone: (019) 961-6098 - Fax: (019) 729-8518.
Trabalho apresentado no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado de 18 a 22 de novembro de 1998, em Porto Alegre /RS.

Artigo recebido em 5 de março de 1999. Artigo aceito em 12 de maio de 1999.

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