Ano: 1999 Vol. 65 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (4º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 398 a 401
Perda Auditiva Induzida por Ruído em Pacientes com Doenças Sistêmicas.
Noise-Induced Hearing Loss in Pacients with Systemic Diseases.
Autor(es):
Daniel C. Pinheiro*;
José R Colafêmina**;
Aloysio A. T. C. Netto*;
Renata P. C. Alves***;
Moacir L. Ribeiro****.
Palavras-chave: perda auditiva provocada por ruído, perda auditiva sensorioneural, doenças cardiovasculares
Keywords: hearing loss noise-Induced, hearing loss sensorineural, cardiovascular diseases
Resumo:
Introdução: A perda auditiva induzida por ruído (PAIR) é caracterizada por uma hipoacusia neurossensorial de evolução lenta, progressiva, na maioria das vezes simétrica, secundária à exposição crônica ao ruído. Objetivo: Pretendemos com nosso trabalho avaliar possíveis repercussões de doenças sistêmicas na evolução do paciente exposto ao ruído. Material e Método: Estudamos 63 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, com a idade variando de 29 a 68 anos, com história de exposição ao ruído, sendo selecionados aqueles com curva audiométrica sugestiva de PAIR. Investigamos a presença de doenças sistêmicas como: hipertensão arterial, doenças auto-imunes, diabetes, neoplasias, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. Dos 63 pacientes avaliados, 16 apresentaram curva audiométrica e evolução clínica sugestivas de PAIR (6 homens e 10 mulheres). A idade variou de 34 a 68 anos, com média de 52 anos. Destes, 62,5% eram portadores de alguma doença sistêmica crônica, com destaque para hipercolesterolemia (60%), hipertrigliceridemia (20%), hipertensão arterial sistêmica (20%) e hepatopatia crônica (10%). Quanto aos pacientes expostos ao ruído sem curva audiométrica sugestiva de PAIR, 10 eram homens e 37 eram mulheres, com idade variando entre 29 a 58 anos (média de 46,9 anos). Destes, somente 12,77% apresentavam alguma doença sistêmica crônica. Conclusão: Não podemos concluir, ainda, que os pacientes com doenças sistêmicas apresentam maior predisposição à PAIR. No entanto, devido à maior incidência dessas enfermidades em indivíduos com perda auditiva induzida por ruído, chamamos a atenção para a necessidade de aumentar o cuidado com esses pacientes, no sentido de ser efetuada prevenção da perda auditiva.
Abstract:
Introduction: Noise-Induced hearing loss (NIHL) is characterized by neurosensorial hypoacusis of slow and progressive evolution in a majority of cases symmetrical, and is secondary to exposition of chronic noise. Purpose: In this study, we intend to evaluate the possible repercussions of the systemic diseases on the evolution of the patients exposed to noise. Material and Methods: We have studied 63 patients undergoing treatment in the Clinical Hospital of the Faculty of Medicine of Ribeirão Preto, State of São Paulo, with ages varying between 29 and 68 years and with a history of exposure to noise, selecting those who presented audiometric curves suggestive of NIHL (6 men and 10 women). Their ages ranged between 34 and 68 years, with a mean age of 52. Of those, 62,5% had some chronic systemic diseases mainly hypercholesterolemia (60%), hypertriglyceridemia (20%), systemic arterial hypertension (20%) and chronic hepatopathy (10%). Of the patients exposed to noise but without audiometric curves suggestive of NIHL, 10 were men and 37 women, with ages ranging between 29 to 58 years (mean age of 46,9). Of those, only 12,77% had some form of chronic suggestive diseases. We can not, as yet, conclude that patients with systemic diseases are more prone to NIHL. Conclusion: However, due to the higher incidence of those diseases in individuals with noise-induced hearing loss, we call attention to the need for increased care with such patients, in the sense of providing care for the prevention of hearing loss.
INTRODUÇÃO
A perda auditiva induzida por ruído (PAIR) é caracterizada por uma hipoacusia neurossensorial de evolução lenta, progressiva, na maioria das vezes simétrica, secundária à exposição crônica ao ruído. Geralmente, é detectada por exames de triagem ou por indicação de membros da família, que relatam ser o indivíduo desatento. Também é comum o paciente referir que sente dificuldade para discriminar em ambientes ruidosos ou compreender uma voz sobre um ruído de fundo. O volume da TV é então ajustado em níveis elevados, e surge o zumbido, que ocorre duas vezes mais em pacientes expostos ao ruído em relação à população não exposta. Classicamente, ocorre uma perda neurossensorial para sons de altas freqüências, geralmente entre 3 e 6 kHz, sendo máxima em 4 kHz. Com a exposição adicional, atinge freqüências superiores e inferiores, ficando o paciente com uma perda neurossensorial em declive. Em indivíduos com exposição assimétrica ao ruído (atiradores e violinistas), a perda pode ser assimétrica.
Estatisticamente, estima-se que 15% da população exposta a ruído constante de 90 dB, 8 horas por dia, durante 5 dias por semana e 50 semanas por ano, apresentarão lesão auditiva após 10 anos, aceitando-se que existam mais de 140 milhões de pessoas expostas a níveis perigosos de ruído ocupacional no mundo, segundo a Organização Mundial do Trabalho. A Organização Mundial de Saúde acredita ainda que a perda auditiva induzida por ruído seja hoje a maior causa de perda auditiva evitável no mundo¹.
Vários autores têm sugerido a existência de uma maior correlação de perda auditiva em pacientes com doenças sistêmicas, em especial as doenças vasculares. Smith e colaboradores (1995), por exemplo, tentaram correlacionar uma maior predisposição à PAIR em indivíduos diabéticos. Também pacientes hipertensos expostos a ruído intenso foram objeto de estudo por Ylikoski (1995).
Portanto, configuradas a importância e a atualidade do tema, pretendemos com este trabalho, avaliar em nossa região possíveis repercussões de doenças sistêmicas na evolução do paciente exposto ao ruído.
MATERIAL E MÉTODO
Estudamos 63 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), com a idade variando de 29 a 68 anos, com história de exposição ao ruído, sendo selecionados aqueles com curva audiométrica sugestiva de PAIR. Investigamos a presença de doenças sistêmicas como: hipertensão arterial, doenças auto-imunes, diabetes, neoplasias, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. Entre os pacientes, 61 eram funcionários da cozinha do HCFMRP-USP, área considerada ruidosa, e dois eram empregados de uma empresa. O diagnóstico de perda auditiva induzida por ruído foi baseado na anamnese, na qual foi constatado o agente causal, e em exame audiométrico tonal-liminar. A presença de doenças sistêmicas foi pesquisada durante a anamnese e por exames complementares realizados no Laboratório Central do HCFMRP-USP, não sendo feita confirmação por meio de exames laboratoriais naqueles pacientes que já estavam em seguimento ambulatorial especializado, devido às patologias sistêmicas.
RESULTADOS
Observando a Tabela 1, vemos que dos 63 pacientes avaliados (47 mulheres e 16 homens), 16 apresentaram curva audiométrica e evolução clínica sugestivas de PAIR (6 homens e 10 mulheres). A idade variou de 34 a 68 anos, com a média de 52 anos. Destes, 62,5% eram portadores de alguma doença sistêmica crônica (Tabela 2), com destaque para hipercolesterolemia (60%), hipertrigliceridemia (20%), hipertensão arterial sistêmica (20°/0), hepatopatia crônica (10%), úlcera péptica (10%), artrite (10%) e doença de Chagas, 10% (Tabela 3). Quanto aos pacientes expostos ao ruído sem curva audiométrica sugestiva de PAIR,10 eram homens, e 37, mulheres, com idade variando entre 29 a 58 anos (média de 46,9 anos), dos quais 12,77% apresentaram alguma doença sistêmica crônica (Tabela 4), com destaque para hipertensão arterial (66,7%), diabetes mellitus (33,3%), hipercolesterolemia (33,3%) e hipertrigliceridemia, 33,3% (Tabela 5).
DISCUSSÃO
A disacusia secundária a exposição crônica ao ruído é hoje uma das mais freqüentes causas de perda auditiva em nosso meio. Por ser uma doença ocupacional, vem aumentando a cada dia o número de processos de indenização financeira, causando prejuízo não só ao empregado, mas também ao empregador e às instituições responsáveis pela indenização.
O estímulo excessivo e constante às células ciliares da cóclea causa o encurtamento de sua radícula, levando a inclinação temporária dos cílios e tornando-os menos sensíveis ao estímulo sonoro. Este é o chamado desvio limiar temporário (TTS), que pode regredir, muito comum quando saímos de ambientes ruidosos (boites e shows de rock) e temos a impressão de estarmos disacúsicos. Se as células forem estimuladas por níveis mais intensos de som, então as radículas se rompem, e acredita-se que não mais se recuperem5. É o deslocamento limiar permanente (PTS). Acreditase também que, alguns meses após a destruição das células ciliadas, ocorra lesão nervosa. Em cobaias há ainda evidências de lesão vestibular, não sendo confirmado em primatas. Manabe e colaboradores (1995) sugerem um mecanismo fisiopatológico semelhante a doença de Ménière como causa de vertigem em pacientes expostos ao ruído, sugerindo uma hidropisia endolinfática como causa destes sintomas. Yamane é colaboradores (1995) identificaram, por métodos imunohistoquímicos, o aumento de radicais livres na estria vascular da cóclea, momentos após o trauma acústico, e classificaram este fenômeno como possível causa da perda auditiva. Outro possível mecanismo são a anóxia decorrente do consumo excessivo de energia durante períodos de estimulação sonora intensa e perturbação do suprimento através da estria vascular.
O tratamento da PAIR baseia-se, fundamentalmente, no diagnóstico precoce e na profilaxia do ruído, em especial do ruído ocupacional, através de programas de conservação da audição, para identificar e isolar máquinas ruidosas, monitorização do período em que os indivíduos são expostos a sons intensos e uso de protetores auditivos, quer passivos (eficazes para sons de alta freqüência, mas que distorcem a audição) ou ativos, onde existe uma prótese auditiva acoplada, com corte automático para níveis mais intensos de som. O uso de medicamentos vem sendo tentado como tratamento e profilaxia da PAIR. A nimodipina foi testada em ratos por Ison e colaboradores (1997) com poucos benefícios. O oxigênio hiperbárico também não mostrou resultado satisfatório4, bem como o diltiazem². A metilprednisolona foi testada em cobaias por Takahashi e colaboradores, em 1996, com bons resultados, sendo sugerida como boa terapêutica para traumas acústicos.
Entre os nossos pacientes estudados com curva audiométrica e evolução clínica sugestivas de PAIR, 62,5% eram portadores de alguma doença sistêmica crônica, com destaque para hipercolesterolemia (60%), hipertrigliceridemia (20%), hipertensão arterial (20°/a), hepatopatia crônica (10x/0), úlcera péptica (10%), artrite (10%) e doença de Chagas (10%). Com relação aos pacientes sem curva audiométrica sugestiva de PAIR, somente 12,77% apresentavam alguma patologia sistêmica, com destaque para hipertensão arterial (66,7%), diabetes mellitus (33,3%), hipercolesterolemia (33,3%) e hipertrigliceridemia (33,3%).
O fato de os pacientes com PAIR apresentarem mais doença sistêmica não prova, inequivocadamente, haver uma correlação entre as duas entidades. Por outro lado, sabe-se que os indivíduos portadores de doenças cardiovasculares, como os dislipidêmicos, apresentam maior risco de fenômenos tromboembólicos, que poderiam aumentar a predisposição a lesão na estria vascular coclear.
Em nossa amostragem, não encontramos uma maior predisposição à PAIR em indivíduos diabéticos, como foi encontrado por Smith e colaboradores (1995), bem como não foi constatada maior predisposição em indivíduos hipertensos, sendo encontrados 20% de hipertensos (dois pacientes) entre os pacientes com PAIR com patologia sistêmica e 67,2% (quatro pacientes) de hipertensos entre os pacientes com patologia sistêmica sem PAIR, divergindo dos resultados encontrados por Ylikoski (1995). Isto não significa que não haja necessariamente correlação entre estas patologias e a perda auditiva induzida por ruído. Talvez, quando aumentarmos nossa amostragem, em trabalhos posteriores, consigamos chegar a outras conclusões a respeito destas patologias.
TABELA 1- Distribuição dos pacientes expostos ao ruído quanto a presença de perda auditiva induzida por ruído.
TABELA 2- Distribuição dos pacientes com PAIR quanto a presença de patologia sistémica.
TABELA 3- Distribuição das patologias sistêmicas mais freqüentemente encontradas em pacientes com PAIR.
TABELA 4- Distribuição dos pacientes expostos ao ruído, sem PAIR, quanto à presença de patologia sistêmica.
TABELA 5- Distribuição das patologias sistêmicas mais freqüentemente encontradas em pacientes, ruído, sem PAIR.
CONCLUSÕES
Não podemos concluir, ainda, baseados nesta investigação, que os pacientes com doenças sistêmicas apresentam maior predisposição à PAIR. No entanto, devido à maior incidência dessas enfermidades em indivíduos com perda auditiva induzida por ruído, chamamos a atenção para a necessidade de aumentar o cuidado com esses pacientes, no sentido de ser efetuada prevenção da perda auditiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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10. YLIKOSKI, M. E. - Self-reported elevated blood pressure in army officers with hearing loss and gunfire noise exposure. Mil. Med., 160: 388-90, 1995.
* Médico Residente em Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.
** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.
*** Professora de Fonoaudiologia da Universidade de Franca, Franca /SP.
**** Técnico do Setor de Segurança do Trabalho do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.
Trabalho vinculado ao Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. Apresentado no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado em Porto Alegre /RS, de 18 a 22 de novembro de 1998.
Endereço para correspondência: Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Av. Bandeirantes, 3900 14049-900 Ribeirão Preto /SP - Telefone: (oxx16) 602-3000 - Fax: (Oxx16) 633-1586.
Artigo recebido em 21 de maio de 1999. Artigo aceito em 6 de julho de 1999.